“É preciso entender que cada um se refaz ao seu ritmo”, urge Samuel, vítima que sobreviveu ao terror no Bataclan
Emmanuel Macron, presidente da República Francesa récem eleito, deu o ponta pé inicial das cerimônias alusivas à memória das vítimas dos atentados do 13 de novembre de 2015, que cobriram Paris, Saint-Denis et a França inteira de luto. Dois anos depois, o chefe do Estado se recolher em cada um dos locais que foram alvos dos terroristas enviados pelo Estado Islâmico (EI) para semear o horror e colher a morte nas ruas da capital e da periferia parisiense.
Do minuto de silêncio em frente do Estádio de France, nas primeiras horas da manhã, à fachada do Bataclan, Macron relembrou os mortos e feridos, cujos nomes foram lidos em voz alta à cada parada deste doloroso périplo, em postura solene e sem declarações. Curiosos, parisienses e turistas vindos especialmente para ocasião e autoridades do país concorreram com flores e mensagens à homenagem da nação.
No inicio da tarde, em companhia do antecessor François Hollande, da prefeita de Paris Anne Hidalgo e do ex-primeiro ministro Manuel Valls, Emmanuel Macron se recolheu uma última vez, ao lado de uma centena de vítimas ligadas a associação Life for Paris, em uma cerimônia coletiva organizada em conjunto com a prefeitura do Bairro da República, palco do drama. Música, homenagens e lançamento de balões coloridos no céu azul de Paris, além da visita surpresa do grupo americano Eagles of Death Metal, dois anos depois do concerto interrompido, pelas balas, desta banda no Bataclan, marcaram o dia de memória na Capital.
É meio dia e meio e o sol brilha neste início gélido de outono parisiense. Por engano, o policial militar que protege o perímetro de segurança da prefeitura do bairro da República em Paris, onde dois presidentes se recolhem pela última vez neste dia 13 de novembre de homenagens, ao verificar minhas credências, me dirige à zona reservada às autoridades e, sobre tudo, às vítimas dos atentados que entristeceram Paris e a Saint-Denis.
A cerimônia começa, ato continuo a minha chegada, e eu não tenho tempo de me deslocar para área destinada à imprensa. A única solução foi a de acompanhar o evento de lembrança aos mortos e sobreviventes dos atentados junto à estes. Uma experiência diferente, esta de ficar lado à lado com sobreviventes, com seus estigmas aparentes ou imperceptíveis ao olho, familiares, pais e mães cujos filhos não estão mais entre nós, viúvas, viúvos e órfão.
A cada canção, a cada palavra de homenagens pronunciada ao microfone, a cada momento da coreografia concebida para esta cerimônia tão particular, a emoção tomava cada um dos participantes, e, independentemente do status legal, moral ou afetivo, em um momento ou outro, centenas de pares de olhos se encharcaram de lágrimas.
Fica difícil, após comungar do sofrimento daqueles que foram afetados diretamente pelos infelizes acontecimentos de dois anos, de encontrar à coragem de recolher o testemunho de vitimas, familiares e, especialmente, daqueles cujas “crianças” não voltaram nunca pra casa.
Sem realmente vencer o constrangimento face à coragem e a sobriedade no sofrimento que demonstram os participantes desta derradeira cerimônia do dia, a reportagem de You Agency Press (YAP) e de outros veículos foram, aos poucos, encontrado maneiras de exercer o duro ofício de perguntar como todos os vivos vão indo e o que esta jornada de lembrança representa na caminhada de cada um desde que, sem razão especial, foram alvos de chacinas perpetradas por terroristas fortemente armados à mando do EI que ocupava, à época, boa parte da Síria e do Iraque.
Como explicou o Le Monde de ontem (12 de Novembro), um terço dos sobreviventes do Bataclan e dos outros bares parisienses atacados, ainda tem dificuldade de reencontrar o mundo do trabalho. Muitos simplesmente optaram por trocar de profissão ou ainda refletem sobre uma mudança possível.
Um sinal de que a recuperação é disparate entre aqueles que viveram o mesmo traumatismo, como explica Samuel, presente na sala de espetáculos do Bataclan. “Houve um bom tratamento da parte do estado”, avalia. No entanto, o sobrevivente que participa da associação de vítimas Life for Paris, lembra que “o que é necessário é o atendimento continuo”, isso porque, continua ele, “cada um se refaz destes eventos trágicos ao seu ritmo. Respeitem o ritmo de cada um”, lança Samuel.
