Feridos Graves: Quando manter a ordem tira pedaços – nova série de reportagens YAPMAG

O movimento dos Coletes Amarelos (CAs) na França concluí o “12º Ato” em Paris, neste sábado (02 de fevereiro) com uma marcha, que partiu da praça Daumesnil ao meio-dia, em homenagem aos manifestantes feridos nesses três meses de protesto de rua que se caracterizaram por episódios de violência campal ao final das passeatas pelo país. O enfrentamento, de acordo com fontes independentes, causou mais de uma centena de feridos graves. O uso acentuado de “armas de letalidade intermediaria” – fuzil LBD 40 munidos de balas de borracha, granadas de gaz lacrimogêneo explosivas e outras bombas de dispersão, por exemplo – é a causa de tantos rostos desfigurados, membros arrancados, olhos perdidos ou cegados além de lesões intra-cranianas. Um balanço humano sem precedentes nos últimos 20 anos e que impressiona ativistas pelo desarmamento das forças policias e outros observadores.

YAPMAG esteve presente na Praça Daumesnil em Paris, onde alguns destes feridos que envergarão sequelas pelo resto da vida, apesar do perigo de serem novamente atingidos por projeteis disparados pela polícia, escolheram voltar as ruas para denunciar o que eles qualificam de “massacre” e de “abuso de poder” da parte das autoridades responsáveis pela ordem na França.

Feridos Graves: Quando a Manutenção da ordem tira pedaços. Uma nova série de YAPMAG em breve em nossas páginas. Hoje, introdução ao balanço humano da revolta dos Coletes Amarelos:

O enfrentamento entre ativistas e policias das tropas de Choque na França, semana à semana, produziu um número sem precedentes de feridos em geral e, sobretudo, de enfermos com graves lesões, muitas delas com consequências irreversíveis.

Franck Didron, desempregado e militante da primeira hora, perdeu o uso do olho direito no início de dezembro durante o “3º Ato” em Paris. Em outras palavras: Franck sofre de cegueira parcial permanente.

“Eu não consigo mais me olhar no espelho. Eu estou desfigurado, não me sinto mais eu mesmo” – Franck Didron, atingido por uma bala de borracha durante o “3º ato” Colete Amarelo.

“Eu não consigo mais me olhar no espelho. Eu estou desfigurado, não me sinto mais eu mesmo”, conta o jovem sobre sua vida depois do dia em que tudo mudou para ele. “Eu não como mais. Eu pesava 62 [quilos] e agora eu peso 45”, prossegue. Com a cavidade ocular ainda escondida por um tapa-olho, Franck decidiu de retornar ao asfalto parisiense, apesar do risco, sempre presente, de novos confrontos em final de passeata, e, de uma nova lesão. “Ser escutado [pelas autoridade]. Mostrar nossos machucados. mostrar ao governo o que ele esta fazendo ao seu povo”, justifica assim o perigo incorrido no dia de hoje.

Mas Franck Didron não esta sozinho na desventura. De acordo com o jornalista especialista da manutenção da ordem na França, David Dufresne, e que acompanha o fenômeno à mais de uma década, através de um trabalho rigoroso de acompanhamento de feridos que realiza desde o princípio do movimento – com verificação de elementos que comprovem as declarações de CAs que chegam  ele e a sua equipe – até este novo sábado de manifestações, ele contabilizou 160 pessoas atingidas na cabeça por balas de borracha lançadas pelo fuzil de letalidade intermediária LBD 40, sendo que destes, 17 perderão um olho ou a visão devido à força do impacto. O trabalho que faz via Twitter também pôde confirmar 4 ativistas que tiveram um mão arrancada e amputada em razão de acidentes com as granadas explosivas de gaz lacrimogêneo do tipo GLI-F4.

Já o coletivo de luta contra a violência policial Désarmons-Les confirma 124 feridos graves – um número um pouco mais modesto – mas em compensação eleva à 20 pessoas vítimas de cegueira devido ao uso de projeteis de borracha. YAPMAG, nesta semana que passou, falou com Ian, porta voz do coletivo [que prefere que o sobrenome não seja conhecido do grande público]. Este grupo de ativistas milita pelo desarmamento das forças da ordem de um modo geral. Por esta razão, eles são contra o uso do LBD 40 e outros artefatos do arsenal. No entanto, ele pondera que, se usado conforme os manuais internos da polícia militar, em particular, o rosto e a virilha nunca poderiam ser visados. Ou seja, estas 20 cegueiras fogem à norma conhecida.

David Dufresne, que escreveu um livro e realizou um documentário sobre a ação do Estado e das tropas de choque nos levantes populares de 2005 nas periferias de Paris e outras grandes cidades e durante as manifestações estudantis e sindicais contra uma lei que procurava flexibilizar o primeiro contrato de emprego na França em 2006, também questiona o porquê de tantos manifestantes visados na cabeça – 300 ao todo segundo os dados que ele pode confirmar junto aos interessados.

O experiente jornalista, em diversas intervenções na mídia local, explica que a doutrina francesa da manutenção da ordem, do final dos anos 80 para cá, privilegiou uma tática de dispersão sem choque entre policiais e manifestante na qual o uso de gaz e de jato d’água é preconizado como forma de evitar lesões graves e até mesmo mortes como no passado. O fato de haver mais de uma centena de feridos graves em menos de 3 meses de conflito é, por si só, um fato histórico. Ian, pacifista com passado anarquista e de extrema esquerda, pensa o mesmo. Uma convicção baseada no conhecimento que adquiriu no combate as armas ditas de letalidade intermediária utilizadas pela polícia tem mais de uma década e não em ideologia, nos disse.

