Marcha Solidária termina com prisões e lágrimas – 4 ‘sem documentos’ correm risco de deportação
A Marcha Solidária em favor da imigração, após 60 etapas entre Vintimille, na Itália, e Londres, no Reino Unido, chegou ao fim. Em dois meses e meio de périplo, não houve nenhum incidente entre os participantes e as forças polícias a deplorar. Nestes sábado, no entanto, ao tentar embarcar em um ferryboat, em Calais, rumo a capital inglesa, 22 trabalhadores ‘sem documentos’ que caminharam de Paris até esta cidade do extremo norte francês, foram detidos pela polícia de fronteiras como são conhecidos os agentes aduaneiros que atuam na zona portuária.
De acordo com o coletivo Sem Documentos 75 (CSD75), que representa esses migrantes irregulares impedidos de atravessar, a Mancha e os organizadores da Marcha Solidária, Albergue dos Migrantes (AdM), quatro ainda correm o risco de deportação. Por terem sido anteriormente objeto de uma medida administrativa conhecida como Ordem de Deixar o Território Francês (OQTF), terão que enfrentar uma audiência diante de magistrados da varas de Execuções de Lille, Rouen et Coquelles, amanhã (10 de junho) de acordo com as últimas informações obtidas por estas mesmas fontes.
Quanto aos outros 18 detidos, conforme declarou à You Agency Press (YAP) nesta tarde (09 de julho) o vice-presidente de AdM, François Guennoc, desde sábado, eles vem sendo liberados “a conta gotas” pelas autoridades policiais e administrativas da região. Uma última detida, que espera a instrução do processo asilo que iniciou junto as autoridades francesas, foi liberada nesta manhã.
Os organizadores ainda informam que, em Calais, muitos dos participantes da Marcha se mostraram “tocados” pela prisão dos companheiros de caminhada. Em Londres, a comitiva que concluiu o trajeto que durou dois meses e meio, levou consigo fotos dos trabalhadores retidos no Nord-Pas-de Calais. Uma forma simbólica, para os ‘sem documentos’ parisienses, de completar a última etapa da longa caminhada. Ao voltar da capital inglesa, no domingo, conta Guennoc, diversos eram aqueles que se encontravam “aos prantos”.
Quem são os detidos?
Os membros do SCDS75 se juntaram à Marcha Solidária, em Paris, no mesmo dia (21 de junho) em que a reportagem de YAP iniciou os três dias de caminhada ao lado dos participantes. A intenção era de demonstrar o apoio de migrantes que também lutam pela mesma causa – a livre circulação de pessoas e a acolhida incondicional de estrangeiros na Europa – de forma ativa. Este grupo, que existe há mais de uma década, milita pela regularização de trabalhadores ‘sem documentos’ de permanência e trabalho.
Para poder atravessar sem entraves legais, o coletivo diz ter informado as autoridades aduaneiras francesas e inglesas da intenção que tinham de participar do protesto que se diria a Londres. No entanto, estes trabalhadores, cujas situações administrativas já eram precárias ao deixar Paris, e que, ainda assim, aceitaram de correr os riscos previsíveis, ao tentaram atravessar o canal da Mancha foram impedidos pela polícia francesa e recolhidos provisoriamente.
Durante os três dias que YAP acompanhou a marcha, nossa reportagem conversou com um dos líderes do coletivo. Apesar de já ter obtido regularização, devido ao desejo de engajamento social que diz ser o seu, Sissoko continua extremamente ativo junto ao movimento de ‘sem documentos’.
Ele atravessou anos de clandestinidade. “Sem me casar para obter meus documentos”, relembra. Isso porque, ele acredita que todo o trabalhador tem o direito de trabalhar em paz e legalmente onde quer que este esteja. Por ter crença na causa da livre circulação ele resolveu participar da Marcha, como de outros protestos similares no passado.
Para Sissoko, contudo, o risco legal era ínfimo. Mas e para os companheiros do líder comunitário, o que dizer do envolvimento destas pessoas migrantes em situação irregular que, apesar das ameaças, decidiram de ir ao encontro das mesmas autoridades que deveriam temer?
“On est pas dangereux”
Quando o cortejo da Marcha atravessava áreas urbanas, à frente da passeata, os membros do CSD75, com a ajuda de instrumentos de percussão e de megafones, ecoavam um refrão de maneira quase mecânica: “on est pas dangereux”!. Nós não somos perigosos, exclamavam eles. Uma forma de lembrar aos que assistiam à passagem do cordão de militantes que o estrangeiro não seria, necessariamente, a ameaça generalizada denunciada por diversos movimentos políticos anti-imigração ou xenófobos no país e no continente.
Em todo o caso, sendo ou não perigosos, 22 foram detidos para averiguações. E se 18 dentre eles se encontram hoje em liberdade, para sete dos libertos, a situação se tornou ainda mais periclitante que há duas semanas. Por uma simples razão: ao deixarem o centro de retenção de Coquelles, no Norte da França, eles receberam uma OQTF, último estágio antes da remoção forçada.
Isso quer dizer que, se não tiverem como obter uma regulação nas próximas semanas, se controlados pela polícia, como os quatro companheiros encarcerados, podem ser retidos e deportados à qualquer instante.