Mesmo tom de alerta à particularidade de cada individuo que atravessou esta prova e como cada um é capaz de resistir e fechar as feridas da parte de Valerie, membro ativo da associação e, também, sobrevivente do Bataclan. “Nós não somos soldados mas conhecemos a guerra. E todas nossas referências se embaralharam.”, explica. “Por que cada um de nós é diferente, este evento, este traumatismo, nos fez mudar profundamente, perturbou aquilo que somos no mais fundo de nosso ser, aquilo que acreditamos”, ensina.
Ou seja, para Valerie, cada dia depois dos atentados, para os sobreviventes, é um dia de re-aprendizado. “Eu me conhecia até os 39 anos. Aos 40 anos eu passei à ser uma outra pessoa, passei à ter outros pontos de referência”, completa.
Mas, dois anos depois, os testemunhos mais difíceis de recolher e reproduzir são aqueles dados pelos pais que vivem sem seus filhos, falecidos em uma noite de novembro.
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[Eu estou aqui] para que nos tentemos de lutar contra o ódio, para que a verdade sobre [o que aconteceu] com as vítimas seja conhecida… Ou seja, eu gostaria que nada seja esquecido”, esclarece Daniel, com à voz embargada e a fisionomia grave. Ele perdeu um filho no dia 13 de novembro de 2015. Um filho “que eu registrei no cartório da prefeitura deste bairro em frente da qual nós estamos. Ele nasceu aqui [no bairro]”, relembra.
Para Daniel “Ainda à segredos que não são conhecidos” sobre os atentados. Em todo o caso, este pai deseja que se possa discutir da responsabilidade de todos os envolvidos na tragédia que custou a vida do filho. “inclusive o papel da religião”, roga.
A defesa dos valores republicanos, também o trouxe à prefeitura do bairro que conheceu os eventos funestos neste inicio de tarde parisiense. “A república, afirma Daniel, é a convivência. Sem convivência entre todos não nos sera possível superar [as dificuldades face ao terrorismo]”, acredita.
E justamente, em um momento de mudanças na política de acompanhamento das vítimas e familiares, trazida pelo novo governo do pais, à presença do chefe do Estado é, como explica Véronique, mãe de Claire, filha unica que teve a vida abreviada pelas balas disparadas contra a platéia do Bataclan, um símbolo forte da república e que [Emmanuel Macron ] precisa estar presente, defende.
Para ela, as cerimônias de homenagem aos mortos e sobreviventes devem se perpetuar, à cada ano. Isso porque, “o que se passou é particular no sentido que nossas crianças foram vítimas de uma gangue e isso é inaceitável”, opina. E, de acordo com os valores atribuídos à República Francesa, “é preciso que nós possamos falar e discutir de tudo e que, no futuro, nossas crianças possam ouvir outras vozes além daquelas que se exprimem nas redes sociais”, sustenta à mãe enlutada.
Mas o que tanto Véronique como Daniel queriam nos participar, atendendo à nossos pedidos de entrevista, é que eles estavam ali para que nós não esqueçamos dos filhos que lhes foram arrancados, como relembra a mãe de Claire, durante um concerto “onde eles dançavam, cantavam”. Eles [todos os jovens mortos no Bataclan] “eram nossos filhos” enfatiza Véronique.
Claire, rememora, “era uma jovem como tantas outras naquela sala. Ela estudava filosofia e comércio. Ela era tão exigente com ela mesma”, termina Véronique.
“Ele era professor universitário, ele era tolerante”, comenta sobriamente Daniel. Com pudor, este pai que carrega sobre o rosto uma máscara saliente de uma dor contida, continua nos contando que seu filho “amava a vida, a musica. Ele deixou pra trás três irmãos e irmãs, e sobretudo, três filhos, cujo o mais velho completou 18 anos”.
E como tantos outros pais, orfãos, viúvas e viúvos presentes à cerimonia, os que se dispunham a discutir com a imprensa, a falar diante de um microfone intrusivo, o que se desejava mais que tudo era que a nação, junto com eles, pelo menos uma vez por ano, trouxesse à vida aqueles que o aleatório do terrorismo condenou à morte. Uma forma de conjurar, pelo menos nesta data, à presença de todos que partiram.
