Emmanuel Macron visita Calais em operação de comunicação calculada para defender a política de imigração do Estado francês

Denis Charlet/AFP

O presidente da república Francesa Emmanuel Macron visitou Calais, no norte da França, pela primeira vez desde que assumiu a presidência. Acompanhado de 4 ministros, entre os quais o contestado ministro do Interior Gérard Collomb, o chefe do Estado francês, pela manhã, renovou o apoio à policia civil e militar estacionada nesta cidade portuária que funciona como um funil da imigração africana e asiática em direção do Reino Unido, do outro lado do Canal da Mancha.

Com a visita, o chefe do Estado quis aproveitar à atenção dada pela imprensa nacional à cada deslocamento oficial que realiza para destacar o que vê como acertos do acompanhamento dos refugiados nesta cidade que concentra uma boa parte dos efeitos ligados à pressão migratória sobre o país. Ele renovou o comprometimento de que uma nova “Selva” de migrantes não se formará na cidade no departamento do Pas de Calais.

Mesmo se o pico da crise humanitária que fez explodir o número de migrantes na Europa, de um modo geral, e em Calais em particular, entre os anos de 2014 e 2015, ficou para trás, a gestão atual das poucas centenas de candidatos ao exílio inglês ainda presentes nos arrabaldes deste município continua a gerar polêmica e tem sido o alvo de relatórios negativos redigidos por organizações não governamentais (ONG) pró-migrantes ou de defesa dos direitos humanos, além de críticas acerbas vindas de políticos da oposição bem como raras vozes que emanam das fileiras da situação.

Segundo muitos atores do mundo associativo, Macron estaria mais preocupado em defender a política que implementa em Calais do que com um dialogo franco que leve a inflexão desta mesma linha de atuação da parte da administração. Ainda assim, o chefe do Estado se propôs a ouvir, no inicio da noite de hoje (16 de Janeiro), as ONGs que atuam na defesa e na assistência à estes estrangeiros em busca do asilo em solo britânico e que se vêem barrados às portas do país vizinho pelas autoridades francesas – em cumprimento aos acordos de Touquet de 2008 entre os dois países.

Na próxima quinta-feira, durante o encontro franco-britânico entre Emmanuel Macron e a premier inglesa Theresa May, o chefe do Estado francês deve evocar a situação migratória em calais e sustentar reformas no texto do acordo aduaneiro em vigor há 10 anos. Especialmente no que diz respeito aos refugiados em situação de menoridade e isolados que buscam reencontrar parentes do outro lado do Canal da Mancha.

Boicote

A percebida intransigência das autoridades nacionais levou duas das associações humanitária presentes na cidade portuária, mesmo convidadas, à renunciar ao encontro com o locatário do palácio do Élysée. O vice-presidente de uma destas entidades, François Guennoc da Auberges des Migrants (AdM) explicou por telefone neste terça-feira à You Agency Press (YAP) que os resultados obtidos por grandes associações nacionais, como Secours Catholique, Cimade ou ainda a Liga de Direitos Humanos (LDH) são mínimos. Em reuniões similares, aponta, estes gigantes da ação humanitária na França não puderam modificar a linha percebida como repressiva em relação à gestão da imigração e do asilo. “Se estas grandes associações não conseguiram vergar à vontade do governo, porquê nós poderíamos”, pondera o dirigente.

E de fato, como salientou Guennoc, o principal objetivo de Emmanuel Macron ao visitar Calais é o de “vender” a futura lei de reforma chamada de Asilo-Imigração, encabeçada pelo ministro do Interior, Gérard Collomb, e que fora apresentada às ONGs no último dia 11. Um ante-projeto de lei que desagradou à todas as associações presentes ao encontro com o primeiro ministro Édouard Philippe. O temor destes atores sociais se confirmou. Muito pouco do que estas ONGs reivindicam há meses foi acolhido no texto inicial.  Uma visão centrada na repressão, dissuasão e  na expulsão e pouco voltada ao abrigo incondicional que preconizam os dirigentes do humanitário na França.

Prova é, em discurso aos cerca de 1.100 policias que atuam na região e que foram recebê-lo, o presidente se apressou em renovar o apoio ao projeto de lei Asilo-Imigração dirigido por Collomb. Ele ainda não perdeu a ocasião de elogiar os agentes da lei que tem sido duramente criticados pelas ONGs locais e que, em diversos relatórios independentes são acusados de abusos contra os migrantes.

Segundo as duas últimas auditorias independentes realizadas, as forças de ordem em Calais, entre outros, acordariam os migrantes no meio da noite, lhes impediriam de se abrigar da chuva em baixo de pontes e marquises, lhes confiscariam cotidianamente pertences pessoas e cobertas além de lhes agredirem constantemente através do uso de gás lacrimogênio.

