Caso Benalla paralisa à revisão constitucional e comanda a atenção do meio político parisiense
Em um dia de revelações face aos representantes da nação francesa, o caso Alexandre Benalla continua mobilizando a atenção de toda a classe política parisiense. Prova do envolvimento dos legisladores é a paralisação da tramitação da reforma constitucional em curso – sem data certa para a retomada.
Uma Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI) aberta na semana passada para investigar os fatos em torno da presença deste funcionário de confiança junto à uma missão de preservação da ordem conduzida pela tropa de choque de Paris e da agressão contra dois manifestantes praticada pelo ex-subchefe de gabinete do presidente da República Emmanuel Macron. Ele fora flagrado, por um cineasta amador, agredindo fisicamente dois participantes de uma manifestação de protesto contra o governo que degenerara ao final das comemorações alusivas ao dia do Trabalho.
Como duelistas à distância, o ministro do Interior, Gérard Collomb, e o Prefeito de Polícia de Paris (o chefe de fato das polícias em Paris e região), Michel Delpuech, deram versões ligeiramente diferentes do cronograma inicial do caso envolvendo este próximo de Macron.
Apesar de mínimas, essas contradições, produto das oitivas do dia, insinuam uma cisma no alto comando das força de ordem do Estado. Além do mais, o desenrolar demonstra a extrema concentração das decisões em torno da equipe palaciana e do desenvolvimento de práticas administrativas com origem em “camaradagens malsãs”, como classificou o episódio o chefe de polícia de Paris. Retorno as oitivas que eletrizam o Congresso Francês:
Pela manhã de hoje (23 de julho), foi a vez do Ministro do Interior dar explicações sobre este caso que já resultou, entre outras medidas administrativas, em cinco denúncias criminais – Alexandre Benalla, Vincent Crase (um assalariado do partido do presidente e amigo de Benalla) e três policiais que deram acesso ilegal às imagens da manifestação ao ex-subchefe de gabinete.
Gérard Collomb, entre outras, afirmou que, ao saber do caso, pela tarde do dia 2 de maio, comunicou o palácio Élysée e a Prefeitura de Polícia. Não tendo, segundo o chefe das Polícias francesas, participado da organização e da autorização da missão de observação na origem dos fatos, ele se disse desincumbido de denunciar o acontecido ao Ministério Público da República, bem como de medidas administrativas contra Alexandre Benalla, posto que teria se assegurado, no momento em que descobria o vídeo incriminante que tanto o palácio quanto a Prefeitura de Polícia haviam sido comunicados. Logo, “cabia a eles de agir”, lançou Collomb.
Mesmo a demora na abertura de uma sindicância se explicaria, segundo o ministro, pela falta de competência administrativa para agir. Como ele não se sentia concernido em razão do envolvido não fazer parte da hierarquia do Interior, ele se desocupou do assunto até a quinta-feira passada (19 de julho) quando acionou a corregedoria das polícias em reação à revelação da identidade de Benalla pelo Le Monde.
Em resumo: o ministro tomou conhecimento dos fatos, repassou a informação a quem competia averiguar e punir e se disse desincumbido.
Não tão rápido, excelência!
Dito assim, tudo parece claro. No entanto, após a oitiva de Collomb, o dia ainda estava longe de chegar ao fim.
À tarde, Michel Delpuech, prefeito de Polícia de Paris, foi ouvido pela CPI da Assembleia e, desde a declaração liminar, sem provocação, fragilizou vários pontos do depoimento do Ministro do Interior, seu superior hierárquico.
Ele explicou que também fora comunicado da existência de um “caso Benalla” e de um vídeo em circulação nas redes sociais na manhã seguinte aos fatos (2 de maio). Um colaborador do funcionário de polícia – e não o ministro do Interior – informara-o do episódio. Ainda nesta manhã, mais tarde, um próximo do gabinete da presidência entra em contato com o Prefeito. Este, conforme Delpuech, explica já estar em contato com o ministério do Interior e que o assunto estaria sendo resolvido pela hierarquia do palácio do Élysée, a qual um servidor ocupando um cargo de confiança está submetido.