E os próprios números gerais, confirmados pelo ministério do Interior, que contesta às criticas e os pedidos de suspensão dos uso destas armas polêmicas vindos de diversos setores da política e da sociedade civil neste momento, dão uma ideia da escalada. Até hoje, o Interior fala em 1900 feridos entres os Coletes Amarelos e 1200 entre os policiais – mais de 3000 em 3 meses. O número de sindicâncias abertas pela Inspeção Geral das Policias Nacionais (IGPN) é de 111 – incluindo o incidente envolvendo o popular ativista amarelo Jérôme Rodriguez, atingido, no sábado passado no final do “11º Ato”, por uma granada de dispersão que explodiu próximo aos pés e, possivelmente, por uma bala de borracha no olho direito, simultaneamente.

Além disso, na quarta-feira (30 de janeiro), o ministério do Interior informou que um número surpreendentemente alto de balas de LBD 40 foram disparadas desde o início do conflito social – 9228.

Rodrigues, portanto um tapa olho, já liberado pelos médicos do hospital onde foi atendido no final de semana passado e onde ficou internado até o meio da semana, voltou às ruas de Paris para mais um dia de protesto. Antes de iniciar a passeata de homenagem aos feridos, este próximo da ala radical do movimento CA, de pé sobre uma peça do mobiliário público, foi aclamado pela multidão, e, em retorno, animou os presentes com cantos, palavras de ordem e conclamando os presentes à entoar o hino nacional francês ou à proceder à um minuto de silêncio solene.

Apesar do polêmico comunicado lançado no sábado à noite por outros animadores influentes do Grupo Facebook (FB) de Coletes Amarelos “A França em Cólera”, em que o fecho, falava em “levante sem precedentes através de todos os meios úteis e necessários”, o que induziria a pensar em um chamado ao revide, já nos primeiros dias da semana que passou, Rodrigues pediu para que os CAs que se identificavam com o sofrimento dos feridos não “se vingassem” em seu nome e que fossem “pacíficos até o final” do “12° Ato” em nome do “pacifismo da causa”.

Como costuma ser o caso, até o fechamento desta matéria, perto do final da passeata que inicio na praça Daumesnil em Paris da qual o célebre ferido participou, a manifestação conheceu as primeiras tensões entre ativistas e membros das forças da ordem. YAPMAG atualizara esta matéria amanhã para dar conta do balanço final do “12º Ato” Colete Amarelo. O que já se sabe é que, no meio da tarde, de acordo com o Interior, 14 mil pessoas desfilaram nas ruas do país, sendo 8000 à Paris. O jornal Liberation, citando um organismo independente, falava em 13 000 pessoas em Paris.

Inexperiência e conflito interno

Mas como explicar uma tal abundância de casos de pessoas atingidas na cabeça? Como explicar um uso considerado extravagante de granadas explosivas, cuja letalidade dita intermediária é cada vez mais contestada?

O colunista Jean-Dominique Merchet do jornal centrista L’opinion, um egresso dos serviços de inteligência, pensa conhecer algumas das repostas à estas questões. Em sua última coluna ele aponta o fato de que a maior parte dos casos, em que manifestantes foram feridos gravemente e atingidos em áreas do corpo proibidas pelos manuais de instrução, foram causados por policiais civis à paisana, cuja formação não inclui técnicas de manutenção da ordem. Eles fugiriam do protocolo de uso do LBD 40, por exemplo, que segundo Merchet, deve ser disparado por um soldado contra um alvo selecionado por um oficial comandante em vista de neutralizá-lo e interpelá-lo com o objetivo de realizar uma prisão em flagrante por vias de fato. Tudo isso sob as ordens do mesmo oficial e não de maneira discricionário pelo portador do fuzil em questão.

Jamais, ainda de acordo com o especialista de assuntos de polícia e justiça, se poderia, como fariam os policias civis da Brigada Anti-Criminalidade (BAC) presente em reforço aos militares da Choque (CRS) ou das Brigadas Móveis – homens e mulheres formados para o controle de conflitos de rua – atirar ao léu, em movimento e sem enquadramento. Uma prática vastamente documentada pelas dezenas de câmeras que seguem as passeatas dos Coletes Amarelos.

Um comportamento que, de acordo com as fontes de Merchet, ouvidas sob à condição de anonimato, causam atritos entre os comandos militares e civis no seio da polícia francesa. O déficit de formação para a manutenção da ordem somado ao conflito de competência que levaria à uma pobre concatenação entre a BAC e as tropas de CRS e de brigadianos móveis contribuiriam em muito para este resultado alarmante de feridos cujas vidas foram alteradas substancialmente e inalteravelmente.

Uma opinião a qual abundam as de David Dufresne e de Ian. No entanto, mesmo ponderando, como faz Jean-Dominique Merchet, o jornalista e o ativista humanitário ressaltam a obrigação do Estado de proteger e de preservar a integridade física de todos os manifestantes – mesmo os mais violentos – como nos declarou Ian do coletivo Désarmons-les. 

YAPMAG esta, no terreno, realizando entrevistas, reportagens e pesquisas para melhor analisar este fenômeno sem igual nas últimas décadas de conflitos sociais na França. Desde a semana que vem estaremos publicando o resultado deste trabalho aqui em nossas páginas. Fique atento e nós siga nas redes sociais.

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DF de Paris

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