YAP, em reportagem em Calais na semana passada, ouviu tais relatos de fontes abundantes. No entanto, como  salientaram jornalistas da imprensa regional, as provas prometidas pelas ONGs contra os policias no que tange as acusações de violência física e psicológica contra os refugiados ainda são aguardadas. Estes mesmos repórteres confirmam, no entanto, uma política agressiva de dissuasão à formação de acampamentos nos bosques e bairros da periferia – com confiscação de sacos de dormir, cobertas e pertences pessoas constatadas por mais de uma vez.

As autoridades policias locais negam em bloco todo abuso generalizado, mesmo se uma auditoria recente admitiu excessos pontuais que mereceriam reenquadramento e, eventual, punição.

O chefe do Estado anuncio, durante o exercício de louvação ao trabalho dos policias, um abono salarial no final do ano, à estes servidores que, segundo Macron, realizam “uma missão excepcional”. Ele ainda considerou que “funcionários [de polícia], quem quer que sejam, não se comportam da maneira que dizem”, contrapôs.

Emmanuel Macron ainda visitou, pela manhã, um dos três novos Centros de Abrigo e de Exame da Situação Administrativa (CAES) no Pas de Calais. Estas estruturas são vistas como centros de retensão e expulsão por entidades como Salam ou AdM. Para eles, a demanda dos migrantes estacionados na cidade portuária é uma só: alcançar o Reino Unido e dar entrada lá à um pedido de asilo.

É por esta razão que os CAES seriam uma forma de acelerar a recondução à fronteira destes exilados, posto que eles não tem à menor intensão de pedir a proteção da França. Esta espécie de “purgatório” que terminaria em expulsão. Motivo pelo qual as ONGs locais desestimulariam os migrantes à buscar abrigo nestes locais geridos pelo Estado.

Um comportamento que Emmanuel Macron não deixou de criticar. Para ele “a alternativa é clara e aberta, a proteção passa pelos centros de abrigo onde a situação de cada um será analisada com a maior atenção, ainda mais para aqueles que pedirem asilo em nosso país”, indicou.

Além de ver a atual administração como inflexível, Guennoc, cuja ONG tem experiência extensa de dialogo com governos passados, se diz escaldado pelos resultados obtidos. “A gente deixa estas reuniões com um sentimento de amargor. As autoridades nos ouvem mas não concordam conosco. No final, eles declaram [à imprensa] que o encontro foi um sucesso quando na verdade não houve acordo. Não queremos ser usados pela propaganda oficial mais uma vez”, argumentou o vice-presidente.

Apesar de boicotar a visita de Macron, AdM quer ouvir os anúncios do chefe do Estado. Em casos pontuais, Guennoc se disse pronto a “dar uma mão” ao governo, como no caso da distribuição de refeições, hoje ao encargo das ONGs mas que deve retornar às mãos das autoridades oficiais, conforme anunciou o presidente da república. Uma medida bem acolhida pelas associações como Salam e AdM mas que “não sera uma tarefa fácil à implementar”, adverte François Guennoc.

Como a reportagem de YAP em Calais pode constatar, as tensões nestes bivaques humanitários é constante devido às condições difíceis de vida destes refugiados, as rivalidades intra-étnicas e a presença de atores ambíguos nos entornos desta população de flagelados. O que torna a gestão deste “refeitório à céu aberto” extremamente delicada. AdM, neste ponto, se diz disposta a amparar os agentes do Estado, se este desejar contar com a expertise da associação.

Por outro lado, este outro pilar da ajuda aos migrantes que é a já citada ONG Salam, contactada pela reportagem de YAP, explicou que iria ao encontro das autoridades, apesar da pouca esperança de modificação dos planos do governo. A principal reivindicação deste organismo que é responsável pela distribuição diária de café da manhã à centenas de refugiados na Costa de Opala, como é conhecido o litoral do norte, é a que o Estado permita que um abrigo seja aberto em Calais.

Uma medida que poderia trazer alivio durante o dia aos migrantes que, hoje, passam os dias espalhados na periferia da cidade, sob o frio e a chuva constantes típicos desta época do ano. No entanto, com o fim da chamada “Selva de Calais” – vasto loteamento ilegal que, no auge da última crise migratória chegou a abrigar entre 7 mil à 10 mil refugiados, e que foi completamente evacuado ao final da presidência de François Hollande – toda a ação do governo de Édouard Philippe é voltada para a dissuasão e para a prevenção da formação de novos pontos de fixação de desabrigados.

Daí o medo que um novo abrigo, ainda que aberto apenas durante o dia, possa servir de ponto de atração e, em última instância, de um ponto de concentração de migrantes.

DF – de Calais e de Porto Alegre

2 thoughts on “Emmanuel Macron visita Calais em operação de comunicação calculada para defender a política de imigração do Estado francês”

Deixe uma resposta