Pena de um mês de prisão com concessão de sursis requerida contra Eric Drouet, um dos líderes dos Coletes Amarelos

O caminhoneiro de Melun que foi o criador do evento Facebook que acabou servindo de data nacional de lançamento do movimento dos Coletes Amarelos é réu em um processo por organização de manifestação pública ilegal. A sentença será conhecida no do 29 de março.

Eric Drouet, inspirado por um abaixo-assinado que pedia medidas contra a alta dos preços dos combustíveis na França, sem grandes pretensões, criou um evento Facebook (FB) onde convidava os colegas caminhoneiros à uma jornada nacional de bloqueio da economia francesa para o dia 17 de novembro de 2018. Por meses, a atividade imaginada pelo motorista profissional não atraiu um grande número de adeptos. Foi preciso que Pricillia Ludosky, a micro-empresária por trás do abaixo-assinado, fosse escutada em uma rádio regional da Grande Paris para que a atenção de milhares de internautas fosse voltada às ações, até então isoladas, de Drouet e da autônoma da região parisiense. Hoje pela manhã (15 de Fevereiro), em uma corte de Paris, Drouet começou à ser julgado acusado do crime de organização de manifestação pública ilegal em dois atos ligados ao movimento do qual é um dos criadores.

Nas poucas frases acima, pode-se assim resumir a (sui) gênese do movimento de revoltas que hoje é conhecido como Coletes Amarelos (CAs). Desde os primeiros passos dados pelos ativistas sobre as avenidas e rotatórias do país este grupo heteroclito de manifestantes professa uma hostilidade sem falha à constituição de uma hierarquia. Todas as tentativas de estabelecer uma liderança nacional, ou um coletivo de direções regionais, ou um corpo diretivo qualquer foram rechaçadas firmemente – mesmo através de assedio virtual com ameaças de morte aos líderes putativos e aos familiares destes.

Com o tempo, e a mediatização do movimento, certos nomes passaram a ser referencias entre os Coletes Amarelos – nas ruas e nos grupos Facebook onde eles são milhões a participar, consultar e se manifestar. Conforme a celebridade de cada um crescia, e que os veículos nacionais os solicitavam em seus estúdios ou os colocavam em cena em suas páginas, estes personagens desistiam, pouco a pouco, de serem entronizados, de uma forma ou de outra, no topo do movimento. Passo à passo, o título de “personalidade do movimento” foi sendo preferido pelos interessados mas também pela mídia nacional e internacional tão detestada pelos Coletes Amarelos.

Se por um lado, esta legitimidade adquirida através da imprensa é hoje um fato social mais do que legal, por outro lado, não se pode resumir a autoridade moral de personalidades como Eric Drouet, Pricillia Ludosky, Jérôme Rodrigues, e outros, mais moderados, como Jacline Mouraud ou Ingrid Levavasseur, à um fenômeno surgido unicamente nas ondas de radio e tevê. Cada um dos grupos virtuais de CAs que se tornaram referências incontornáveis do movimento tem uma vida interna intensa e, muitos dos atuais porta-vozes de hoje, passaram à interessar a imprensa porque, conforme a revolta evoluía também no interior destes espaços, eles passaram a interessar e ser ouvidos por um número expressivo de militantes.

De uma maneira ou de outra, a durabilidade da presença física e virtual dos Coletes Amarelos na paisagem midiática, social, política, policial e judiciária do país levou à que certas cabeças não coroadas, sem parecer perturbar o desejo forte de “horizontalidade” reivindicado pelos ativistas CAs, sejam “condutores” de ações e sejam os árbitros e entronizadores no seio de um público que se não progride em número de participantes não se desmobiliza.

