A extrema direita “não é uma anomalia” na trajetória política Brasileira, dizem pesquisadores
A YAPMAG está acompanhando os movimentos políticos da extrema direita no Brasil e no mundo. A ascensão do candidato a presidente, Jair Messias Bolsonaro, do partido Social Liberal (PSL) chama atenção. O discurso radical e conservador do deputado carioca, como têm demonstrado as pesquisas, gera ampla rejeição de quase metade do eleitorado, há 3 dias do pleito. Para compreender melhor a maneira que esse candidato se comunica, buscamos o auxílio de estudiosos para explicar a ideologia política que dá lastro ao discurso recorrente do candidato. Quisemos saber como suas falas se articulam com os ecos de movimentos autoritários de extrema direita do passado republicano brasileiro. O professor adjunto do departamento de história da Universidade Federal de Juiz de Fora, Leandro Pereira Gonçalves e o pesquisador do programa de pós-graduação da Universidade Federal de Santa Maria, Odilon Caldeira Neto, em entrevista exclusiva a YAP, ajudam a decifrar os subentendidos da retórica bolsonarista.
Tanto Leandro Pereira Gonçalves ( Plinio Salgado, um Católico Integralista entre portugal e o Brasil, ed. FGV) quanto Odilon Caldeira Neto (Sob o signo do Sigma: integralismo, neointegralismo e o antissemitismo, Eduem, 2014), dois especialistas, respectivamente, do Integralismo e do neo-integralismo no Brasil concordam que o “Bolsonarismo” não é um fenômeno inédito na história do país. Ao contrário, dizem eles, em entrevista exclusiva comum concedida via correio eletrônico à pedido de YAPMAG.
“A extrema-direita brasileira não é uma curva, uma anomalia do processo de constituição da política republicana, mas sim um elemento presente em diversos momentos históricos, sobretudo em crises e de escaladas autoritárias ou de enunciados antidemocráticos”, dizem eles.
Como Maud Chirio, esta historiadora do militarismo brasileiro do pós Grande Guerra em matéria que publicamos ontem à noite, eles vêem no ultraconservadorismo atual uma continuidade temática do integralismo da AIB na retórica agitada por Jair Messias Bolsonaro e outros líderes do movimento.
AIB um movimento de inspiração fascista
A Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento de ordem fascista que operou no país entre 1932 a 1937, pode ser considerado a maior expressão fascista brasileira. Através da liderança de Plínio Salgado, prolífico intelectual conservador, a AIB, como explicam Odilon Caldeira Neto e Leandro Pereira Gonçalves, alcançou grande audiência entre o eleitorado nacional
Leandro Gonçalves, em seu recente livro “Plinio Salgado, um Católico Integralista entre portugal e o Brasil” (ed. FGV), entre outros documentos inéditos, analisou os conhecidos escritos da imprensa Integralista fundada pela AIB de Salgado. Nestes, e em outros ensaios, cartas e discursos públicos, os historiadores consultados por YAPMAG identificam traços específico da retórica integralista da época que ajudaram a propulsar o movimento em diversos meios sociais brasileiros em um período de grande agitação doméstica como mundial.
“O imaginário político foi um dos elementos centrais de configuração do integralismo como um movimento fascista de massa, alicerçado também em uma rede consolidada de periódicos.”, ensinam os professores universitários.
“A denúncia de conspirações de diversas ordens – judaico, maçônica, comunista, quando não as três juntas- era um dos fatores de agitação dos líderes integralistas junto à militância, fomentando ações para além do campo de ideias, chegando inclusive no terreno da violência física, com enfrentamento com opositores dos camisas-verdes [como eram conhecidos os militantes integralistas mais investidos].”
Mas não só no campo da mística, ritualística e adornos (uniforme, emblemas e palavras de ordem), mas também, prosseguem os acadêmicos, “A denúncia de conspirações de diversas ordens – judaico, maçônica, comunista, quando não as três juntas- era um dos fatores de agitação dos líderes integralistas junto à militância, fomentando ações para além do campo de ideias, chegando inclusive no terreno da violência física, com enfrentamento com opositores dos camisas-verdes [como eram conhecidos os militantes integralistas mais investidos].”
