15 mil menores refugiados, desacompanhados e sem assistência de Estado presentes nas ruas da França até o final do ano, diz ONG
Mesmo se o forte da crise migratória originada pelo advento do Estado Islâmico (EI) na Síria e no Iraque ficou para trás, o número de menores, desacompanhados de um responsável, presentes no território metropolitano da França tem crescido de ano à ano – e deve chegar 25 mil ao final de 2017, em comparação com os cerca de 8 mil no final de 2016. Destes, 15 mil não receberão a proteção oficial do Estado prevista pela lei francesa e continental.
Esta estimativa, que revela uma realidade austera e preocupante, levou a ONG francesa Médicos sem Fronteiras (MSF) à criar um centro inédito de assistência à migrantes cuja menoridade foi contestada pela administração pública sem que esta tenha oferecido uma solução oficial de assistência. O centro de triagem de jovens de Pantin – na periferia norte de Paris – abrira suas portas na semana que vêm, dia 5 de dezembro, e atenderá 50 pessoas por dia.
Em coletiva no local, representantes de MSF apresentaram o projeto e responderam à questões gerais sobre a situação dos estrangeiros em busca de asilo presentes no solo francês à poucas semanas do inicio do inverno. A idéia da novo estrutura é de receber jovens cujo direito à proteção da infância lhes foi negado pelo ministério do Interior e, caso à caso, oferecer assistência jurídica para que a situação de cada um seja revista. O funcionamento da nova estrutura é estimado em 850 mil Euros por ano
Torre, aproveitou a ocasião para protestar contra a política de asilo do Estado. Em particular, em direção da população alvo do novo centro financiado pela ONG, na opinião da dirigente, “tudo é feito para que eles [refugiados] sejam reenviados ou para que eles se tornem invisíveis. Em suma, hoje, nós vivemos sob uma política de não acolhida”, denuncia.
Como prova, ela lembrou que 60% dos migrantes que se dirigem à administração francesa exigindo o reconhecimento da menoridade tem seus pedidos rejeitados. Em paris, este índice chegaria à 85%.
Uma situação que seria o resultado de um processo de avaliação da menoridade que não seria uniformizado em todo o país – e que deixaria uma margem para interpretação. O que levaria à formação de fato de um grupo de refugiados que, sem nenhum outro direito reconhecido, não são assistidos por nenhum dispositivo oficial de proteção.
Corine Torre salientou que o ONG não pretende advogar em favor da permanência de todo e qualquer migrante que esteja presente no solo da França. No entanto, “à partir do momento que estas pessoas estão presentes no território nacional nós [o Estado francês] temos a obrigação de lhes acolher com dignidade e lhes amparar [durante o período de análise de cada pedido de asilo]”, defende.
Do ponto de vista operacional, o projeto da MSF pretende realizar rondas em Paris e na periferia norte da capital para identificar jovens que potencialmente deveriam estar amparados pela Assistência Social à Infância ou, se for o caso, encaminhado ao guichê único do ministério do Interior para o depósito de um pedido de asilo.
A idéia é recebê-los em Patin, onde assistentes sociais, intérpretes, psicólogos e advogados voluntários possam informar os refugiados sobre as leis que tratam da proteção da infância e do direito de asilo, orientá-los em direção da boa porta à bater e assisti-los à cada passo administrativo previsto para obter o reconhecimento da menoridade ou da condição de asilado.
Além de arrebanhar esta população fragilizada e dispersa pela falta de amparo oficial, a ONG espera recolher informações precisas sobre este grupo de refugiados – estatísticas desconhecidas devido ao caráter clandestino da presença destes jovens migrantes – para “publicar relatórios [sobre a realidade destes menores] e realizar uma forte defesa, junto ao Estado, da melhoria dos critérios de avaliação da menoridade. Estes menores são vistos com desconfiança e não contam com o beneficio da dúvida. Eles deveriam ser tratados como menores e o Estado deveria lhes estender assistência [até prova do contrário].”, explica Torre.
Percurso traumático
Corine Torre discutiu a situação sanitária dos migrantes com os quais MSF tem ou teve contado na França. De um modo geral, segundo a ativista, o que se constata nas consultas oferecidas pela ONG é que à saúde mental dos refugiados esta mais fragilizada que a saúde física.
O porquê: um périplo longo e violento entre a Africa do Norte e a França. Atualmente, ” eles [migrantes ]passam quase todos pela Líbia. Eles [quando terminam a travessia do mediterrâneo] partiram há 4 ou 5 meses, quando eles têm sorte. Para outros são um à dois anos de duração. Se eles passam pela Líbia, em 80% dos casos, eles foram violentados. Violências que passam pelo sequestro, violência sexual, tanto sobre garotas como garotos, tortura; e os sinais são visíveis em consultas médicas”.
Uma realidade que levou a ONG, quando das discussões iniciais sobre a criação do centro de triagem destinado aos jovens menores, à conceber um serviço psicológico de urgência. Uma idéia que foi retida e, hoje, faz parte da nova estrutura.
Mas para além dos problemas de saúde mental, Corine Torre lembra que, via de regra, os migrantes atendidos por MSF na França estão em relativo bom estado físico.