Compreender este papel de juiz de paz que alguns exercem é essencial para compreender os argumentos da acusação e os argumentos da Defesa no caso que hoje envolve Eric Drouet. Este militante histórico entro os históricos do movimento é o líder de fato de uma equipe de animadores ou agitadores – o qualificativo aqui depende de onde se fala – do principal grupo FB em torno do qual ativistas mais “último-termistas” se organizam. “A França em Cólera” é um espaço de troca e de socialização das causas mais políticas do movimento. Em especial, a reivindicação por um Referendo de Iniciativa Popular ou RIC [velha canção entoada por extremistas franceses] ou pela anistia aos condenados CAs por crimes cometidos durante ou após as passeatas ou “atos” de protesto dos sábados nos últimos 3 meses. Eles já se contam em centenas e serão potencialmente milhares, de acordo com os números da Justiça e do ministério do Interior.

Publicamente, Eric Drouet e seus acólitos [Jérôme Rodrigues, Hakin Löew, Leatitia Dewalle, por exemplo] dizem que o grupo é uma plataforma onde os administradores se limitam a fazer circular a palavra de cada um. No entanto, basta observar o alto número e o teor dos comentários deixados a baixo de cada postagem de Eric Drouet, de Rodrigues ou ainda o livecaster Ramous, entre outros, para se dar conta que certas vozes são mais prezadas que outras no seio deste grupo.

Quando Eric Drouet decide ser o criador de um novo evento difundido pela rede social norte-americana, marcado para o sábado 22 de dezembro do ano passado em Montmartre, ou ainda um evento noturno no dia 2 de janeiro, o ativista, ao não declara-los junto às autoridades responsáveis, se fez culpado do crime de organização de manifestação pública ilegal, e incorre à uma pena de até 6 meses de prisão e multa de até 7500 euros. Pelo menos é assim que vê o ministério público (MP).

Isso porque, de acordo com o MP na origem da denúncia, Eric Drouet, mesmo que nunca tenha sido eleito à um posto de direção do movimento, é uma voz que conta entro os adeptos da revolta amarela. Se ele decide convocar uma passeata sem autorização formal, diferente de outros ativistas menos reputados, ele seria capaz de mover um grande número de pessoas.

“Eu sou apenas um transmissor”

Quando a presidente da corte do Tribunal de Grande Instancia de Paris (TGI) iniciou o interrogatório do réu Drouet, uma das primeiras questões girou entorno do alegado papel do ativista na convocação do encontro público do dia 2 de Janeiro. Uma manifestação simbólica chamada por Eric Drouet através da página dirige no FB e de vídeo hospedado no site Youtube.

Em uma postagem Facebook, lida pela presidente da corte, Eric Drouet escreveu “É amanhã amigos! Sem coletes amarelos só nós, encontro com Coletes Amarelos no respeito da lei mas só 🙂 nós iremos onde nós queremos ir!”

Na prática, e de acordo com diversas discussões de CAs nas redes sociais que antecederam este ato, o motorista de Melun convidava os adeptos do movimento à se encontrar para um café em uma lanchonete internacional com endereço na famosa avenida Champs Élysée para, em seguida, partir em caminhada até a igreja da Madelene à poucos passos dali.  Drouet e as poucas dezenas de CAs que foram ao encontro nunca chegaram a completar o trajeto. Uns foram interpelados e detidos ainda na conhecida via parisiense e Drouet e um punhado de apoiadores foram presos à poucos passos da casa de culto na rua Royale.

“Não era um chamado à manifestação?”, indaga a presidente. “Não”, replica o acusado. “Nós queríamos apenas nos encontrar e homenagear os mortos”. No entanto, como salientou a magistrada que dirige os trabalhos da corte, no vídeo, cuja transcrição foi lida anteriormente, Drouet fala de “chocar a opinião pública” ao convidar os adeptos da causa a se encontrar diante da lanchonete.

Ela questiona a lógica exprimida por Drouet.

– “Eu sou apenas um transmissor”

– “De quem?”

– “Do conjunto dos Coletes Amarelos”

– “O senhor sabe que o senhor incarna uma forma de representação em escala nacional deste movimento. O senhor não sente que toda iniciativa de sua parte é suscetível de levar pessoas a se reagruparem em torno do senhor e suscitar [o início] de uma manifestação pública?” pergunta um dos juízes vogais.

