Balanço da Greve: “É preciso se convencer que a vitória de Bolsonaro é uma coisa possível”, avalia historiadora francesa

Agência Brasil

Dorian Filho de Paris com Karine Menoncin

You Agency Press (YAP) encontrou Armelle Enders, historiadora especialista em história contemporânea brasileira na Universidade de Vincennes-Saint-Denis/Paris VIII e pesquisadora ligada ao Instituto do Tempo Presente em Paris. Em conversa extensiva, Enders se mostrou relativamente pessimista quanto ao futuro da democracia brasileira. Um tema com o qual ela é familiar. Fina interprete das idas e vindas da vida política do “gigante” da América do Sul, a pesquisadora acredita que a crise aberta pela greve dos caminhoneiros não só expôs a fragilidade do governo Michel Temer mas também demonstrou que há um potencial para um efeito “Trump” nas próximas eleições.

Surfando na crista da onda de um conservadorismo mundial, o candidato do Partido Social Liberal (PSL) Jair Bolsonaro, apesar do radicalismo retórico e programático, não estaria impedido de conquistar à presidência nas urnas. Alias, nesta manhã (dia 05 de junho), uma pesquisa realizada por telefone pelo portal Poder360, colocou Bolsonaro na liderança dos 1° e 2° turnos, se a eleição fosse hoje.

Sob este pano de fundo, YAP destaca os principais pontos desta entrevista que alerta para os perigos potenciais que cercam a democracia brasileira: 

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Iniciada em 21 de maio, a chamada “Greve dos Caminhoneiros” durou 11 dias. O movimento trouxe o caos para o campo e para as cidades do país. Interrompeu a distribuição de produtos, combustíveis e o escoamento da produção agrícola e agropecuária de todas as regiões. 

Após duas semanas de tensões e transtornos na distribuição de bens, víveres e combustíveis no Brasil, qual é o balanço das instituições democráticas no país?

O bloqueio com origem na mobilização destes trabalhadores – mas que, em certo ponto, foi também promovido de maneira velada por empresários do setor que viam no movimento uma forma de fazer avançar uma agenda comum – trouxe de volta à crônica o espectro da deposição de Michel Temer, visto como um dos vilões desta crise, junto com Pedro Parente, que acabou por pedir para sair nesta semana, e da volta provisória dos militares ao poder.

Segundo o jornal Folha de São Paulo, no alto da crise, há uma semana, congressistas aliados teriam demonstra real preocupação com a durabilidade da estadia de Temer no Palácio do Planalto.

As forças armadas, oficialmente, defenderam a aplicação da constituição e se ativeram à missão subalterna à autoridade civil que a carta magna lhes designa. No entanto, o clima de desgoverno e de fragilidade avançada do poder executivo recolocou sob o pano verde a carta da solução militar defendida por uma parcela minoritária do país. E vista com bons olhos por Bolsonaro e seus apoiadores do Movimento Brasil Livre (MLB).

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Com o retorno aparente à normalidade, a hipótese da partida precipitada de Temer parece momentaneamente afastada. Entretanto, como explica Armelle Enders, historiadora francesa especialista em história brasileira contemporânea, a saúde da democracia nacional é periclitante.

“Nenhuma instituição para de pé [neste momento]… A política eu nem preciso falar. [Mas] a Justiça – por que existe um partido da Justiça – É a única instituição, finalmente, que conta com uma total impunidade.” Acredita a pesquisadora. Para ela, mesmo que a composição dos membros do poder judiciário não seja um bloco homogêneo, ela afirma que os juízes seriam “os únicos impunes da sociedade brasileira”.

Isso implica que, no interior das instituições democráticas, neste momento, “haja apenas uma luta de facções, o que é extremamente grave”. Isso porque, como ela explica, todos os espaços de poder se politizaram à um ponto em que os brasileiros de todas as convicções desconfiariam da atuação do Estado.

E a crise gerada pela Greve, segundo ela, apesar de ser, eleitoralmente,  “excelente para Bolsonaro”, como sustenta Armelle Enders, ainda não foi suficiente para levar à uma situação de emparedamento do presidente da república, e, ainda menos da volta dos militares ao poder.

Entretanto, admitindo que haverá uma eleição em outubro, a historiadora chama à atenção: “O que é importante no Brasil é que [eleitores, comentaristas] se convençam que a vitória de [Jair] Bolsonaro é uma coisa possível”, receitua Enders.

O que a historiadora explica é que ela não vê no país os anti-corpos necessários para resistir à o que ela define como uma “onda de Trumpismo” em desenvolvimento no Brasil. Um conservadorismo que o candidato de extrema direita encarnaria perfeitamente.

Segundo a autora, a conquista da presidência por Jair Bolsonaro, embora implausível, não deve ser descartada. E mesmo se ela não deseja ver o ex-militar no Planalto, ela acredita que a derrota do deputado carioca poderia ser mais um elemento em direção de um levante militar, se um golpe de Estado devesse acontecer.

