Os acordos europeus em matéria de asilo “são inoperantes”, define Emmanuel Macron

 

A crise aberta pela chegada ao poder de uma coalizão de populistas na Itália levou o presidente francês Emmanuel Macron a convidar o colega Giuseppe Conte para um tête-à-tête em Paris, nesta sexta-feira (15 de junho). Após o bloqueio de um navio de resgate de imigrantes náufragos superlotado, causado pela proibição inédita de desembarque decretada pela capitania dos portos italiana no domingo passado (10 de junho), e das subsequentes inação francesa e escalada verbal entre os dois países vizinhos, hoje, a hora era ao ajuste dos ponteiros e dos discursos. 

No futuro, concordaram os dois líderes, a Europa precisa reformar “radicalmente os paradigmas” atuais que orientam as regras que disciplinam o direito ao asilo e a imigração no interior da comunidade europeia (CE). 

Mas, quanto às futuras proibições de desembarques italianas, o chefe do governo transalpino foi evasivo e o chefe do Estado francês, apesar de também ter feito manobra de diversão, ainda assim,  lembou seu homólogo da geografia do continente que, “sem hipocrisia”, faz do vizinho o porto mais próximo do oeste africano – e, por isso mesmo, mais concernido pelas travessias clandestinas e pelos naufrágios constantes. 

Emmanuel Macron recebe o colega italiano Giuseppe Conte – ₢AFP

Depois de acusar o governo italiano, em reunião ministerial nesta terça-feira (12 junho), de agir “com cinismo e irresponsabilidade” na gestão dos  629 náufragos resgatados pela embarcação humanitária Aquarius, em águas mediterrâneas, Emmanuel Macron procurou diminuir a tensão entre os dois países vizinho ao declarar que a França e a Itália “trabalham de mão dadas” no que diz respeito às questões de imigração no interior da CE.

O chefe do Estado francês, como prova de convergência entre os dois lideres, se disse favorável à reforma dos chamados acordos de Dublim, que regem o direito de asilo entre os países membros da da União Européia (UE). Macron qualificou as regras de “inoperantes” no estado atual. A Itália, uma das principais portas marítimas de entrada no espaço comum europeu, e que reclama uma modificação na regra que a obriga a receber todos os pedidos de asilo daqueles que desembarcam na península italiana, mostrou-se satisfeita da postura reformista do presidente Macron.

Giuseppe Conte se disse aberto à uma reforma “radical dos paradigmas” que orientaram a construção das regras de Dublim. Isso levaria à uma Europa, segundo ele, “mais forte” e evitaria o que chamou de “viagens da morte”.

No entanto, quando perguntados sobre a obrigação de receber embarcações em busca de um porto seguro para o desembarque de náufragos, como o caso do navio Aquarius, os dois se mostraram evasivos.

Resumo dos fatos que provocaram a crise do Aquarius

Durante a madrugada de sábado (9 de junho) para domingo (10 de Junho), o navio de resgate Aquarius, operado pela ONG SOS Méditerranée, resgatou 629 imigrantes africanos náufragos ou em risco de naufrágio. Cerca de 400, de acordo com fontes ligadas a ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF), foram embarcados no Aquarius a pedido das autoridades italianas.

No entanto, a capitania dos portos da Itália, quando solicitada pela embarcação humanitária, negou pedido de atracagem em um porto seguro na costa italiana. A orla da península, no entanto, faz parte da zona marítima de urgência na qual se encontrava o Aquarius, bem como a maior parte das embarcações improvisada ou de resgate vindas do oeste africano desde o início da crise migratória em 2014.

Legalmente, explica MSF, a ilha de Malta, também na mesma zona de urgência marítima, deveria ter oferecido um porto de atracagem. No entanto, o pequeno país insular também se negou a assistir aos imigrantes.

Bloqueado em meio ao mar bravio dos últimos dias, o Aquarius, inicialmente, lançou um apelo à França – país mais próximo depois da Itália e de Malta. No entanto, o governo de Édouard Philippe preferiu chamar os italianos ao dever – posto que, dentro da zona de urgência que os incumbe, eles são obrigados a indicar um porto seguro para desembarque humanitário ou sanitário.

Ironicamente, a Córsega, cujos partidos nacionalista lutam há séculos para se “libertar” da França, ofereceu acolhida em uma das instalações portuárias da ilha francesa. Entretanto, Paris impediu que a oferta se concretizasse.

Em plena crise, na terça passada, o porta voz do governo, Benjamin Griveaux justificou a recusa do país chamando o novo governo populista italiano à responsabilidade que as leis marítimas e os tratados internacionais impõe. Além de responsabilizar o país vizinho, Griveaux, em frase que atribuiu ao presidente Emmanuel Macron, acusa a Itália de agir “com cinismo e com irresponsabilidade” ao proibir o desembarque dos imigrantes resgatados.

Enquanto a tensão monta entre os dos países, o novo governo socialista espanhol oferece uma saída de crise e convida o Aquarius a atracar no porto da cidade de Valência. De acordo com as últimas estimativas, o navio deve chegar a cidade espanhola no meio da tarde de domingo.

Reforma dos tratados de Dublim

A crise migratória, cujo ápice se deu entre os anos de 2014 e 2015, expôs o desequilibrou que os acordos chamados de Dublim impõem aos 27 países ainda membros da União Europeia (UE). A regra que provoca maior desacordo entre os parceiros europeus é a que obriga o país que recebe pela primeira vez um candidato ao asilo a processar o pedido.

Na prática, ao entrar no espaço comum europeu, o imigrante que deseja pedir a proteção diplomática ou humanitária à Europa deve se dirigir ao Estado onde foi acolhido pela primeira vez. Isso faz com que países como a Itália, Grécia ou Hungria – portas de entrada preferências devido a proximidade geográfica às rotas de imigração – a gerir um número superior de desembarques ou de chegadas terrestres que outros países da CE.

“Ninguém deixa seu país [em condições que expõe ao risco de morte] por prazer”, lembrava Netsanet, morador do Campus de Paris 8, quando da coletiva que YAP acompanhou na semana passada. Uma realidade que a totalidade dos profissionais e voluntários do meio associativo e humanitário francês  confirma mas que não é unanime no seio das opiniões europeias em 2018.

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Karine

Uma gaúcha do interior que se descobriu na capital. Jornalista, social media, apaixonada por fotografia, turismo, culinária e histórias.

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