Apesar de admitir parcialmente, em recente auditoria realizada pela Corregedoria da Policia Militar Francesa, a existência de abusos e violências praticados por patrulhas policiais contra os migrantes sem abrigo vivendo em torno da cidade de Calais, no Norte da França, dois relatórios sobre as condições de vida destes estrangeiros – um elaborado pela organização não governamental (ONG) Abrigo dos Migrantes (AdM) eu outro pela ONG Human Rigths Watch (HRW) – viram poucas das melhorias preconizadas pelos corregedores realmente implementadas neste mês de dezembro. De um modo geral, tanto a AdM quanto a HRW oferecem novas evidências de uma continua ação de intimidação e de tormento cotidiano dos cerca de 500 estrangeiros estacionados na cidade do Nord-Pas de Calais.
Segundo as associações humanitárias presentes no local os policias militares em Calais, sistematicamente, dispersariam os refugiados dos pequenos focos de acampamento noturno, confiscariam os pertences, rasgariam cobertas e barracas de lona e os impediriam de dormir ou de se abrigar sob pontes e marquises. Uma situação que, com a chegada do inverno, preocupa sobremaneira os trabalhadores humanitários que denunciam, mais uma vez, uma operação de “invibilização” do problema através da dispersão ou da expulsão de migrantes em direção à outros países da Comunidade Européia.
Em entrevista à You Agency Press (YAP), Loan Torendel, responsável operacional da AdM em Calais reconhece que os atos de violência física contra os desabrigados estrangeiros vivendo nos entornos da cidade nortista diminuiu em número e freqüência. No Entanto, este maior respeito à integridade corporal destes exilados viria em detrimento, sustenta Torendel, do bem estar geral destes que estariam sujeitos à táticas de assédio constante.
Além da política de dissuasão, para o ativista, a meta governamental de acolher em abrigos todos os migrantes em situação de rua até o final do ano não será cumprida. Um data limite que impôs o chefe do Estado, Emmanuel Macron, mas que a falta de vagas nos centros de urgência impediria o respeito. O que haveria, segundo Loan Torendel, seria apenas uma busca de um programa de “invisibilização” desta população e não de amparo.
“É triste, com a chegada no inverno, eles vivem sob à neve, sob a chuva e no frio”, Lamenta o voluntário.
Se nada for feito para abrigar os refugiados de Calais, “haverá mortes neste final de ano”, se alarma Torendel.
Human Rights Watch, de seu lado, corrobora com o fatos tal e qual foram apresentado pela ONG AdM. “os atos de violência policial, destruição e confiscação em curso são desumanos e inadmissíveis”, lança Bénédicte Jeannerod, diretora França de HRW. A dirigente exige que “as autoridades francesas ponham fim imediato à estes abusos e assegurem que os migrantes sejam tratados com a dignidade que todo o ser humano tem o direito”.
A ONG international, cujo relatório foi elaborado à partir de visitas à Calais no inicio do deste mês, também constata que, com a chegada do grande frio invernal, uma degradação das condições de saúde dos refugiados.
A equipe médica de HRW enviada à Calais afirma que, “entre os problemas mais frequentes é necessário citar a sarna, os chamados ‘pés de trincheira’, uma síndrome dolorosa causada pela humidade constante e prolongada dos sapatos, infecções otorrinolaringológicas e dores musculares e dorsais devido à vida nas ruas”, denuncia o relatório.
O ministério do Interior, lembra que novas vagas de emergencia estão disponíveis nos chamados Centro de Acolhida e de Exame da Situação Legal (CAES) em vista da chegada da estação fria. No entanto, como já havia constatado AdM em setembro em pesquisa realizada junto aos migrantes de Calais, estas estruturas seriam inadaptadas ao projeto migratório desta população. Isso porquê 94% dos entrevistados declaram o desejo de pedir asilo na Inglaterra posto que majoritariamente de origem anglofônica. neste sentido, segundo as contas de HRW, os refugiados vivendo no norte viriam, principalmente, da Eritreia, da Etiópia e do Afeganistão.
A administração regional do ministério do Interior no Pas-de-Calais, ouvidos por um cotidiano local, “desmente formalmente todas as acusações de destruição e de confiscação de objetos” pessoais ou de barracas e sacos de dormir. Por esta razão, o representante do Interior em Calais não vê “nenhuma razão de suspeitar da ação das forças de Ordem”.
As autoridades regionais ainda aproveitaram para lembrar que vagas de urgência dentro do dispositivo de abrigo contra o frio intenso foram abertas durante a primeira semana de dezembro quando uma frente fria tornou o clima da costa de Opala extremamente gélido, com temperaturas de 5° negativos.
Aliás, Loan Torendel louvou esta oferta emergencial mas reclamou da dificuldade de acesso, com desabrigados que teriam, segundo ele, visto as portas se fecharem sem que eles pudessem aceder aos abrigos. Fatos que também foram rebatidos pelo ministério do Interior.