“Nao acho que estamos neste ponto ainda” insiste Armelle Enders. No entanto ela lembra que, uma nova crise, como à paralisação dos motoristas de caminhão, à exemplo 1964, pode precipitar uma adesão clara  e decisiva da classe média brasileira, o que seria um último pré-requisito necessário para que as facções intervencionista das Forças Armadas decidam agir.

Por que houve um momento muito rápido de passagem [da opinião], onde a classe média se aliou aos militares na ideia de algo iria acontecer e que valia mais à pena um golpe que colocasse as coisas em ordem. Em seguida, ninguém pensou no regime Militar. Se pensava em uma intervenção na vida politica, como houve outras, os militares vem para colocar um pouco de ordem e logo depois a vida retoma[seu curso normal]. Mas não foi o que aconteceu. Isto posto, nós não chegamos lá [ainda], mas podem haver fenômenos, se produzirem coisas que produzam esta mesma cristalização [de apoio da classe média em favor uma solução autoritária].” Adverte a estudiosa.

relembrando: como evoluiu o movimento
Greve dos caminhoneiros, via Anchieta próximo da entrada para o Rodonel. São Bernardo do Campo, SP. 27 de maio de 2018 – Roberto Parizotti – Agência Brasil

A Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) puxou o gatilho de uma arma já munida há bastante tempo. Ao enviar, em 15 de maio, um ofício ao governo federal solicitando atendimento às urgentes demandas da categoria, como o custo do combustível e fim da cobrança dos pedágios sobre eixos suspensos. A ideia era zerar a carga tributária federal sobre o diesel, principal combustível para caminhões e veículos pesados.  

A insatisfação partia da recente escalada da tributação por conta da política de preços da Petrobras, empresa estatal brasileira que atua nos segmentos de exploração e produção de petróleo, refino, gás natural, energia elétrica, logística, comercialização, distribuição, petroquímica, fertilizantes e biocombustíveis.

A organização alertava: se os pedidos não fossem colocados em pauta, uma paralisação da categoria seria deflagrada na segunda-feira seguinte (21 de maio). Reunidos em grupos no aplicativo de conversas WhatsApp – num modus operandi sem líderes aparentes – arquitetaram e conduziram o movimento. Após o governo federal recusar as negociações, caminhoneiros bloquearam rodovias de 17 estados e ganham apoio de boa parcela da população.

Já no dia seguinte, a adesão cresceu e 188 pontos de paralisação foram criados em 19 estados e no Distrito Federal. Já com postos de combustíveis e aeroportos desabastecidos, o presidente Michel Temer reúne-se com os grevistas, propondo uma trégua de três dias. O acordo não foi aceito pelo movimento.

Na quinta-feira (24 de maio), já eram registrados 500 pontos de paralisação. Numa nova e fracassada tentativa de acordo, Pedro Parente, presidente da Petrobras, propõe a redução de 10% sobre o valor do diesel por 30 dias, o que representaria um prejuízo de 5 bilhões aos cofres da estatal brasileira. No dia seguinte, o Governo Federal permite intervenção militar e das forças federais para desobstruir as vias públicas – com base no chamado Decreto de Garantia de Lei (DLO).

Manifestações seguiram acontecendo durante o final de semana, ainda que, com uso da força autorizada, alguns aeroportos tenham sido abastecidos. No domingo, Temer faz um pronunciamento nacional informando a redução de R$ 0,46 no valor do diesel por 60 dias, além da suspensão da cobrança de pedágios. Parte dos grevistas não reconhecem a proposta feita e seguem com o movimento em pelo menos oito estados da Federação.

O Movimento seguiu com os grevistas reivindicando a queda do presidente da Petrobras, bem com a renúncia de Michel Temer – tido como o governo mais impopular desde a redemocratização brasileira. Entre os grevistas, há grupos que defendem a necessidade de uma intervenção militar no país, ainda que a cúpula do Exército não tenha se manifestado.

Desde o início, diversas entidades, como a Associação Brasileira de Caminhoneiros (ABCAM), reivindicaram a organização do movimento, ainda que não sejam reconhecidas por um expressivo número de grevistas. Em contraponto, especula-se o apoio de companhias de logística – o que é constitucionalmente ilegal no país, uma vez que empresários não podem paralisar seus serviços a fim de obterem vantagem em um jogo político com o Governo.

Nas últimas 48 horas a Polícia Rodoviária Federal atesta do total desbloqueio das principais rodovias do país. O retorno à normalidade  do abastecimento de bens e produtos em todas as regiões parece assegurado.

Ontem, mesmo que em grupos hospedados em plataformas sociais tenham anunciado a manutenção do movimento, não à sinais de retomada das paralisações. Ontem, um protesto convocado em Brasília reuniu apenas quatro caminhoneiros.

Uma primeira versão desta matéria foi reeditada para incluir outras informações. 

A entrevista completa com Armelle Enders está disponível para veículos assinantes do pacote de serviços YAP

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