Lei antiterrorista: Emmanuel Macron promulga, defensores dos direitos humanos condenam o texto “liberticida” e direita critica a “leniência” da nova legislação
O ministro do Interior, Gérard Collomb, anunciou oficialmente, ontem à tarde (30 de novembro), a entrada em vigor da lei dita de “reforço da segurança doméstica e da luta anti terrorista” e o final iminente do estado de urgência na França. A lei, foi promulgada pelo presidente da República Emmanuel Macron em cerimonia, pela manhã, no Palácio Élysée.
A nova legislação, aprovada há duas semanas, era a condição imposta por Macron para a saída do estado de urgência. Este regime jurídico de exceção foi decretado após os atentados de 13 novembro de 2015. Inicialmente, previsto por um período de 12 dias, a medida foi renovado por seis vezes pelo parlamento desde então.
Tanto a aplicação do estado de urgência, quanto a transposição de certos instrumentos deste regime vistos como restritivos de direitos, causaram e causam grande polêmica entre defensores e críticos da política francesa de combate ao terrorismo. Apesar das severas admoestações da parte de ONGs e da oposição de esquerda a nova lei deve entrar em vigor à partir de 1º de novembro, pondo fim a dois anos de convivência entre a lei penal comum e as medidas de emergência autorizadas pelo estado de urgência.
Após o mais longo período de vigência desta medida de exceção, desde a criação deste dispositivo em 1955, qual é o balanço final e quais são as perspectivas sobre o futuro da luta antiterrorista na França? A falta de analise dos resultados não parece inibir o legislador. O parlamento, entre 1985 e 2017 passou mais de 20 textos reforçando o arsenal penal sem que um grande estudo tivesse sido exigido como condição prévia para o lançamento de novas reformas à lei.
Além da inflação legislativa, a tendência, a cada novo texto legal, aponta, invariavelmente, para um agravamento das penas, diminuição do campo de liberdades individuais e aprofundamento dos poderes atribuídos à autoridade administrativa em detrimento da autoridade judiciária.
Em uma série de entrevistas e reportagens You Agency Press (YAP) percorre o horizonte de fatos e pontos de vista sobre o tema:
Durante coletiva organizada ontem (30 de outubro) no Élysée, Gérard Collomb, ministro do Interior da França, se disse “orgulhoso de ter conduzido a lei à aprovação”. Satisfeito do resultado final, Collomb justificou assim as medidas mais polêmicas da nova legislação dita de “reforço da segurança domestica e da luta antiterrorista”, entre outras, a chamada “visita e apreensão”: “durante o estado de urgência, um tal instrumento [visita e apreensão] se mostrou particularmente útil, posto que nossos serviços [de inteligência e de polícia] apreenderam 650 armas de fogo, sendo 78 armas de guerra e desbarataram inúmeros atentados e em especial um atentado contra um comício político durante a campanha presidêncial [da primavera de 2017]”.
Ele prosseguiu na defesa do novo texto explicando que as medidas, antes de exceção, foram contrabalançadas na nova lei “por “um controle estrito”, onde cada intervenção ao domicílio de um suspeito sera obrigada a contar com o parecer positivo do procurador geral de Paris além de autorização judicial concedida por um Juíz da vara de “Liberdade e Detenção”- órgão reponsável pelo julgamento dos pedidos de relaxamento e de prisão bem como do controle judicial da execução de regimes abertos e semi-abertos de penas.
Gérard Collomb, concluiu que, em vista destas e outras garantias contidas no texto, a nova lei ira, “preservar o justo equilíbrio entre a proteção dos franceses e a preservação das liberdades [individuais]”, completou o ministro.
No entanto, a lei assinada hoje pelo presidente da República, longe de tranqüilizar os defensores de direitos humanos e da oposição de esquerda, continua a ser contestada e vista como mais uma oportunidade que o Estado se deu de hipertrofiar os poderes discricionários de vigilância e controle do cidadão.