Um outro aspecto da ideologia integralista e neo-integralista que chama a atenção e pode explicar a durabilidade de certos elementos como o culto a ordem e a disciplina acima de tudo, o autoritarismo como método de preferência, a defesa de costumes moralmente conservadores e a intolerância à diferença no seio do corpo social que decorre deste posicionamento moralista seria a passagem de bastão entre o integralismo puro da AIB à outras organizações e lideranças.
Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra ao lado dos aliados e contra o nazi-fascismo, Getúlio Vargas se viu obrigado a perseguir os integralistas, agora suspeitos de proximidade com o inimigo ultra-marinho.
Além da dissolução da AIB, outra consequência lógica foi o exílio de Plínio Salgado. O líder extremista encontrou asilo no Portugal do Estado Novo Salazarista. Como explicam Leandro e Odilon, “No exílio em Portugal (1939-1946), o líder integralista reformulou sua doutrina através do Partido de Representação Popular (PRP), fundado em 1945, [e extinto em 1965 pelo Ato Institucional N°2 editado pelo regime Militar], quando a base fascista integralista foi reinventada, passando a utilizar um discurso notadamente democrata-cristão, que passou a ser a base de sustentação da proposta política de Plínio Salgado”.
Salgado, como lembram os dois investigadores do ultraconservadorismo brasileiro, e o PRP acabaram aderindo ao regime da ditadura de 1964 que integrou elementos da plataforma integralista à ideologia do regime de exceção que vigorava no país. Aliás, Plínio Salgado foi eleito para dois mandatos de deputado federal pelo partido do regime, a Ação Renovadora Nacional (ARENA), morrendo um ano após retirada da vida política em 1975.
Esta transição pacífica e, o subsequente falecimento do líder fundador do Integralismo, levou a uma absorção das ideias em diversos dispositivos de militância e partidários no período da redemocratização.
“os ‘neointegralistas’, que encontram um espaço fértil nas décadas de 1980 e 1990 para a reformulação do integralismo… em plena redemocratização e organização legal da política brasileira, [os] defensores do fascismo buscavam legitimar-se”, ensinam Leandro e Odilon.
Os dois pesquisadores identificam no Partido da Reedificação da Ordem Nacional, ou PRONA, o exemplo mais célebre deste esforço de normalização de ideais ultraconservadoras junto ao eleitorado. Como no caso da AIB, o PRONA se construiu em torno de um líder folclórico, certo, mas igualmente carismático e letrado, à imagem de Plínio Salgado.
Enéas Carneiro, cardiologista de profissão, conhecido pelo cômico – mesmo sem intensão de ser – bordão “Meu nome é Enéas!” ao final dos exíguos 30 segundo de têve à que tinha direito quando concorreu pela primeira vez à presidência em 1989.
Ele alcançou celebridade nacional e chegou a ser o deputado federal mais votado da história do país com uma plataforma moralista e anti-liberal. Como Salgado, sua morte prematura decretou o fim do projeto nacional do PRONA, um partido que dependia da figura do chefe para imprimir no imaginário nacional.
Bolsonaro e a ideologia por trás do verbo
A democracia cristã do PRP e o virulento moralismo e autoritarismo de Enéas Carneiro, recentemente, tem outros elos de ligação com a política partidária e com o lobe religioso.
Leandro e Odilon, reconhecem que estes grupos, em sí, são organizações mais similares à “grupelhos” que à organizações políticas de massa. No entanto, eles alertam para o oportunismo dos neointegralistas. “Em termos exclusivos do integralismo, muitos classificam o neointegralismo como um movimento pequeno e sem expressão, e realmente trata-se de um grupo pequeno em quantidade, mas que aproveita as brechas legais para o desenvolvimento de atividades, como em partidos políticos e movimentos de cunho conservador, como o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) e Movimento Brasil Livre (MBL)”.
