Projeto de lei polêmico de reforma do asilo e da imigração na França é apresentado em reunião ministerial
O ministro do Interior da França, Gérard Collomb, apresentou, dia 21 de fevereiro, o projeto final de reforma do asilo e da imigração na França aos ministros reunidos em conselho ordinário em torno do presidente da República Emmanuel Macron e do premier Édouard Philippe. As grandes linhas do projeto, batizado pudicamente de “lei por uma imigração controlada e por um direito ao asilo efetivo” já eram conhecidas, desde janeiro. No entanto, a confirmação do desejo do chefe do Estado e do governo de diminuir os prazos de tramitação dos pedidos de asilo e das vias de recursos possíveis aos candidatos frustados na busca desta proteção não deixaram de chocar os atores do meio humanitário, parlamentares de esquerda e mesmo da base governista.
A insatisfação é geral e uma recente pesquisa de opinião revelou que, se os franceses são majoritariamente favoráveis à concessão de asilo à refugiados, eles também acreditam que, para dois terços deles, haveria “imigrantes demais na França”. Um paradoxo que se explicaria pelo descontentamento à esquerda como à direita com a política de imigração do atual governo. Daí o desamor com o qual é vista a proposta de Collomb. Aliás, à direita identitária e extrema direita consideram a nova proposta de lei como “laxista” em relação ao tratamento reservado aos candidatos ao exílio no país. Já à esquerda o projeto é visto como liberticida.
No fronte judicial, as ONGs humanitárias obtiveram uma vitória relativa, na última terça-feira, na luta contra a chamada Circular Collomb, que causou mal estar geral quando editada em dezembro do ano passado. Este decreto concebido pelo ministério do Interior buscava forçar às equipes de gestão dos centros sociais de urgência à auxiliar no recenciamento de imigrantes em situação de rua atendidos por estas estruturas.
Para ONGs o projeto busca dissuadir um máximo de refugiados de buscar o direito de asilo na França. esta é, por exemplo, a avaliação geral da Cimade, ONG implicada na defesa jurídica de imigrantes na França, e que em um relatório, de forma lapidar, vê o objetivo de diminuir o tempo de instrução dos pedidos de asilo como uma forma velada de desestimular os imigrantes que atravessam as fronteiras europeias e à ir buscar junto as instâncias administrativas francesas o direito a proteção.
Neste sentido, a redução dos prazos máximos de encaminhamento, análise e julgamento dos pedidos de asilo é visto pela Cimade como uma violação do princípio de ampla defesa e um ataque ao equilíbrio necessário para a avaliação de cada caso.
Mas apesar das críticas, inclusive do Conselho de Estado (CE), que é corte administrativa superior, e do mal estar dos árbitros da Corte Nacional do Direito de Asilo (CNDA) que julgam em segunda instância as demandas dos refugiados – estes em greve, há 15 dias, contra o projeto e por melhores condições de trabalho – o governo persiste. O que Gérard Collomb e outros argumentam em defesa do projeto de lei é que este texto legal não seria mais que um ajuste necessário para a redução do período de análise dos pedidos de asilo. Em outras palavras, uma reforma para melhor atender os estrangeiros que a França decidir acolher e para “afastar” mas rapidamente àqueles à quem será negado este direto.
Mas como sugerem os órgãos administrativos responsáveis pelo exame da situação dos exilados, os dezoito meses médios de tramitação ainda podem ser encurtados sem a redução legal de prazos processuais desejada pelo governo. Isso porquê, como frisa o Conselho de Estado, em uma comunicação interna obtida pelo diário Le Monde, a última reforma do asilo e da imigração na França, que data de há apenas dois anos, não foi completamente aplicada e sistematizada. Uma razão à mais para não legiferar com precipitação, adverte o Conselho.
Além disso, Jacques Toubon, ex-ministro da justiça sob Jacques Chirac, e que está à frente do órgão que se chama Defensor dos Direitos (DDD) e que é uma espécie de “auditor” dos direitos Humanos neste país, também expressou reservas. Toubon, em rara entrevista, declarou, ao mesmo Le Monde, que o candidato ao asilo seria “mal tratado” pelo projeto de legislação.
Para ele, esta política de imigração – deste governo mas também dos precedentes nos últimos 30 anos pelo menos, explicou o fiscal dos direitos – “é incapaz de mudar a realidade”, fulmina.
“O que me interessa, como DDD, é que a maneira como são tratados os mais frágeis seja conforme [as regras] dos direitos fundamentais, e que se reconheça os seus direitos Humanos universais. E para alcança-las [estas metas] há que se engajar em uma política de terreno, serena e deliberada que não precisa de novas ferramentas legais”, acredita Toubon.
O ex-ministro da Justiça também aproveito a ocasião para refutar a tese segundo à qual organizar o fluxo de imigrantes, ao invés de dissuadir exilados e outros estrangeiros de buscar a França como endereço, levaria à um crescimento eleitoral da extrema direita. “Construamos, oito, dez centros sociais para a acolhida [dedicados aos recém chegados] como no norte de Paris ou em Ivry, e nós nos surpreenderemos de como isso fará diminuir a pressão[política], defende.
Circular Collomb Mantida mais enquadrada pelo Conselho de Estado
O governo dirigido por Édouad Philippe justificou a medida administrativa pela necessidade de melhor orientar os refugiados em busca de asilo e, assim, “desengarrafar” as filas de atendimento e liberar vagas para exilados recém chegados ao território francês.
No entanto, como You Agency Press (YAP) noticiou, desde o início, a totalidade dos atores humanitários da França bateu a porta e denunciou um desejo de triar e de “separa” os bons dos maus imigrantes e, desta forma, reconduzir rapidamente os “indesejáveis” à fronteira.
Em conseqüência, 28 entidade de defesa de migrantes e dos direitos humanos entraram com um pedido de, alternativamente, reescritura ou suspensão da circular, junto ao Conselho de Estado. Sem deferir a demanda do autores desta ação cautelar o CE, na opinião do advogado que representou o meio associativo, considerou que o órgão “reescreveu” a circular quando determinou que os agentes do Interior encarregados da missão de recenciamento e orientação aos migrantes não poderão impor, nem as equipes de gestão, nem tampouco aos refugiados, a colaboração ou a declaração de informações.
De acordo com a decisão, a circular deve continuar em vigor mas a aplicação deve se fazer na base do voluntariado. Uma forma de evitar os efeitos mais temidos pelas ONGs – o de buscar identificar os candidatos mais óbvios à recondução à fronteira exterior do país.