Para Emmanuel Macron, o Conselho Europeu evitou “a tentação do pior”, mas futuro da imigração na Europa segue incerto

Dorian Filho, de Paris

Ao final de dois dias intensos de negociação, o Conselho Europeu, que se reuniu em Bruxelas, capital da Bélgica, nos dois últimos dias (28 e 29 de junho), encontrou um acordo que evitou o agravamento da crise entre os 28 países membros da União Europeia (EU) aberta pelo novo governo de extrema direita empossado há cerca de um mês na Itália. Ministro do Interior, Matteo Salvini, negou atracadouro ao navio Aquarius superlotado com mais de 600 imigrantes resgatados no mediterrâneo a bordo.

Este desfecho esteve ameaçado pelo método viril do presidente do conselho italiano Giuseppe Conte, que prometeu sonegar o jamegão da Itália se o reconhecimento de um princípio de solidariedade reforçado no campo da imigração e do asilo não fosse reconhecido no texto final do Conselho Europeu deste final de semana. Com a mediação de Emmanuel Macron, presidente da França, uma solução consensual foi encontrada na madrugada de quinta-feira para sexta-feira. 

No entanto, os pontos abordados que permitiram o consenso: criação de plataformas de desembarque em países da África, de centros “controlados” ou de triagem, no interior do espaço comum europeu, a repartição, através da Europa, dos migrantes cujos pedidos de proteção forem concedidos. A manutenção da regra mais polêmica dos acordos de Dublim, responsáveis por reger o direito de asilo no velho continente, são soluções sem uma data de aplicação e sem mecanismos  coercitivos. Até porque todos estes novos dispositivos só verão o dia se houver o desejo dos países concernidos em implementar o que foi combinado. 

Emmanuel Macron recebe o colega italiano Giuseppe Conte – ₢AFP

Já os países dirigidos por maiorias ultra-nacionalistas e xenófobas obtiveram satisfação imediata de suas reivindicações. A Itália não viu a comissão relembrar a península da sua responsabilidade legal de servir de porto seguro para navios humanitários necessitados de assistência. Uma preocupação de Matteo Salvini que pretende cumprir, até as últimas consequências, a promessa de campanha de fechar os portos no mediterrâneo.

Já o grupo ultra-nacionalista de Visegrado, que reúne Hungria, República Tcheca, Polônia e Eslováquia, queria deixar claro que a solidariedade na acolhida de migrantes chegados a EU por países mediterrâneos ou pela rota dos Bálcãs se fará também com base no voluntariado. Um detalhe vernacular que permitirá que esses países mantenham suas portas fechadas.

Em outras palavras, o acordo assinado pelos 28 países membros esboça uma série de princípios que podem ou não resultar em atos que correspondem a estes mesmos conceitos.

Aliás, Matteo Salvini, homem forte do governo italiano e Ministro do Interior, na tarde de hoje, declarou que os portos italianos continuarão fechados às ONGs durante todo o verão pelo menos.

Giuseppe Conte, Presidente do Conselho Italiano ₢UE

Um outro líder internacional que respirou aliviado com o resultado do encontro foi a chanceler alemã Angela Merkel. Ameaçada de perder uma parte dos deputados que dão sustentação à coalizão entre a centro-direita e a centro-esquerda que governa a Alemanha, a reafirmação do principio de país de primeiro desembarque permitiu que a direita bávara aliviasse a pressão e renovasse a confiança na chefe do governo.

Este principio, como já explicamos em reportagens precedente, obriga um país como a Grécia, por exemplo, a receber, abrigar e processar os pedidos de asilo daqueles que chegam à Europa desembarcando no país do mar Egeu. Ao mesmo tempo, permite aos países de trânsito acolher ou não pedidos de asilo de imigrantes que já passaram por um primeiro país desembarque.

Um direito de afastamento que a direita bávara presente no seio do governo Merkel pretende exercer.

Emmanuel Macron ou a arte da esquiva

O presidente francês, ainda em Bruxelas, concedeu uma breve entrevista coletiva aos setoristas da Comissão Européia presentes ao encontro. De cara, Emmanuel Macron deu uma resposta-programa. Em uma única digressão o chefe do Estado da quinta potência econômica mundial resumiu o que foi plantar na capital belga e tudo o que pode colher.