– “Se eu decido ir fazer compras e 100 pessoas vão junto eu não posso antecipar [que isso ocorra]”.

Um debate que resume o caso. Se ele não é líder, como pode ser ele o responsável por uma manifestação. O fato de indicar uma iniciativa, de acordo com esta lógica de defesa, não caracterizaria a responsabilidade do caminhoneiro no que diz respeito a organização de uma manifestação.

Mesmo raciocínio quando interrogado pelo promotor Olivier Christen sobre a passeata do dia 22 de dezembro inciada em Montmartre e que tem origem em um evento FB cujo organizador, no que diz respeito às regras de funcionamento desta rede social, é bem o réu. Inicialmente previsto para Versalhes, ela foi finalmente transferida para o turístico bairro parisiense em frente à mundialmente conhecida catedral com o mesmo nome.

Ele nega ser o iniciador desta manifestação parisiense. A própria decisão de trocar o endereço do ato teria sido coletiva, segundo ele. “Os Coletes Amarelos decidiram de ir a Montmartre para que não houvesse problema e tensão”, testemunha. “Eu sequer conhecia Montmartre”, garante o réu. A Seine-et-Marne, departamento em que vive o caminhoneiro, fica à 30 minutos de trem do célebre bairro boêmio da Paris da Belle Époque.

O promotor o interpela: “Houve problemas em Paris neste dia não?” Drouet retorque:” Não entre o meu grupo, não. Eu não sou o responsável de toda [a cidade de] Paris!”.

Para Christen, o problema esta bem aí. “Quando chamamos à manifestar não podemos nos posicionar dizendo: ‘ Eu, depois, o resto, não é problema meu’ “, questionava mais cedo durante a audiência.

De forma sistemática, ao longo de todo o interrogatório, o réu Eric Drouet, trintanário sem antecedentes criminais, e hoje, um dos líder não eleitos do movimento Coletes Amarelos, em uma estratégia cuidadosamente preparada, buscou justamente desconstruir sua imagem de liderança e de magistério sobre o grupo de ativistas do qual participa e é mesmo um dos inciadores.

Mas a defesa conduzida pelo advogado Khéops Lara ainda alega que houve abuso de autoridade no dia 2 de janeiro. Como Prova ele oferece um vídeo em que o cliente concede entrevista rodeado por um punhado de seguidores à poucos passos da catedral.

Entrevistado antes da interpelação policial da qual foi objeto, Drouet, face às câmeras da agência CLpress, como hoje diante da corte, já justificava o encontro da mesmo forma. Um convite para beber um café entre amigos, sem envergar os simbólicos coletes, e uma oportunidade de descer a avenida Champs Élysée para homenagear os mortos em consequências das ações do movimento.

Contudo, o promotor de justiça à cargo do caso, que toma a palavra neste momento, ao final da exibição do documento visual, se disse espantado com o fato de que Lara tenha desejado incluir o vídeo como prova em favor da tese da defesa. “Se vê muito bem que não se trata de um encontro para tomar um café mas uma manifestação em via pública” com o réu que aparece  e “se identifica sozinho como sendo o organizador do que se passa. Respondendo às questões dos veículos [de comunicação]”, argumenta o representando do MP.

Já Khéops Lara pensa que não, as imagens da agência CLnews seriam à prova da arbitrariedade da detenção do cliente. “Os cartazes, os panfletos, não os vemos. Vemos uma dezena de pessoas ‘embretadas’ como bestas e animais” se inflama o advogado.

Curiosamente, Olivier Christen não salienta um dos momentos mais marcantes do longo documento de 24 minutos. Próximo ao final, quando Eric Drouet é conduzido por dois policiais à uma viatura de polícia para ser condizido ao comissariado do bairro, a pequena multidão que acompanha o que acontece, primeiro tenta se interpor, depois bloqueia o avanço dos policiais que conduzem o motorista profissional, cantam o hino nacional e, por fim, aclamam o ativista interpelado aos gritos de “Eric”.