“São problemas dermatológicos ligados às condições de vida de quem esta na rua. Problemas de tuberculose; o que não quer dizer que seja um situação dramática.”, diagnostica Torre. Contudo, ela chama atenção para o fato de que “é necessário tratar [as doenças], e se não se dá o acesso necessário à saúde pública não é possível seguir um tratamento”.
A diretora da ONG, ao pensar no martírio da travessia realizada pelos menores que, agora, são candidatos à proteção do Estado na França, ela se pergunta “como nossas crianças [poderiam] resistir da maneira como [estes menores] resistiram para poder chegar até aqui”.
Conflitos com a polícia em Calais
No entanto, em Calais, segue a chefe de missão, “nós nos demos conta de que o estado de saúde destas pessoas se degradou devido à violência policial”. Segundo a ativistas, com o fechamento, há quase um ano, da chamada “Selva de Calais”, a orientação dada à polícia nacional, estacionada em grande número na cidade do extremo norte, é a de impedir a formação de novos focos de sedentarização desta população que busca, prioritariamente, alcançar o solo inglês pela via do canal da Mancha.
Acossados em permanência, o estado físico destes refugiados que buscam as praias britânicas, quando examinados pelos médicos de MSF, testemunha do contato contencioso com a “policia militar” francesa presente na cidade dos Altos de França. “Um grande número de dispersão de migrantes com uso de gás lacrimogêneo, o que causa problemas oculares. Fraturas, causados pelas fugas durantes as ações de dispersão e perseguição noturna”
Estas mesmas táticas e as conseqüências relacionadas ja haviam sido suscitadas por dois relatórios explosivos, publicados no verão, um pela ONG internacional Human Rigths Watch (HRW) e outro pelo Defensor dos Direitos (DD) – entidade que funciona como um corregedor geral das instituições de Estado na França. Em resposta, o ministério do Interior, abriu uma auditoria que, em outubro, de maneira pudica, reconheceu a procêdencia de muitas das queixas dos ativistas e do DD.
O auditor, afim de evitar abusos – apreensão de objetos pessoas dos migrantes, uso ostensivo de gás lacrimogêneo durante as operações de dispersão, intimidação de trabalhadores sociais quando das distribuições de alimentos e agasalhos à refugiados ou perseguição noturna durante o repouso dos flagelados, etc… – sugeriu um o estrito enquadramento, oral e por escrito, a ser aplicado pela hierarquia aos policias estacionados na área.
Entretanto, de acordo com associações locais, como Utopia 56, se as novas diretivas operacionais estão em vigor, no cotidiano não se observa nenhuma diferença em relação as agressões denunciadas no verão por HRW e DD. “Eles [refugiados] são procurados pela policia noite e dia, têm os sacos de dormir confiscados, ontem nevou, ou seja, as condições de vida são ultra precárias. A relação das associações humanitárias com a polícia, durante os momentos de distribuição de alimentos, melhorou, no entanto os migrantes continuam de testemunhar de pressões que eles continuam sofrendo da parte das autoridades.”, conta Gaël Manzy que coordena a entrega de alimentos e agasalhos aos cerca de 700 refugiados presentes na Região.
Com a volta do frio intenso, a falta de abrigo permanente, levará a uma crise que ONGs como Utopia 56 não estariam em capacidade de mitigar. Por enquanto, “nós estaremos cada vez mais presentes nos locais de concentração de migrantes para sabermos o que se passa e poder atender às necessidades desta população da melhor maneira possível”, afirma.
Dublin
Emmanuel Macron, em um recente discurso, prometeu abrigar todos os migrantes nas ruas da França até à chegada do inverno. No entanto, as ONGs em contato com este grupo de flagelados duvida que o governo esteja realmente comprometido com este meta.
Entre outras, Gaël Manzy, como Corine Torre, aponta para o assédio constante das autoridades policias aos migrantes sem abrigo nas ruas das grandes cidades, mas também, ele aponta, o papel dos tratados chamados de “Dublin” na mentalidade por traz da política de asilo da Europa e da França.
Quando a administração não consegue deportar ao pais de chegada – como permitem os acordos europeus – o ativista também acha que o Estado na França estaria mais comprometido à colocar em pratica “uma estratégia de ‘invisibilização’ dos refugiados”, acredita. Dai, pensa Manzy, a permanente “caça” aos estrangeiros de Calais.
A alternativa à vida nas ruas do Nord-Pas de Calais seria a busca de abrigo nos Centros de Assistência e Orientação (CAO) criados após o fechamento da “Selva”. Todavia, diz Manzy, os refugiados “têm medo de serem enviados ao país de origem, onde eles deixaram as impressões digitais ao chegar à União Européia”. O seja, o medo de se ver “dublinado” pelo Estado os faz escolher as rudes condições de vida nos arrabaldes de Calais e outras grandes cidades da costa de Opala.
Contatados por You Agence Press, o ministério do Interior, até o fechamento desta matéria, não quis comentar as acusações feitas contra a polícia em Calais.
YAP continua buscando outras informações da parte da autoridades policiais.
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