Como a ciência criminal e a polícia na França avaliam o programa de Bolsonaro contra o crime
No domingo de eleição em primeiro turno a reportagem de YAPMAG e You Agency Press (YAP) conversou com eleitores. Como em todo país e pelas embaixadas e consulados através do planeta, era claro que a segurança pública e as onipresentes criminalidade e violência homicida que infelicitam à maior nação sul americana eram uma preocupação decisiva para grande parte dos eleitores que digitaram o 17 de Jair Messias Bolsonaro. O candidato de extrema direita do Partido Social Liberal (PSL) conquistou parte do eleitorado exasperado com a insegurança geral. E ainda que as soluções pouco especificas mas chocantes que o ex-militar sempre defendera causem polêmica, ele é um dos poucos políticos, em nível nacional, que centrou o discurso no combate ao crime.
Vale a pena lembrar que entre 2016 e 2017, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Publica (FBSP), foram cometidos cerca de 67 mil homicídios no Brasil. Cerca de 5 mil dentre eles pelas mãos de policiais. Este alto índice de mortes violentas é acompanhada de uma das piores taxas de resolução do mundo – 20 por cento nacionalmente. Se mais não fosse, estes poucos dados explicam o porquê da grande importância que o eleitor brasileiro dá ao combate à criminalidade.
É por isso que YAPMAG decidiu ouvir especialistas em criminologia e no combate à criminalidade ligados ao ministério do Interior e a Polícia Nacional francesa e lhes perguntar o que eles pensam dos planos de Jair Bolsonaro para a segurança pública. Munidos das novas proposições feita por generais, nós contatamos o chefe adjunto do Observatório Nacional da Delinquência e da Resposta Penal (ONDRP), um órgão ligado ao governo francês, Aurélien Langlade, e a porta voz do sindicato de policiais SCG/FO, Linda Khebab, ela mesma uma investigadora de polícia experiente afeta à uma brigada especializada em Paris.
Os entrevistados avaliaram quatro propostas escolhidas pela redação entre as que foram recentemente divulgadas pelos generais que assistem tecnicamente e politicamente o líder das pesquisas eleitorais e contestadas com veemência pela oposição:
- Presunção de legítima defesa e imunidade para os policiais que matarem em confronto em serviço,
- Liberalização do porte de arma, sob condições,
- prioridade a pena privativa de liberdade em detrimento de penas alternativas e restrição dos regimes de semiliberdade e de liberdade condicional,
- Tipificar ocupações de imóveis, sedes de órgãos públicos e terras improdutivas como ato terrorista.
Também buscamos saber dos expertos na luta contra o crime quais conselhos eles dariam à classe política brasileira de como corrigir a situação de grande criminalidade e violência no curto e médio prazo.
Problemático
“É problemático”, reage liminarmente Aurélien Langlade à idéia de premunir o policial de um processo que contestaria a versão de legitima defesa no uso da força em serviço contra um malfeitor putativo em confronto armado. Mas ele, em primeiro lugar, tenta compreender o pensamento por traz da medida preconizada pela chapa Bolsonaro/Mourão. “Eu vejo que através desta medida ele [o candidato Bolsonaro] pretende retomar o controle da policia e fazer com que haja menos defeitos de funcionamento”.
Ainda, “A intensão da proposta, me parece, é de permitir ao policial de ter, potencialmente, menos medo de agir em certos locais”, interpreta. No entanto, o pesquisador qualifica a medida “de um tanto populista e que, com certeza, gerará acidentes”.
Além do mais, sem um inquérito seguido à confrontação, prossegue, “o que permitirá de provar que ouve legitima defesa, que a pessoa morta é realmente um criminoso, que ouve uso razoável da força [letal] e simultaneidade”, se pergunta.
Para ele, o fato de não haver uma investigação das circunstâncias “gerará um sentimento de impunidade entre os policiais que não é o mais indicado e que … criará polêmicas”, avalia.
Neste ponto, Langlade compara a proposta com a realidade legal da França. “Aqui é completamente o inverso o que se passa. Mesmo nos casos [majoritários] em que há legitima defesa o policial é ouvido em regime de detenção preventiva de até 48 horas para que se possa obter os elementos [que corroborem] o ato que ele cometeu”. Para ele, o fato de não haver uma investigação das circunstâncias “gerará um sentimento de impunidade entre os policiais que não é o mais indicado e que … criará polêmicas”, avalia.
O procedimento à francesa agrada Langlade. Ele ainda estima que o bom policial “é aquele que durante sua carreira não faz uso da arma”. Como cientista, ele acredita nos métodos de investigação, de gestão e de operação para atingir um máximo sucesso com o menor índice de violência armada.
