Em reação à revolta populista contra a União Europeia (UE) e em oposição a imigração e o direito ao asilo no solo europeu, o movimento associativo francês se mobiliza, desde o dia 30 de abril, em torno da Marcha Solidária em favor dos migrantes. Ela partiu de Vintimille e que deve chegar, no dia 8 de julho, a Londres, na Inglaterra.
A escolha da rota não foi gratuita. A ONG de Calais, Albergue dos Migrantes (AdM), junto com parceiros italianos e franceses que atuam na divisa entre as duas nações vizinhas, busca denunciar a situação de bloqueio nas duas fronteiras por onde a caminhada longa de quase 2 mil km deve passar.
Hoje (21 de junho), mais de cem pessoas partiram do bairro da Chapelle, em Paris, em direção à Sarcelles, a 25 km da Capital. Uma retomada após quatro dias de repouso. You Agency Press (YAP), como parte da cobertura permanente da problemática migratória no velho continente, caminhará com estes militantes humanitários, filantropos ou cidadãos preocupados com o crescimento da rejeição a estrangeiros por setores da sociedade europeia e do eleitorado.
Como foi
O manhã começou, com atraso, sob a garoa e com uma temperatura quase outonal no dia que abriu a estação estival. Aos poucos, peregrinos aguerridos pelos quase mil km de trajeto, parisienses sorridentes ou migrantes em situação irregular, vão chegando à Porte de la Chapelle, no Norte de Paris. Ao lado, outros flagelados estrangeiros esperam que as associações de assistência locais venham lhes servir o café da manhã, fazer a ronda, distribuir palavras encorajantes ou simplesmente bater um papo.
Tudo é altamente simbólico.
Na linha de frente, François Guennoc, pilar do mundo associativo do Pas-de-Calais. É 9 horas, ele demostra um frescor de quem começa uma jornada e não de quem termina um trajeto. Na verdade, Guennoc está na estrada desde 30 de abril.
Ele, megafone em mãos, reúne o rebanho. Informa os recém chegados de regras, procedimentos e cuidados, dá o itinerário e relembra o programa. Dez horas da manhã o cortejo pode partir.
Neste primeiro dia de marcha, a reportagem de YAP encontrou Chrystelle que, apesar do ar doce e da juventude, já é uma militante com experiência. Ela vive entre sua Bretanha natal e a cidade de Calais, onde ela passou por todas as provas em uma cidade em estado permanente de alerta contra a formação de novos acampamentos irregulares ao custo, muitas vezes segundo ela, da civilidade e das regras básicas de respeito entre policiais, militantes humanitários e refugiados – presentes unicamente com o objetivo de atravessar a barreira entre Calais e a costa Inglesa.
Nós encontramos também um dos deputados de esquerda mais críticos dos regulamentos europeus atuais – o famoso tratado de Dublim -, bem como da lei Asilo e Imigração em tramitação no Congresso francês.
Cruzamos, na estrada que nos levou a Sarcelles, com Kristina. Cidadã Alemã, filha de pai norte-americano, nasceu na Suíça e já viveu no Brasil. Fala quatro línguas fluentemente, estuda Relações Internacionais em Dresden, além de ser acrobata e dançarina no circo solidário itinerante que criou.
Ela é o retrato do anti-nacionalismo que inspira temor e fascinação entre os povos europeus da atualidade. Kristina esteve presente, como voluntária, em todas as zonas de bloqueio entre a UE e os países limítrofes 2012 para cá.
Levando animação, mas também confrontando o preconceito através da arte “saltimbanca” que pratica com sua trupe humanitária, ela descobriu que o simples fato de confraternizar com os mais vulneráveis dentre os migrantes em êxodo é um reconforto que conta.
Após hesitar alguns segundos, a artista declara acreditar que a nacionalidade e a situação administrativa de cada um pouco importa, no fundo. “se cada um se sente parte de uma família, de um grupo comum”, continua, “todo mundo pode ser feliz, juntos e em busca de mesmo objetivo”.
“Todo mundo pode ser feliz, juntos e em busca de um mesmo objetivo”
Ao final desta longa jornada, durante o jantar, foi Dembê que nos contou do orgulho que sente de participar da Marcha Solidária. Há 15 anos na França, há cinco ele vive regularmente – o jovem africano obteve o tão perseguido visto de trabalho permanente.
No entanto, membro de uma associação de entre-ajuda de migrantes não regularizados, ele não esquece dos companheiros que continuam ameaçados, de uma hora para outra, de expulsão devido à falta de documentos válidos.
Nomes, nacionalidades, histórias de vida e personalidades ricas e dispares que compõe o mosaico destes “caminhadores” solidários que, não pensam, necessariamente, da mesma maneira, não acreditam nas mesmas crenças, não dividem a mesma visão do futuro, mas comungam da mesma irresignação contra a desumanização do outro – pré condição para o retorno da hostilidade contra os mais diversos grupos de migrantes presentes no solo europeu.
YAP segue a marcha e prepara uma série especial para melhor compreender quem são os atores que dizem não à onda de medo incitada pelo populismo triunfante dos últimos anos na Europa.
Amanhã, YAP dará mais um aceno direto das estradas francesas.