O temor, de acordo com os opositores da nova legislação, é o de que os órgãos de inteligência e investigação se sintam tentados a utilizar os novos instrumentos simplificados de maneira generalizada e não limitada à luta contra terrorismo. O risco seria o de uma contaminação do direito penal por medidas que deveriam pertencer a dispositivos excepcionais como o de estado de urgência.
Laurence Blisson, secretaria geral do Sindicato da Magistratura, uma organização nacional vista como de centro-esquerda, explicou a YAP que não só a texto seria, teoricamente, atentatório à liberdades fundamentais, mas que na prática, sob a vigência do estado de urgência, “se confiou ao executivo poderes absolutamente exorbitantes e desproporcionais”, avalia a julgadora.
Blisson lamenta que os dois anos de aplicação de um regime de exceção legal, para ela, banalizou a ação meramente administrativa. No entanto, o afastamento relativo do judiciário de uma parte dos atos de investigação à disposição da policia- que foram gravados no direito comum pela nova legislação – deveria preocupar à todos. para ela, o que se assiste “é a constituição de um ‘sub-direito penal’, no qual, com base em uma vaga suspeita, pessoas poderão se ver privadas de certas liberdades”, fulminou a magistrada.
Ainda na avaliação da jurista os contrapesos introduzidos pelo governo na nova lei são débeis se comparados àqueles de que dispõe o cidadão que é o objeto de um inquérito judicial conduzido por um magistrado e sob as exigências de um regime regular. “O quadro legal [da lei que entrará em vigor] não é o mesmo do direito penal que oferece outras garantias”, ensina Laurence Blisson.
Fora isso, a secretaria geral do sindicato da magistratura acredita que, mesmo dentro do quadro exclusivo de combate ao terror, os termos vagos do texto e a exigência mínima de elementos de prova contra os cidadãos visados por estas medidas, levariam à abusos inevitáveis.
Ainda assim, e mesmo que tenha votado com o governo, a oposição de direita no Parlamento acusa o texto de “leniência” com os suspeitos de complô terrorista e de radicalização islamista. Em especial, Éric Ciotti, deputado de Nice – cidade também martirizada por um atentado que deixou dezenas de mortos e centenas de feridos em 2016 – e próximo das correntes mais radicais do conservadorismo francês, acha que a judiciarização parcial das medidas mais controversas da lei que organiza o estado de urgência não vão tão longe quanto o necessário.
Já durante a discusão do texto que prorrogou pela última vez o regime de emergência em vigor, o deputado do partido Les Républicains (LR) já lamentava que os primeiros anúncios do governo davam contam do desejo presidencial de reequilíbrio entre agilidade de ação e garantia de direitos na então futura lei de reforço da luta contra o terrorismo.
“As buscas e apreenções realizadas de forma admnistrativa [durante o estado de urgência] tinha uma especificidade ligada à possibilidade [dos serviços de policia] de intervir de maneira imediata”, explica Ciotti. Por esta razão, o parlamentar lamenta a introdução de um juiz de direito como garantia do bom fundamento legal das visitas à domicilio de suspeitos previstas pela nova lei, que à época começava apenas à tramitar.
“associar um juiz [ao dispositivo de visita e apreenção] conduz à que este procedimento perca todo o seu interesse”, opinava, à época, o deputado LR.
Onde uns vêem uma ameaça ao estado de direito outros vêem um risco de novos atentado. Ou pelo menos declaram temer uma suposta complacência constitutiva da intervenção judiciária. Mas como veremos mais adiante, a mansuetude da justiça, que a direita “tolerância zero” denuncia, é rebatida vigorosamente pelo sindicato da magistratura e por novos estudos públicos em criminologia.
Até lá, nesta quinta-feira, em mais uma reportagem na série que analisa a política antiterrorista francesa, YAP explicará como o governo dirigido pelo primeiro ministro Édouard Philippe chegou aqui? Como a França se dotou de mais uma lei rígida em matéria de segurança pública? E quais são as tendências na luta contra o terrorismo no país conhecido como a pátria dos direitos humanos.
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