Linda Khebab também concorda que toda troca de tiros seguida de morte deve ser investigada pelas autoridades competentes. Entretanto, ela tem uma opinião mais nuançada no que diz respeito à inversão da responsabilidade da prova. Ela também acha que ao policial deveria ser dado, no seio de uma instituição “sã”, ou seja sem prevalência da corrupção entre seus integrantes, a presunção de inocência no caso de confrontos armados durante uma operação.
Ela admite que a criminalidade não diminuirá se uma tal lei fosse aprovada. “mas para o policial sim [mudaria o seu cotidiano]”. “O policial na França, como na maior parte do mundo, quando ele mata alguém em uma troca de tiros é visto [inicialmente] como culpado de homicídio.”, corrobora o que diz Langlade. Mesmo se na maior parte dos casos os policias são absolvidos, “é ao advogado que cabe provar [que houve ação] em legitima defesa.”, indica.
O que a sindicalista gostaria de ver é a carga da prova de homicídio culposo ou doloso seja invertida, dando ao policial mais segurança quando a situação exigiria o uso da arma de fogo como instrumento de defesa pessoal. Ela pede que a sociedade e a lei confiem na boa fé do agente da lei. “De qualquer forma, hoje, não há um policial que hesite à utilizar uma arma de fogo ainda que ele tema ser ouvido em regime de prisão preventiva e visto como culpado”, acredita Linda Khebab.
É por isso, justifica, que em uma força policial bem regulada e onde o policial é visto, majoritariamente, como honesto, “poderíamos conceder uma presunção de legitima defesa”. Entretanto, ela questiona: “seria a polícia brasileira sã?”. Um trabalho de combate à corrupção é a ilegalidade entre os membros de uma força de polícia lhe parece essencial para que um tal voto de confiança seja dado aos agentes da lei.
“Não é tanto à quantidade de policiais [que conta] mas a qualidade. Se você tem 100 mil policiais e que eles são corruptos você terá [um situação] de insegurança. Mas se você tem 5 mil mas que eles são limpos você terá um melhor resultado. E é surpreendente que ninguém tenha apontado”
Mesmo que elogie o trabalho de batalhões especializados como a BOPE do Rio de Janeiro, cujo quartel general foi visitado pela campanha de Jair Bolsonaro, – “Muitos policiais franceses admiram a coragem dos colegas brasileiros “, confidencia – ela enfatiza a necessidade de combater de maneira implacável a corrupção policial. “me admiro que o candidato não fale nada sobre isso no programa”, comenta.
“Não é tanto à quantidade de policiais [que conta] mas a qualidade. Se você tem 100 mil policiais e que eles são corruptos você terá [um situação] de insegurança. Mas se você tem 5 mil mas que eles são limpos você terá um melhor resultado. E é surpreendente que ninguém tenha apontado”, avalia a investigadora que começou a carreira na via pública como todos os colegas.
“Não se pode conduzir uma guerra com soldados doentes”, decreta Khebab.
“Nós somos à favor do porte de armas na França”
No ano passado, YAP realizou, como parte de uma série de reportagens sobre a relação entre a violência e a retórica política na França – e em especial como a extrema direita se serviu do tema para alcançar seus primeiros sucessos eleitorais – onde o mesmo Langlade, que co-dirigiu a maior pesquisa sobre o crime de homicídio no mundo, explicava que o acesso fácil à armas de fogo é um dos fatores preponderantes no aumento do número de crimes de morte em um país. Ainda assim, ele advertia para a importância que a cultura do uso e do porte em um país exercia sobre a maior ou menor incidência do acesso enquanto fator criminogênico.
“Aqui eu dou o exemplo da Suíça, que tem uma taxa alta de armas por habitante mas onde o número de homicidios por 100 mil [habitantes] é extremamente baixo. Ao final do serviço militar eles [os cidadãos suíços] podem pedir para conservar uma arma em casa. Ou seja, depende da cultura na posse e do uso de armas de fogo”, ensina. Entrementes, a expectativa de punição interage com o fato de se ter um revolver ou pistola à mão.
“Quando a Justiça funciona mal, por exemplo, e amanhã minha esposa é agredida sexualmente na rua eu não irei declarar às autoridades, isso porquê, eu sei que nada será feito. E mesmo que se encontre o culpado a resposta penal não será adequada”, exemplifica um caso que poderia ser de o muitos brasileiros.
Neste caso de falta de confiança na cadeia judiciária do país e de sensação de impunidade generalizada, Langlade afirma que “Não é a mesma coisa, quando há ou quando não há confiança nas instituições do Estado, ter e ou não uma arma à fogo”. Ou seja, quando o Estado não protege ou pune mais armas na mão da população, de acordo com todos os estudos criminais conhecidos, leva ao aumento do número de ajuste de contas e de mortes como consequência.
