Alexandre Benalla, entre mea culpa e contra-ataque, fala pela primeira vez nas páginas do Le Monde
O último personagem – o pivô – do caso Benalla quebrou o silêncio. Alexandre Benalla, o ex-subchefe de gabinete da presidência da República francesa encarregado da segurança privada do Presidente Emmanuel Macron, guarda-costas de formação e de apenas 26 anos, foi flagrado agredindo manifestantes no dia 1° de maio quando participava de uma missão de observação junto a tropa de Choque de Paris
Desde então, uma crise política de proporção não vista em um ano sob Macron, levou a demissão do principal implicado, o indiciamento de cinco servidores do Estado, a criação de duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) e a instauração de uma sindicância policial. Todos esses instrumentos de investigação buscam compreender como Benalla, um servidor público civil, detentor de um cargo de confiança, pode estar presente em uma missão de preservação da ordem dirigida e executada pela tropa de Choque de Paris e como, ao ultrapassar a prerrogativa de mero observador e molestar dois participantes de um protesto que degenerou em violência campal, ele não foi imediatamente demitido.
Nas páginas de ontem (26 de julho) do Le Monde, Benalla, defende-se de qualquer falha administrativa ou legal, mas lamenta o ato praticado – unicamente do ponto de vista “político”. As críticas recebidas de políticos, policiais de alto escalão e sindicalistas da polícia Nacional francesa, segundo ele, são uma reação ao fato de ele ser um jovem com uma origem diferente daqueles que habitualmente ocupam cargos de tamanha importância junto ao dispositivo de segurança do presidente da República.
Alexandre Benalla foi entrevistado por uma equipe de comunicadores especializados na gestão de crise. Em seguida, as fotos e o transcrição editada foram oferecidas ao Le Monde sem que este órgão de imprensa pudesse interrogar Benalla.
A imprensa local, plugada 24 horas por dia as redes parlamentares que retransmitem as audiências públicas das duas CPIs em andamento, já identificaram diversas contradições entre o que disse, em defesa própria, Benalla, e o que já foi apurado durante as oitivas realizadas durante a semana.
No entanto, uma convergência factual chama a atenção. Tanto o prefeito de Polícia de Paris, Michel Delpuech, quando seu subalterno responsável pela Direção da Ordem Pública e Circulação (DOPC), Alain Gibelin e, agora, o ex-assessor presidencial, são formais em indicar o chefe do Estado Maior da DOPC, Laurent Simonin, como aquele que convidara o guarda-costas para acompanhar as operações polícias durante a jornada de protestos do dia do Trabalho.
Simonin, que desde as revelações do Le Monde, na quarta-feira passada (18 de julho), foi indiciado pela Justiça Francesa, junto aos outros dois policias, por ter oferecido e fornecido imagens de vídeo sigilosos a Alexandre Benalla, e que ainda não foi ouvido publicamente, parece ser o agente que motivou a presença do guarda-costas junto as tropas de Choque em 1° de maio.
Aliás, Benalla, em um trecho da entrevista publicada pelo cotidiano de referência na França, rebate a acerba crítica lançada pelo prefeito de Policia de Paris, Michel Delpuech, que justificou o aparente desfuncionamento hierárquico a uma suposta “camaradagem malsã” entre o ex-assessor da presidência e o chefe do Estado-Maior da Prefeitura de Polícias de Paris.
“Contrariamente ao que disse o prefeito de Polícia [de Paris, Michel Delpuech], quando ele fala de camaradagem malsã, eu nunca tomei uma cerveja ou jantei com Laurent Simomin”, esclarece.
Hoje à tarde (27 de julho), o relatório da Inspeção Geral das Polícias Nacionais (IGPN), que corresponde a corregedoria de polícia na França, tratando do caso, corrobora a versão em que, Laurent Simonin, conheceria a missão de observação da qual fazia parte Benalla, mas que este não teria informado a hierarquia da Prefeitura de Polícia de Paris. O que conforta a versão de Delpuech mas também do chefe da DOPC, Alain Gibelin, que disseram a CPI da Assembleia desconhecer qualquer autorização dada a Benalla.
Além do mais, o relatório informa que Simonin “sem solicitar garantias [aos superiores]” no dia 1° de maio, “marcou encontro na Prefeitura de Polícia”, como ex-subchefe de gabinete de Emmanuel Macron.
O funcionário presidencial demitido aproveitou a entrevista para esboçar uma estratégia jurídica. Ele explicou que, após um dia conturbado, onde ele acompanhou a ação dos Policiais da Choque em vários pontos da capital francesa, ao chegar a célebre Praça de la Contrescarpe, no quinto distrito, ele, inicialmente, se manteve por trás da linha de policiais durante os primeiros momentos da refrega entre agentes da lei e manifestantes que ele qualificou de “violentos” e de “arruaceiros”.
Segundo Benalla, o casal que ele veio a atacar, comportava-se de maneira “estérica”. Eles estariam “agitados” e atirando garrafas e outros projeteis contra a primeira linha de defesa do policiais da Choque presentes. Uma versão dos fatos que antecedem a intervenção de Benalla, que são corroborados por um vídeo amador exclusivo obtido pelo canal France 3.
Em seguida, ele apreende a jovem militante e a entrega a um policial que observa a ação. O ex-subchefe de gabinete, então, volta ao centro dos acontecimentos para conter o outro agressor, inclusive com golpes contra a nuca deste jovem manifestante. O problema é que, na condição de observador, Alexandre Benalla deveria permanecer alheio a ação policial.
O que a defesa do ex-responsável pela segurança privada do presidente tenta apresentar como explicação para os atos deste cliente próximo ao chefe do Estado é que, ao contrário de um comportamento irregular, a ação de Benalla é amparada pela lei, posto que ele agiu para proteger a ordem pública, como simples cidadão, e uma vez interrompida a ameaça, ele livrou os agressores as autoridades competentes.
No vídeo que mostra, do início ao fim, os atos deste cidadão “fogoso”, como foi descrito pelos advogados que o defendem, esta interpretação não é clara. Em caso de processo penal ou trabalhista, será o objeto central dos debates legais.
Conclusão da IGPN
Ontem, o correlator da CPI da Assembleia Nacional, Guillaume Larrivé do parido Les Républicains (LR), em um laivo de dramaticidade teatral, demitiu-se do posto e abandonou os trabalhos da comissão. Esta CPI, dominada por deputados macronistas, de acordo com o deputado LR, estaria obstruindo a ação da oposição.
Hoje, todos os representantes da oposição bateram à porta da CPI pelo mesmo motivo aparente: a Comissão viro uma “paródia”.
No entanto, as duas CPIs congressuais devem continuar o curso até, pelo menos, o final de julho, quando o Parlamento parte em férias por duas semanas.
Com as conclusões contidas no relatório da IGPN, o caso deve sair, de maneira paulatina, das manchetes nacionais. No entanto, além das denúncias de violência voluntária do agente público em bando e outros tipos penais relacionados à presença de Benalla junto aos policias no dia 1° de maio, as vítimas do guarda-costas apresentaram queixa por “violência voluntária” nesta sexta-feira.
As agruras judiciais de Alexandre Benalla apenas começaram.
No final da noite de sexta-feira, o personagem central da crise, em entrevista para a tevê, exonerou Emmanuel Macron de culpa no episódio. Veja mais aqui.
DF de Paris