Se ele nega toda condição de liderança, fica difícil imaginar que ele não conte com o apoio de muitos outros militantes Coletes Amarelos.

O que diz a lei na França?

No final da manhã desta quarta-feira, em uma corte do TGI de Paris, o representando do MP começa o requisitório contra esta “personalidade” do movimento amarelo lembrando o que diz a lei: “O Código da Segurança Interior dispõe que cada encontro de pessoas sobre a via pública deve ser objeto de uma declaração prévia”. No caso em discussão, nas duas datas referida, não houve notificação à Prefeitura de Polícia de Paris (PPP) que é a autoridade competente neste caso.

Mais adiante ele se diz emocionado pela afirmação de uma manifestante ouvida no vídeo do dia 2 de janeiro que acabara de ser assistido. “Escutar alguém no vídeo dizer que vivemos em uma ditadura me dói o coração quando se sabe o que é uma ditadura”, se confia Christen.

A vigência continua da democracia na França, ele tem como prova o número de manifestações legalmente comunicadas e autorizadas no anos que passou. “2.500 manifestações de reivindicação e 5.000 manifestações festivas foram organizadas em Paris [em 2018], todas submetidas ao regime de declaração prévia, e nenhuma foi proibida (…) E eu ouço dizer que não se pode mais manifestar livremente (…) e que nós vivemos sob uma ditadura!”, rebate, obliquamente, alguns dos argumentos aventados por Drouet e seus companheiros documentados no vídeo da agência CLpress.

Por fim, na visão da acusação, o caso é límpido: Se uma simples declaração é o suficiente para conformar um ato aos ditames da lei, a escolha de não notificar as autoridades é a prova irrefutável do crime. “No dia 22 de dezembro de 2018 e no dia 2 de janeiro de 2019 o senhor Drouet cometeu, então, a infração que hoje lhe é imputada. Eu requiro uma pena de um mês de prisão com a concessão imediata do benefício do sursis”, encerrou assim o promotor Olivier Christen.

Processo Político

“Em 2 de Janeiro, não há um chamado à manifestar [da parte] de Eric Drouet. É uma loucura que tenhamos que discutir isso em um tribunal. Não houve manifestação. O que há é um grupo de gente que se desloca”, abre assim a sustentação oral em favor do réu, o advogado Khéops Lara. Para ele, ainda, a acusação não pode provar o que avançou durante à audiência. “Não há um só ato material de organização de uma manifestação ou de chamado à manifestar”, martela o defensor.

Enfim, lança Lara, “este processo é claramente político. Se veio julgar Eric Drouet como figura pensante e se pede que vocês que o condenem por isso”. Ele é uma figura pensante mais não um dirigente, segundo o advogado.

Convidado à se pronunciar por uma última vez antes do final dos debates, Drouet, com a mesma insistência demonstrada durante a fase de interrogatório, reafirmou: ” Eu não tenho nenhum papel de organizador, eu não sou um líder, eu sou apenas um transmissor de informações”.

No início dos trabalhos, o MP requereu o que se chama de “reenvio” – uma transferência do Processo para data posterior, alegando que gostaria de julgar todos os processos onde o lides Colete Amarelo consta como réu em relação com os fatos ocorridos nas duas datas em discussão. Isso porque, no dia 22 de dezembro de 2018, Eric Drouet foi flagrado portando um cassetete em margem da passeata. Um tal objeto, pelo direito penal francês, é considerado como uma “arma por destinação” e cujo porte é proibido.

No entanto, a corte rapidamente decidiu que os casos iriam ser julgados separadamente. Sobre tudo porque essa tinha sido a vontade expressa do ministério público e que a defesa também desejava que o presente processo fosse julgado imediatamente.

Entretanto, ainda que tendo concluído a instrução nesta quarta-feira, o veredito só será conhecido no dia 29 de Março. Já o processo por porte ilegal de arma por destinação acontecerá no dia 5 de junho.

DF de Paris

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