Paris novamente palco de tensões entre governo, refugiados e setor humanitário
Mesmo que a imprensa local continue a se referir à gestão de refugiados como parte de uma crise migratória contínua, as organizações não-governamentais (ONGs) humanitárias da França avaliam a situação como estrutural.
Crise ou gestão da conjuntura, o fato é que Paris, nesta quarta-feira (30 de maio), conheceu a 35ª operação de evacuação de um campo irregular de imigrantes em três anos. O Campo de Millénaire, a dois passos do município de Aubervilliers, ao norte da Capital, é o primeiro dos três acampamentos que serão objeto de desmantelamento até meados de junho.
Nesta quarta feira, a autoridade administrativa nacional da região metropolitana, em conjunto com o Escritório Francês da Imigração e da Integração (OFII), a ONG France Terre d’Asile (FTA) e a prefeitura de Paris, pôs fim ao maior acampamento do país desde a destruição da chamada “Selva” de Calais, no extremo norte da França, em 2016.
O dispositivo, com base nas estimativas da FTA, contou com 550 policias civis e militares. O Estado e as prefeituras da região colocaram mais de dois mil e quinhentos leitos de urgência à disposição. No entanto, para a surpresa de todos, apenas um pouco mais de um milhar de imigrantes foram embarcados nos ônibus designados para transportar o evacuados.
As razões para este desencontro de números ainda não são completamente conhecidas. Uma primeira pista, no entanto: o anúncio da véspera, dando conta da data da futura operação, pode ter estimulado alguns dos imigrantes a procurarem uma alternativa não estatal de abrigo. Isso porque muitos receiam a prisão administrativa e uma possível recondução à fronteira.
A região parisiense, historicamente, é a que concentra cerca de 35% de todos os pedidos de asilo na França e a consequente acomodação em regime de emergências destes candidatos a proteção humanitária. Naturalmente, os recém chegados têm a tendência de procurar espaços onde possam se instalar de maneira provisória, na espera de assistência das autoridades administrativas encarregadas.
Daí, os mais de 35 campos irregulares que surgiram, nos últimos anos, e acabaram extintos em operações do mesmo tipo da que se desenrolou nesta semana. Com o fim do Campo de Millénaire, o maior acampamento de imigrantes da França e da cidade que desaparece.
Gasolina sobre brasas
Num momento em que a tensão entre a prefeitura de Paris, ONGs humanitárias e o ministério do Interior se aproxima do ponto de ebulição, Gérard Collomb, ministro da pasta, em oitiva no Senado nesta quinta-feira, pôs mais lenha na caldeira das desavenças em torno da politica migratória conduzida pela maioria macronista.
O ministro justificou o torniquete legal às condições de acesso à permanência em solo francês para exilados, um objetivo assumido do projeto de reforma em tramitação no Congresso, pela necessidade de evitar o que Collomb qualificou de benchmarking migratório.
“Os migrantes realizam um pouco de benchmarking (prática comercial que consiste em se inspirar e casos de sucesso em outras empresas) pra constatar as legislações [diferentes] através da Europa e [escolher] as mais generosas. Certas nacionalidade [de imigrantes], eu não citarei nenhuma aqui, se dirigem mais ou menos para um país, não tanto por francofilia [por exemplo], mas simplesmente porque lá seria mais fácil [obter o asilo]”, concluiu o primeiro policial da França, como é conhecido o chefe do Interior.
Guillaume Schers, diretor da Urgência na ONG France Terre d’Asile, ouvido por You Agency Press na última sexta-feira (1° de junho) criticou secamente este tipo de concepção. Para ele, todos os argumentos que consistem em dizer que um “acesso de pré-acolhida e orientação competente e bem distribuído pelo país”, como reivindica FTA, tornaria a França mais atrativa em comparação com os vizinhos europeus é “falsa”, na opinião do profissional do auxílio humanitário.
Para ele, ao contrário, isso evitaria a formação constante de acampamentos irregulares e o desgaste do desmantelamento que se impõe ao final de alguns meses. Uma visão da gestão do asilo neste país que, se levada à cabo, implicaria na aceitação da criação de um ou mais CAOs em Calais, o que hoje nenhum membro do governo ou da prefeitura desta cidade nortista se acham em condições de aceitar o custo político de uma tal decisão
Campus Ocupado
Em um outro ponto do norte, no campus da Universidade Paris 8 em Saint-Denis, estudantes e refugiados se deram as mãos para contornar os dispositivos administrativos existentes no país aos quais ONGs profissionalizadas como FTA se associam quando acreditam oportuno.
Em uma iniciativa em concerto com imigrantes que viviam nos entornos do já extinto acampamento em Porte de la Chapelle, no dia 30 de janeiro, estudantes invadiram e ocuparam um dos prédios da universidade. Cerca de 150 refugiados sentaram praça no dia da invasão. De acordo com as informações dos ativistas por trás da iniciativa, em torno de 400 indivíduos de diversas nacionalidades transitaram pelo local.
Nesta quinta feira, em ato de apoio aos exilados, imigrantes e estudantes testemunharam da tristeza que é a deles com o fato de que as negociações, mediadas pela reitoria, com a autoridade administrativa departamental, parecem ter chegado a um impasse.
Segundo os militantes e ocupantes que discursaram de pé em classes acomodadas em palanque improvisado, as reivindicações do movimento não terão satisfação, finalmente. Os participantes do protesto se declaravam traídos pela reitora Annick Allaigre e, ainda mais, pelo Estado.
Majoritariamente alter-mundialistas, esses jovens militantes defendem reformas diametralmente opostas às perseguidas pelo governo de Édouard Philippe. Eles acreditam que a única solução válida para a questão migratória seria o fim das barreiras e fronteiras que impedem milhares de retirantes que afluem ao velho continente de construir um projeto de integração no seio desta sociedade.
Ao final, frustrados pelo desfecho provável dos quatro meses de ocupação, os manifestantes dirigiram a cólera que carregavam em direção da reitora e da reitoria. Munidos de canetas e aerosóis de tinta, antes de deixar o prédio neste final de noite quase estival, vandalizaram a porta do órgão e bloquearam a entrada principal da universidade com mesas e cadeiras.
YAP, por telefone e correspondência eletrônica, buscou esclarecimentos junto à reitoria que, até o fechamento desta matéria, não quis se manifestar – nem sobre as queixas dirigidas à ela, nem sobre as depredações produzidas pelos manifestantes.
Estes foram os principais destaques da cobertura permanente de YAP da crise migratória na França e Europa nesta semana. Na semana que vem, a agência amplia o tema em mais uma reportagem com novos detalhes. Leia, siga, curta nosso trabalho!