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Outra ação do governo que trouxe revolta à todas as associações humanitárias envolvidas com a assistência aos migrantes foi a circular apresentada dia 10 e em vigor desde o dia 12 de dezembro pelo mesmo ministério do Interior. Esta medida pretende inspecionar centros de abrigo de urgência, que acolhem migrantes em situação de rua, no intuito, segundo o primeiro ministro Édouard Philippe, de orientar e acelerar o atendimento dos refugiados em busca de asilo na França. Liberando assim, mais rapidamente, novas vagas para outros migrantes mais recentemente chegados ao pais.
No entanto, o que temem as ONGs humanitárias é o fichamento destes indivíduos com o objetivo de expulsá-los tão logo a legislação o permita. Além disso, associações como Ëmmaus, Socorro Católico, Médicos do Mundo, entre outras, acreditam que esta circular, se aplicada, colocará em risco a existência do principio de direito universal de abrigo sob o qual estas entidades operam.
A propósito, às 25 ONGs presentes à reunião do dia 10 se retiraram em bloco como forma de protesto. “Nós nos recusamos a que os cetros de acolhida se tornem anexos do ministério do Interior”, declararam através de comunicado comum.
Para aplacar a ira dos atores sociais, o primeiro ministro decidiu, então, receber estes mesmos organismos, nesta quinta-feira passada, dia 21 de dezembro, para escutar e se explicar. No entanto, ao final deste encontro, os ativistas presentes não pareceram convencidos.
Para o presidente da Liga dos Direitos Humanos (LDH), Malik Selamkour, em entrevista, nesta tarde (sexta-feira, dia 22 de dezembro), concedida à YAP, o governo não demostrou a intensão de mudar de política. Não só isso mas, segundo o dirigente, Philippe teria reafirmado o comprometimento em aplicar a circular e recensear os sem teto nos centros de acolhida de urgência. Ainda de acordo com este participante do encontro, o primeiro ministro argumentaria, como já o fizera esta semana Assembléia Nacional, que o objetivo não é fazer uma triagem entre os “bons imigrantes e os imigrantes expulsáveis”, mas de ajudar a “desengarrafar” os albergues.
Um argumento que não convenceu Selamkour, que qualificou a troca entre as associações e o premier de “dialogo entre surdos”.
No final, para Selamkour, “não se tomou em conta a realidade.” O primeiro ministro, explicou, raciocinaria em termos quantitativos. “Me faltam vagas, logo, eu expulso”, resumiu assim a posição do chefe do governo.
Mais cedo na semana, publicamente, foi o primeiro policial da França, como é conhecido o ministro do Interior, Gérard Collomb, que desta vez falou de números. Ele explicou que, fora os cerca de 90 mil refugiados que deram entrada à um pedido de asilo este ano, se somados aos 100 mil estrangeiros que foram barrados nas fronteiras terrestres da França e também aos cerca de 300 mil migrantes que viram seus pedidos negados na Alemanha em 2017, a França teria que “construir uma grande cidade por ano”. O que, na visão do chefe das policias francesas, “se vê bem que é algo impossível”.
Conforme o ministro, a ação do governo esta longe de ser repressiva e pouco acolhedora mas seria uma política “justa, mas equilibrada”. Uma política de imigração que “ampara os perseguidos e reconduz aqueles que não tem vocação à serem protegidos” pela União Européia.
Perguntado sobre a procedência do argumento lançado pelo ministro do Interior, Malik Selamkour não dourou a pílula: “A França deve dar asilo à toda a pessoa ameaçada. Neste caso [se seguida a lógica exprimida por Gérard Collomb] ele esta dizendo: Eu acolho todos que estão sob ameaça, mas até o limite das cotas disponíveis”. Se não houver uma correção do tratamento conferido aos estrangeiros presentes no território nacional francês, “A França não será mais uma terra de asilo, mas uma terra de asilo limitado”, fulminou o presidente da Liga.
Um projeto de lei propondo amplas modificações as regras de imigração e de concessão de asilo politico e humanitário na França deve ser votado até o final do ano legislativo – que termina em junho de 2018. O convite foi feito as associações, pelo premier francês, para que estas participem da primeira rodada de discussões, logo após a publicação do anteprojeto no dia 11 de janeiro próximo.
O presidente da Liga dos Direitos Humanos, da sua parte, não garantiu participação. “Nós vamos julgar o projeto peça por peça… Se há avanços, como nós expusemos [ao primeiro ministro] nós poderemos dar uma olhada” esclarece Selamkour. No entanto, adverte o dirigente, se o governo não levar em conta as reivindicações dos ativistas “nós não teremos nenhum interesse em participar” do processo de elaboração da lei.
“Hoje, é verdade, o sinais não são muito bons. [o encontro de ontem, 21 de dezembro] parece indicar uma das políticas mais restritivas em direção dos estrangeiros”, concluiu desanimado.
DF
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