Daí, “pareceu-me estabelecido que o assunto Benalla estava à cargo da hierarquia do palácio”, explica Michel Delpuech. Razão pela qual ele teria abandonado toda e qualquer ação de investigação ou punição concernindo o caso.
Além disso, sem mesmo ser provocado, Delpuech revelou que, à noite do dia 1° de maio, o prefeito de polícia de Paris, ao retornar à sala de comando operacional parisiense, ele lembra ter sido surpreendido pela presença do ex-assessor presidencial em companhia de Gérard Collomb. Ou seja, algumas horas após ter agredido um manifestante na praça de la Contrescarpe em Paris, Benalla fora autorizado a visitar o coração operacional da polícia de Paris acompanhado do chefe das polícias francesas com quem confraternizava.
Uma cena que detonava pela familiaridade entre o “primeiro policial” do país e um ocupante de cargo de confiança junto à presidência da República. Um clima de “camaradagem malsã”, na opinião de Delpuech, que explicaria a aparente desordem administrativa que este “affaire” revelaria.
Isso porque, explicou, o pedido de participação de Benalla, em missão de observação, nunca chegou a ele. O gabinete de Emmanuel Macron preferiu pedir a um outro funcionário da Prefeitura de Polícia de Paris, que autorizou e organizou a ida de Benalla e de Vincent Crase ao “terreno” junto a uma tropa de choque em ação no Dia do Trabalho.
Essas contradições indicam que Delpuech não parece disposto a servir de vítima de guerra nessa disputa entre a oposição parlamentar e a maioria presidencial. A “cama” feita com atenção aos detalhes pela manhã pelo chefe do Interior, foi desfeita pelo subalterno à tarde.
No entanto, em um ponto, os dois servidores concordam: na medida em que o suspeito pelas agressões não era um agente policial, nem o Ministério e nem a Prefeitura de Polícia, em tese, estariam concernidos e obrigados a dar início à uma sindicância de ofício.
A oposição, encorajada pela acusação de proximidade incompatível com a impessoalidade da administração pública, lançada de forma oblíqua pelo prefeito Delpuech, exige que a CPI ouça, além do chefe de gabinete da presidência Patrick Strzoda, Emmanuel Macron em pessoa. “É em torno dele [Emmanuel Macron], que quis concentrar todos os poderes, que se joga a verdade dos fatos neste caso”, justificou o pedido de oitiva do chefe do Estado, Jean-Luc Mélenchon, chefe parlamentar da esquerda radical na Assembleia. O deputado Benoît Hamon, candidato socialista mal sucedido à presidência em 2017, também se associou ao pedido do tribuno esquerdista.
Um outro duelo
Enquanto isso, o senado deve ouvir os mesmos protagonistas a partir de amanhã (24 de julho). As duas casas do Congresso se lançam em um duelo em busca da verdade que deve durar pelo menos uma semana. Com duas CPIs em andamento, a Inspeção Geral da Polícia Nacional – como se chama a corregedoria geral na França – promete respostas liminares às dúvidas sobre as condições em que a missão de observação de Alexandre Benalla e de Vincent Crase se deram.
Ao final da tarde de hoje, pela pluma de seus advogados, Benalla afirma estar transtornado pela dimensão que o caso ganho nestes últimos dias. Os defensores explicam a atitude do ex-assessor de Macron pela vontade de “dar uma mão” aos policias em ação naquele dia.
Ainda segundo o comunicado distribuído pela defesa do guarda-costas ele teria sido convidado, pela direção da ordem e da circulação da Prefeitura de Polícia de Paris em quanto “observador”. Apesar de irregular, a ação de Alexandre Benalla não teria causado danos físicos a nenhuma das vítimas vistas no clipe que serviu de pavio da crise política atual.