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Outra preocupação dos sobreviventes e familiares das vítimas dos atentados de Paris e Saint-Denis mas também da redação do semanal satírico Chalie Hebdo, chacinados em janeiro de 2015, de Nice em 2016 e tantos outros ataques de menor impacto desde então é quanto à continuidade do programa de Estado de assistência e acompanhamento às vítimas.
Emmanuel Macron, extingüiu o ministério às Vítimas que havia sido criado pelo antecessor François Hollande. Um novo órgão, sem status ministerial, após criticas tanto da oposição quando da situação, foi criado. No entanto, os contornos ainda não foram bem definidos – o que causa uma certa ansiedade da parte dos membros da associação Life for Paris presentes às homenagem de hoje.
“Temos que lutar e continuar lutando. E há que se dizer que as vítimas não estão simplesmente se queixando, não estão buscando mais dinheiro. É realmente um pedido de ajuda e acompanhamento, posto que ainda resta muito trabalho à fazer”, traduz, Véronique, a angustia de todos.
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Mais cedo, no final da manhã, uma texana, instalada à três anos em Paris e que vive no bairro da República, passou em fronte ao Bataclan durante às homenagens para se recolher com as centenas de anônimos que vieram neste dia de luto.
Halyn Erikson, Jovem artista, casada com um francês e vinda de Austin, relembra à noite que abalou a capital e arredores: “por volta do jantar, eu e meu marido, decidimos voltar para casa e desligar nossos celulares. Algumas horas depois, ao religar nossos aparelhos, dezenas de mensagens surgiram na tela, da parte da minha família no Estados Unido ou da família do meu esposo. Tantos dos bares e calçadas que foram atacadas eram locais que costumávamos frequentar. Facilmente, naquela noite, nós poderíamos ter estado lá. Eu, com certeza, estava em estado de choque, choramingando, sem saber o que fazer, pois, no ato, não sabíamos ainda exatamente o que estava acontecendo. Eu estava horrorizada, meu marido tentava permanecer calmo, eu tinha acabado de me mudar, não falava muito bem francês e tinha que contar com o meu cônjuge que traduzia as informações da tevê”, relembra a atriz americana.
Ela ainda conta que, nas primeiras horas e dias após os atentados – na maioria dos casos contra alvos no entorno do apartamento onde vive – “nos sentimos em estado de sitio. durante o final de semana não saímos muitas vezes de casa”.
“Não sabíamos se tinha acabado, se os malfeitores tinha sido capturados, enfim. Eu sinto que nos últimos dois anos, eu vivo com a sensação de que um novo ataque pode acontecer à qualquer momento”, confessa Erikson.
Contudo, “vindo dos Estados Unidos, aonde assassinatos de massa acontecem todo o tempo”, e cujos atos são cometidos por cidadãos americanos na maioria esmagadora dos casos, “aqui na França, ao menos as razões são mais compreensivas”, sopesa a artista. E Halyn completa com a seguinte conclusão: ” apesar de tudo, eu fico mais assustada quando estou na America que aqui em Paris”.
O olhar aguçado pela nacionalidade estrangeira da norte americana permite à ele de estabelecer contrates com maior acuidade e concluir que os parisienses que ela conhece “não perecem temer às ruas. Muitos dos franceses que eu convivo, no dia seguinte deixaram suas casa, foram as compras, voltaram à frequentas bares e calçadas.” Na estimativa de Erikson, os seus compatriotas “certamente teriam mais medo de sair de casa”, principalmente, nos dias precedentes à um atentado de tamanha amplitude.
“Eu me senti inspirada pela maneira como os parisienses se conduziram face à ameaça”, elogia a vizinha do Bataclan.
Mas, essencialmente, Haylin, que se sentiu de uma certa maneira atingida pelos tristes eventos de 2015, decidiu de participar das homenagens de hoje como uma forma de, também, encontrar reconforto. “O dia esta lindo, as pessoas, respeitosamente, vieram se recolher e relembrar as vítimas, cujos nomes lidos em voz alta foi um momento tocante para mim. [Fico contente] de vir aqui e perceber que, ao menos, eles não foram esquecidos e que [os parisienses] continuam lutando por aquilo que os terroristas quiseram nos tirar que é a nossa liberdade de ir e vir sem medo e com alegria de viver”, conclui.