Além disso, Linda Khebab pensa no policial em ação. “Não somos à favor do porte de armas na França”, opina sem ambiguidades a investigadora. Como se sabe, o país hexagonal é um onde a obtenção do direito de adquirir legalmente uma arma de fogo é mais restrito. Se resumimos de maneira simplista, apenas trasportadores de fundo, seguranças privados, caçadores e colecionadores tem acesso legal.
E a sindicalista está satisfeita. Ela tem mesmo certeza que o cidadão armado não estará melhor protegido. Além do mais, Khebab acredita saber que a maior parte dos policias franceses temem um maior armamento da população “que os colocaria em perigo”, clarifica.
“Nós podemos nos encontrar face a cidadãos com porte de arma, legalmente, mas que fariam um mal uso, em especial, contra à própria polícia”, teme. Ela sustenta que “a arma de fogo é um instrumento de defesa que deve ser utilizado por quem tem como profissão a defesa de outros”.
“O ser humano é muito emotivo para que nós possamos colocar uma arma entre suas mãos com completa liberdade”
Mais armas, de acordo com a profissional da segurança pública, significaria “que teríamos uma população [armada] face à face e que se matariam uns aos outros”, acredita. “O ser humano é muito emotivo para que nós possamos colocar uma arma entre suas mãos com completa liberdade”, conclui.
Ela ainda adverte, como Langlade, que a cultura de violência de um país como o Brasil, caso o porte seja liberalizado, poderia sim levar à um aumento do número de homicídios intra-familiares fazendo crescer o total de mortes e não recuar os índices atuais. “Não se deve armar à população honesta mas desarmar a desonesta”, prescreve.
A terceira proposta apresentada pelo generais da reserva em torno do pesselista pede, se não o fim, mas a limitação da progressão de regime. O objetivo seria endurecer a vida dos criminosos condenados obrigando ao cumprimento integral da pena em regime fechado.
Os defensores de períodos mais longos de encarceração em um país que conhece problemas crônicos de superlotação das casas prisionais e comum junto aos bolsonaristas, mas não somente. O candidato de extrema direita e seus apoiadores partem do princípio que a “polícia prende e a Justiça solta”.
Independente da validade da premissa, Aurélien Langlade lembra que, mesmo na França, os políticos que denunciam a mansuetude judiciária “são os mesmos que pensam que não se trancafiam suficientemente os criminosos, que é necessário mais vagas de prisão”. Contudo, pontua o cientista criminal, “há um número grande de estudos que demonstram que colocar na prisão delinquentes que cometeram crime de menor gravidade que, digamos, um homicídio, não funciona, cria uma taxa [alta] de reincidência… e potencialmente uma reincidência [cuja nova comissão] que será mais grave”.
Ele insiste que, a diminuição da possibilidade de progressão de regime ou da aplicação de penas alternativas à supressão da liberdade “todas as pesquisas criminológicas mostram que o importante é a neutralização do indivíduo. E a neutralização, ou se concebe à curto prazo ou se concebe à longo termo e se estima que é necessário ressocializar a pessoa” informa o estudioso.
“Mesmo em estudos franceses foi possível constatar que o uso bracelete eletrônico é mais eficaz que o fato de cumprir pena de prisão efetiva”, avança. Para Langlade, poder sair, trabalhar e conviver com familiares e com a comunidade próxima “recria laços sociais ao passo que em encerrando na prisão não se cria nada além de uma neutralização imediata sem pensar no longo prazo”.
Claro, prossegue Aurélien Langlade, “em casos de grandes infrações como homicídio, estupro, etc.. é necessário uma resposta penal firme”.
Sem surpresa, Linda pensa que a pena de prisão poderia ser decretada com mais frequência. Ela acha que a individualização da penas na França leva à que um criminoso precise ser um multi-reincidente para que a Justiça determine seu recolhimento à um estabelecimento carcerário.
“os crime de sangue, [o tráfico] de narcóticos, armas, é necessário que esta pessoa seja presa… por que se sabe que a ação [criminosa] desta pessoa será suspensa. Se nós não introjetarmos no espírito das pessoas que elas podem ser banidas da sociedade eu não penso que possamos lutar contra a insegurança”
No entanto, ela também pensa que é preciso colocar na balança o custo benefício de uma encarceração. Em crimes graves, por exempl0 “os crime de sangue, [o tráfico] de narcóticos, armas, é necessário que esta pessoa seja presa… por que se sabe que a ação [criminosa] desta pessoa será suspensa. Se nós não introjetarmos no espírito das pessoas que elas podem ser banidos da sociedade eu não penso que possamos lutar contra a insegurança”, defende.
Ela também pretende que a função de ressocialização, pela qual milita Langlade, seja feita “caso à caso” e nos crimes de menor potencial ofensivo.
