França aparece dividida após concessões feitas aos Coletes Amarelos anunciadas por Emmanuel Macron

Os anúncios do presidente da República Francesa dividiram a opinião pública francesa. Uma tendência que continua evidente no dia seguinte ao pronunciamento de Emmanuel Macron que foi acompanhado ao vivo por cerca de 23 milhões de franceses na noite de ontem (10 de Dezembro). O chefe do Estado fez concessões fiscais e sociais em busca de interromper a dinâmica do movimento dos Coletes Amarelos (CAs) que começou como uma bronca contra uma taxa sobre o preço de venda dos combustíveis na França mas se transformou em revolta geral contra a queda do poder aquisitivo, contra a injustiça fiscal e social do país e por reformas do sistema político em vigor desde 1958. Em jogo, o fortalecimento ou a pacificação dos protestos de rua que eclodiram tem um mês e que sacudiram Paris, Bordeaux e Toulouse, deixando um rastro de caos e destruição à cada final de sábado.

Concernidos em primeiro lugar, os militantes do movimento dos Coletes Amarelos parassem se posicionar à imagem da opinião do país. Ontem mesmo, as mídias eletrônicas nacionais e regionais procuraram auscultar ativistas reunidos nos piquetes de bloqueio rodoviários de norte à sul. Na média, estes CAs mais determinados se disseram insatisfeitos com as medidas apresentadas pelo chefe do Estado. Um dos primeiro militantes à ser ouvido pela rádio pública France Info em uma rotatória do norte se disse mesmo decido a “fazer as coisas sem contar com Macron”. Uma forma de secessão de uma parte dos manifestantes que é recorrente nos cortejos de protesto na Capital e pelo país – conforme YAPMAG pode contatar em reportagens realizadas neste mês de agitação.

Já do lado dos mais moderados dentre os militantes em amarelo fluorecente, como o coletivo dos “Coletes Amarelos Livres” o tom é outro. A musa midiática desta corrente que foi recebida na semana passada pelo primeiro ministro Edouard Phillipe na véspera do 4º ato que aconteceu sob grande tensão no sábado passado, saudou os  “avanços, a porta aberta” ao diálogo pelo executivo. A ativista bretã, Jacline Mouraud ainda defendeu uma “trégua” para o final de semana.

Este mesmo contraste é ilustrado pelas duas pesquisas de opinião publicadas hoje pela manhã por dois institutos diferentes e, dentro da margem de erro, com resultados opostos. A consulta produzida para a radio France Info – generalista e sem viés – do instituto Odoxa informou que 54 % dos mil entrevistados desejavam o prosseguimento do movimento. Inversamente, a sondagem dirigida pelo instituto OpinionWay para o canal de notícias LCI – generalista e com viés de centro direita – afirmou que 54% dos mil franceses consultados gostariam que o Coletes Amarelos concedessem a trégua que propõe a moderada Mouraud.

Em todo caso, estes dois resultado mostram um primeiro sinal de que a iniciativas propostas por Emmanuel Macron e o tom conciliatório do Chefe do Estado surtiram efeito sobre uma parcela da opinião pública que prefere que os Coletes Amarelos aceitem o gesto do executivo e suspendam os protestos.

Críticas ao dispositivo anunciado

No fronte parlamentar os anúncios foram criticados por todos os partidos de oposição, em diferentes tons e sob diferentes ângulos. Uma diversidade de pontos de vista esperada visto o horizonte ideológico da Representação Nacional francesa – o que não impediu uma univoca reprovação.

Durante a sessão de perguntas ao governo – típico encontro dos meios de semana no parlamento francês – o chefe das fileiras socialistas e primeiro secretário do Partido Socialista (PS) Olivier Faure criticou os dispositivos “Made in Sarkosy” apresentados ontem por Emmanuel Macron. Isso porque, como lembramos ontem, a defiscalização das horas extras para os trabalhadores que escolherem “trabalhar mais para ganhar mais” – mantra do ex-presidente Nicolas Sarkosy (2007-2012) – deu origem a mesma medida que foi abolida por François Hollande (2012-2107) e volta agora pelo desejo do atual ocupante da Presidência.

Para Faure, o executivo praticaria uma “volta ao futuro”. Ele comparou a criação no início do ano da criticada  “flat tax” – que limita a imposição fiscal das empresas em 30 % – ao “escudo fiscal” também criado por Sarkosy e extinto por Hollande e que protegia os contribuintes mais afortunados com uma restituição fiscal para os que ocupavam o topo da tabela do imposto de renda. “Escudo fiscal, horas extras defiscalizadas, aumento do salário mínimo as custas dos franceses”, listou Olivier Faure como prova da “sarkoisação” da atual maioria governamental.

O primeiro ministro Philippe reagiu com vigor:”Quando foi visto um aumento do salário mínimo de 100 Euros”? Uma forma de mostrar que o anúncio mais significativo de ontem é bem uma prova da preocupação do governo com o poder aquisitivo do trabalhador francês modesto.