Como exemplo eles lembram do slogan de campanha de Levy Fidelix do PRTB em 2014 – Deus, Pátria e Família – um lema integralista. Hoje, além de ter o PRTB coligado, a chapa de Bolsonaro e Hamilton Mourão tem como slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Uma clara emanação do integralismo, na opinião dos acadêmicos ouvidos pela reportagem.
“Nesse sentido, é possível inclusive encontrar paralelos entre o quadro brasileiro e o ocorrido nos EUA, onde o processo eleitoral de Donald Trump trouxe à tona a agitação de diversos grupos de extrema-direita, mais propriamente grupelhos, mas que fomentaram a discussão de pautas e bandeiras em pleno jogo político institucional democrático.”, arriscam a comparação.
O que nos traz para análise de Jair Bolsonaro no texto. Num sentido geral, Leandro Gonçalves e Odilon Neto concordam com a avaliação de Maud Chirio exprimida em nossas colunas. “O discurso de Bolsonaro e de seus adeptos – que aparentam ser bastante diversificados – não pode ser interpretado exclusivamente à luz de um “revivalismo” da mais recente experiência autoritária na história brasileira [militarista], assim como também não são apenas formas de rearticulação de pressupostos essenciais do fascismo integralista do entreguerras e suas derivações.”, pontuam.
Cientificamente, o “bolsonarismo” retórico ainda merece aprofundamento. No entanto, quando perguntados, os acadêmicos não fugiram à tentativa de análise do fenômeno. “É possível perceber não apenas a persistência de referenciais de uma cultura política autoritária de direita, que condiz com o “caldeirão” de apoio à candidatura do PSL/PRTB, mas a inserção de novas práticas e representações. Esses novos referenciais ora remetem ao processo de politização de setores do Poder Judiciário, ora se articulam com a narrativa e estratégias políticas dos setores mais conservadores dos neopentecostais, assim como utilizam de ferramentas e modos de operação bastante similares ao ocorrido na campanha de Donald Trump.”, avaliam liminarmente.
Gonçalves e Caldeira Neto fecham o tópico dando ênfase, não a novidade de métodos discursivos alinhados com um certo humor político em escala mundial mas com a persistência, ainda que readaptadas, de pendores históricos da extrema direita pátria.
“ Contudo, além dessas ‘novidades’, que são muitas delas formas de rearticulação para a contemporaneidade e hipermodernidade… [os discursos de Bolsonaro] se articulam à essas novas formas, seja por meio de grupelhos que protestam por um novo golpe militar … mas também em torno de grupos neofascistas, como os neointegralistas, que se aproximam mais efetivamente do PRTB de Levy Fidelix e do General [Hamilton] Mourão.
Os efeitos do Bolsonarismo para além do jogo eleitoral
Independente do resultado final desta refrega presidencial disputada palmo à palmo e polarizada, o “Bolsonarismo” terá um impacto duradouro na vida política nacional?
Para Odilon e Leandro, em primeiro lugar, identificam “um grupo [ de eleitores] que demonstra insatisfação com os rumos da política nacional e enxerga na intolerância e força a saída para os problemas da democracia”, analisam.
Mas para além daqueles dos insatisfeitos com a democracia, existiria “uma cultura política autoritária no Brasil, que não se restringe exclusivamente a pequenos grupos e aparelhos políticos mais organizados, como os partidos políticos, mas à redes de socializações diversas, com uma maior historicidade.”, salientam os dois estudiosos.
Sem fazer previsões, Caldeira Neto e Pereira Gonçalves, signatários do do abaixo assinado divulgado ontem pela rede Direitas, História e Memória e reproduzia aqui, concluem que “mesmo com uma hipotética derrota de Bolsonaro, o quadro é de fortalecimento da extrema-direita no campo político, inclusive com o declínio de partidos que norteavam porções da direita brasileira, como era o caso do PSDB [partido da Social Democracia Brasileira].
Colaborou DF de Paris
* Uma primeira versão deste artigo que fora publicada foi, subsequentemente, revisada pela redação.