Emmanuel Macron concede coletiva em Bruxelas na tarde de sexta-feira (29 de junho) ₢UE

Macron confirmou que o acordo encontrado reconhece a necessidade de repartir o fardo com a Itália, no que diz respeito à chegada de imigrantes pelo Mediterrâneo, mas que está condicionado a observância das “regras internacionais, marítimas e humanitárias”.

Ora, se o governo extremista italiano não aceita o desembarque de navios humanitários em ação nas fronteiras marítimas deste país, o que, como lembrou o chefe do Estado francês, “é a regra que deve ser respeitada”, como a EU poderá justificar um financiamento suplementar em direção da península recalcitrante? Uma questão em aberto cuja resposta é o menos importante nesta operação de comunicação. Tanto a Itália quanto a França se declararam vencedores à impressa doméstica.

Quanto aos centros, de novo, para Emmanuel Macron se trata de agir dentro do rigor da lei. Ele exprimiu o desejo de ver estas novas estruturas construídas em países de primeiro desembarque. Mas se a Grécia já concordou com o princípio de aumentar a capacidade de acolhida e triagem, a Itália  não parece inclinada a ver centros “controlados” erigidos em solo latino.

De novo, trocando em miúdos, o presidente da França, “Emmanuel Macron, o legalista” usa os tratados e acordos europeus e internacionais como um escudo simbólico contra o uso dos portos mediterrâneos franceses como ponto de chegada de imigrantes náufragos e contra o acolhimento de pedidos de asilo que os acordos de Dublim determinam que sejam feitos longe das fronteiras nacionais.

Também, dentro do espírito estrito da lei tal como ela é, Macron deseja plataformas de desembarque em países da África, centros “controlados” na Itália, na Grécia e onde mais, com base no voluntariado. Que se queira erguer estas novas estruturas de triagem, mas certamente não no solo francês, posto que o país que preside não é uma nação de primeira acolhida.

Com isso, acredita, os 28 membros da União Européia evitaram “a tentação do pior”.

Política de afastamento

Por fim, Macron lembrou que, à termo, a solidariedade é a repartição dos custos de uma “política de afastamento” de imigrantes em sessação de direitos administrativos mais eficaz. Um convite à Itália, e seus cerca de 600 mil migrantes irregulares a jogarem o jogo do respeito às regras estabelecidas.

No entanto, não é porque esses novos centros, se construídos, tornarão a seleção entre refugiados e imigrantes ditos “econômicos” mais céleres que a recondução expedita aos países de origem, como prometeu o chefe do Estado francês, se fará facilmente ou poderá algum dia se fazer.

Como explica a jurista do Grupo de Informação e de Apoios a Imigrantes (Gisti) de Paris, Violaine Carrère, ouvida por You Agency Press (YAP), o fato de um indivíduo ser objeto de uma decisão de obrigação de deixar o espaço comum europeu não implica em expulsão ou afastamento automático. Isso porque, para tomar um exemplo extremo, um imigrante de origem afegã não necessariamente poderá retornar ao país natal tendo sua integridade física e psicológica garantida – condições sem as quais um país não entra nos critérios internacionais de “local seguro”.

Uma lista que, segundo Carrère, “é volátil, sofrendo alterações de acordo com a evolução da situação no terreno”, ensina a especialista, em países onde reinam instabilidade e ambiguidade quanto aos Direitos Humanos.

Para esta defensora dos direitos dos imigrantes na França, as ditas plataformas de desembarque em países exteriores à EU também são problemáticas. “Para que os Alto Comissariado para os Refugiados da ONU possa estar presentes em todos estes futuros campos, é necessário 50 vezes mais recursos financeiros alocados a esta instituição”, avalia. Sem a presença do Alto Comissariado, explica, “é impossível garantir que o direito à expressão da necessidade de proteção humanitária em países como a Líbia, por exemplo, seja plenamente respeitado”, Concluí Voilane Carrère.

No final da semana que vem, YAP volta à crise no seio da União Europeia e tenta decriptar as origens e fontes de tensão entre os 28 países membros. Pressão migratória, crescimento das desigualdades ou falta de democracia no interior da União? Fique ligado! Siga, curta e compartilhe nosso trabalho! 

 

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