No entanto, tecnicamente, o deputado de oposição esta certo. Não ouve um aumento salarial mais a revalorização de um dispositivo social e um renúncia fiscal que, somados, e que no máximo, dependendo do caso, colocará 100 euros a mais por mês no bolso do assalariado que tem um ordenado igual ou próximo ao atual salário mínimo. Daí o fato de que, como chamou atenção Macron durante a alocução de ontem, o empregador não terá que arcar com este reforço da renda proposto pelo presidente.  Ou seja, o aumento real do salário mínimo em 2019 ficará nos 2% anunciados pelo primeiro ministro tem uma semana – o maior desde 2012, mas bem aquém dos 100 euros propalados pela situação.

O que não quer dizer que não haverá uma parcela da população mais carente do país que não verá uma melhoria nos patamares apresentados por Emmanuel Macron. O que acontece, entretanto, é que o mesmo dispositivo se aplica de maneira diferente a cada trabalhador porque o direito à receber o abono de atividade – que pode chegar à 80 euros ao mês no melhor dos casos – varia de acordo com a situação domiciliar de cada contribuinte.

Em primeiro lugar, par demostrarmos o que exatamente propôs ontem Macron aos assalariados modestos da França, é preciso saber como o chefe do Estado chegou a cifra de 100 euros a mais por mês. Por dois caminhos: por um o governo já havia neste ano  previsto uma exoneração fiscal que incidirá sobre os salários de todos os trabalhadores e que deve colocar 20 euros a mais no bolso de cada um. Por outro, um abono pago pelo governo aos ativos, dispositivo que já existe, vai ser revalorizado à partir de janeiro de 2019. Nos casos de um trabalhar solteiro e sem filhos que ganha um salário mínimo, por exemplo, o contra-cheque pode se ver reforçado em 80 euros. Com os 20 de exoneração fiscal Macron chegou aos 100 euros.

Mas o problema é que, por exemplo, um domicílio fiscal onde um casal sem filhos receba juntos, mais de 2200 euros, o abono de atividade será menor. Agora, se imaginarmos a diversidade de situações familiares existentes no país, bem se vê que nem todo o assalariado recebera os 100 euros anunciados. Vai variar para mais o para menos.

Resta que, o abono não é um benefício automático. Ele precisa ser requisitado junto a Seguridade Social. De acordo com dados oficiais, hoje, cerca de 70% dos trabalhadores que tem direito já solicitaram. Enfim, no início de 2018, segundo dados do ministério do Trabalho, 11,5% dos ativos franceses recebiam apenas um salário mínimo por mês (1185 euros/mês) ou 1,98 milhões de franceses. No entanto, as medidas anunciada não concernem apenas os que rebebem apenas o mínimo. Salários e domicílios com renda modesta também serão beneficiados, mas de maneira proporcional.  Ou seja, cerca de 5,4 milhões de pessoas.

Juntas, a concessões feitas em reação ao movimento dos Coletes Amarelos desde a semana passada – extinção da taxa sobre os combustíveis que foi o estopim da crise, aumento de 2% do salário mínimo, renúncia ao aumento da alíquota da Contribuição Social Generalizada (CSG) sobre as pensões de aposentados até 2000 euros por mês, horas extras defiscalizadas e revalorização do abono atividade – segundo diversas estimativas que circulam na mídia local, devem custar entre 9 e 10,5 bilhões por ano aos cofres públicos.

Um custo que vai colocar a trajetória do déficit público da França em curva ascendente. Um problema para o governo que pretendia apresentar à comissão Européia um índice de 2,9% de déficit para este ano. Com as novas medidas, o déficit deve se elevar à 3,5%, no máximo.

Já o chefe dos parlamentares do Partido Les Républicains (LR) na Assembleia Nacional, o deputado Christian Jacob, que na semana passada definiu o “macronismo” como sendo uma “jactância”, foi mais crítico da forma que do fundo do que propôs o chefe do Estado. Para ele, os anúncios, apesar de “tardios” vão em “bom sentido”, estimou, Uma questão de coerência programática, posto que muitas destas medidas, ou foram aplicadas pela maioria de direita durante a presidência de Nicolas Sarkosy, ou faziam parte do programa do partido há pelo menos uma década.

O tom geral da bancada de direita e de centro-direita da Assembleia é de circunspecta aprovação do fundo e de moderada crítica da forma, a exemplo do líder Jacob. Contudo, o deputado LR parisiense Claude Goasguen, conhecido por suas posições iconoclastas próximas da extrema direita, aproveitou para relançar a polêmica trazida à tona pela presidente do Partido Rassemblement National (RN) – União Nacional – Marine Le Pen> Esta, ao deixar o palácio Matignon, sede do governo, onde participou de uma rodada de audiências com o premier tem 8 dias, denuncio o pacto de Marraquexe que estabelece os direitos e deveres de migrantes e dos Estados membros da Organização das Nações Unidas (ONU) no que diz respeito ao fenômeno da imigração no mundo.

Para ela, como agora para Goasguen, este tratado, cuja observância das regras se fará em regime voluntário e preserva a soberania de cada um dos signatários sobre a politica migratória a aplicar, teria decretado a “submersão demográfica” da França e uma “renúncia da soberania país” em matéria de imigração.

Já o deputado extremista do RN Ludovic Pajot, pensa que a assinatura do pacto, ocorrida ontem em Marraquexe no Marrocos, é a prova que Emmanuel Macron, independente dos anúncios fiscais e sociais de ontem, “não entendeu a revolta do povo” manifesta no movimento dos Coletes Amarelos. Para ele, o jamegão aposto ao acordo internacional pelo executivo é “uma manipulação” que, de novo, significaria “a submersão migratória” do território nacional.

Quem respondeu aos dois deputados de direita extrema, pelo governo, foi o secretário de Estado junto ao ministério da Europa e das Relações Exteriores, Jean-Baptiste Lemoyne.

À Claude Goasguen, que oficialmente tem assento junto a bancada da direita republicana, o secretário lembrou o caráter voluntário e não obrigatório da aplicação dos artigos do pacto de Marraquexe. Para Lemoyne, o parlamentar LR estaria se deixando levar pelo extremismo do Rassemblement National. Ele estaria à reboque do movimento de extrema direita lepenista. “O senhor está à reboque do RN por que o partido do senhor está aos pedaços”, acusou o membro da chancelaria francesa.

Em seguida, Jean-Baptiste Lemoyne, de maneira expeditiva, rechaçou as críticas de escassez democrática da parte do governo que preferiu assinar o tratado sem consultar o parlamento ao lembrar à Pajot que o RN, partido do parlamentar, é comandado pela mesma família desde de a fundação. “O senhor que clama por democracia, pertence à um partido que se chega à direção por herança e não por talento”, lançou Lemoyne.

A deputada Mathilde Panot, do Partido La france Insoumise (LFI) não só criticou as medidas como insuficientes do ponto de vista fiscal e social, mas afirmou que o governo “mente aos franceses” quando fala de aumento do mínimo.

A parlamentar ainda retornou ao tema das reformas políticas que uma boa parte dos CAs em protesto, pouco à pouco, passaram a exigir. Em especial, Panot lamenta que o presidente não tenha se exprimido em favor da instauração do Referendo de Iniciativa Popular, ou simplesmente RIP como se lê nos grupos Facebook do movimento Coletes Amarelos. “Devolva-me o ISF (Imposto Social sobre a Fortuna) e o referendo de iniciativa popular”, bradou das tribunas a deputada de esquerda radical.

Edouard Philippe, calmamente, reprovou o tom acusatório da colega de parlamento. Em seguida, o premier confessou estar consciente das diferenças de ponto de vista que existem entre a maioria e, em particular, o partido de Mathilde Panot. Contudo, ele insistiu que as concessões feitas até agora eram adequadas a situação e que tinham a vantagem de não “quebrar a vontade transformadora do governo”. Uma forma de assegurar à classe política francesa que os Coletes Amarelos não os impedirão de dar sequência a agenda de reformas “que os franceses escolheras” nas urnas.

Nos grupos Facebook mais frequentados pelos CAs ativistas as palavras do presidente não convencem. Não só Macron não implaca entre o Coletes Amarelos, mas a grande mídia em geral é vista com desconfiança e desprezo. Face as pesquisas que mostram uma primeira perda de apoio popular ao movimento, muitos dos comentários de internautas incitam à “Não ouvir à mídia” ou à “não prestar atenção nos números (…) eles são feitos para te impedir de utilizar teu livre arbítrio” e mais frequentemente uma simples  mensagem: “não vamos abandonar nada!”.

Para estes irredutíveis do movimento dos CAs, a atenção se voltou para, justamente, pautas políticas, referendo de iniciativa popular, destituição do parlamento e novas eleições parlamentares com voto proporcional, demissão de Emmanuel Macron ou ainda a saída da França da Comunidade Europeia ou a volta ao Franco. “não se deixe enganar! Os Coletes Amarelos não são presuntos (tolos)! Até a vitória e o RIP!”. Um tom contestador destes internautas que deixa a pensar que sábado que vem, como se diz na França das passeatas e atos de protesto, os Coletes Amarelos “vão se exercitar” nas ruas de Paris. A dúvida que resta é quão numerosos eles serão.

DF de Paris

* Ao fechamento desta matéria uma cena ativa de tiroteio em Estrasburgo, no mercado de natal da cidade, estava em desenvolvimento. Até o instante, haveria pelo menos 2 mortos e 11 feridos. A pista terrorista é privilegiada e o atacante, ferido em uma troca de tiro é procurado ativamente. Esta cidade que abriga o Parlamento Europeu é próxima a fronteira alemã, cujas autoridades anunciam um controle estrito devido ao perigo de evasão do agressor que poderia buscar refúgio no país vizinho. A situação pode desencadear a decretação do Estado de Emergência no país ameaçando os planos de protesto dos Coletes Amarelos. Outras informações mais tarde aqui em YAPMAG.

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