E o que pensar de transformar um ato ocupação em um ato terrorista? “Na frança não há um policial que dirá que ele tratará uma pessoa que realiza uma ocupação como se trataria um terrorista”. E não é dizer que o país não conheça seu lote de ativismo com ações de ocupação de terras, por razões ecológicas, por exemplo, como no caso das terras em Notre-Dame-des-Landes, próximo Nantes na Bretanha.
O terreno ocupado por “zadistas” – como ficaram conhecidos estes ativista que ocupam o que eles chamam de “zonas à defender” ou “ZADs” – há décadas, foi alocado para a construção de um novo projeto de aeroporto para desengarrafar o atual em Nantes.
Resistindo à confiscação das terras por razões ecológicas, o longo conflito, os confrontos violentos com a polícia de choque e a morte acidental de um ativista atingido por um projétil de borracha levaram o governo francês à abandonar o projeto de construção. No entanto, a desocupação se fez em concerto com os zadistas sem grande comoção.
“O terrorismo é gerar terror pela morte. À partir do momento que os policias tem, face à eles, pessoas pacíficas… [as desocupações] não se fazem com uso de violência”, relata. Mesmo que uma desocupação seja difícil,conta Khebab, o uso de instrumentos como granadas de gás de efeito moral e de balas de borracha só se faria quando há um uso de coquetéis molotov e outros dispositivos incendiários por manifestantes.
Na França, continua a sindicalista “o policial é ensinado a agir segundo um princípio de proporcionalidade. Não se usa uma arma fogo contra um projétil de pedras, por exemplo”. Uma forma de dizer que uma ocupação conduzida por ativistas pacifistas não mereceria um tratamento reservados à homicidas determinados como são os terroristas que trucidaram centenas de melômanos no teatro do Bataclan em Paris num 13 de novembro recente.
“A questão que se coloca é de saber o que pode o exército fazer à mais que a polícia faria?”
Quanto ao uso mais frequente da intervenção militar na segurança pública Linda Khebab é dubitativa. “A questão que se coloca é de saber o que pode o exército fazer à mais que a polícia faria?”. Para a policial, de qualquer forma – e a experiência do plano Sentinela de proteção contra o terrorismo que conta com o suporte temporário da soldados em pontos de risco de atentado – teria mostrado que o militar não está autorizado à ultrapassar as restrições legais que já se impõe à polícia.
“Em uma favela”, por exemplo, “há uma população civil” não envolvida com o crime. Lembra Khebab. O militar, comenta, “não é formado para atacar [no regime] do caso à caso… tudo que ele visa deve ser destruído e não se pode fazer isso junto à civis”, pesa.
Para ela, ninguém conhece melhor o terreno de ação que o policial que está próximo ao crime. “O militar não é um super homem”, chama atenção. “Além do mais, não há guerra limpa, como se sabe”, alerta a sindicalista para o risco de fatalidades colaterais.
Aurélien Langlade não está longe de pensar a mesmo coisa. Simplesmente, ele lembra que, psicologicamente, pode haver um efeito positivo junto as populações periféricas às zonas sob intervenção. “Pode haver um efeito positivo de retomada do controle de certos territórios que poderá ser bem visto por uma parte da população”, acredita.
“Quando se tem um índice tão baixo de elucidação é que há uma grande disfunção no seio das instituições policial e judiciária”
Mas se estas medidas não obtiveram uma adesão entusiasta da parte dos dois especialistas da criminalidade e da segurança pública, qual seria um melhor receituário.
E para começo de conversa, diz o criminólogo Aurélien Langlade do ONDRP, seria necessário “saber contar”. Ou seja, conhecer os números da criminalidade de maneira pormenorizada para ser capaz de fazer um bom diagnóstico e prescrever o bom remédio.
Langlade, em seguida, à luz da ciência criminal, preconiza um “esforço de reflexão sobre os fatores que influenciam a criminalidade” que se constata pelas estatísticas frias. E aqui já se vê um primeiro obstáculo à construção de políticas públicas no Brasil que, um dos principais institutos de estudo em segurança pública no país, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada nova publicação, lembra da dificuldade de obter dados nacionais abundantes e precisos sobre o crime. Cada estado tem um nível desenvolvimento na coleta, armazenamento e colocação à disposição dos índices de violência.
Em países mais desenvolvidos no quesito, como explica o estudioso, as pesquisas e estudos mostrariam que “os índices de pobreza, o nível de [funcionamento] dos controles sociais formais (instituições como a polícia, a justiça, parlamento e executivos ou ainda as instituições carcerárias) é igualmente importante no desenvolvimento da violência em um país”, enumera alguns fatores.
E visto, por exemplo, que o nível médio de resolução de crimes de homicídio, para ficar no que há de mais grave, em média no país é de 20 por cento e que, em certos estados, pode ser tão baixos que ficam nos 4 por cento, é evidente que a percepção é de inépcia e impunidade. Neste caso, ensina o cientista, “quando o índice de elucidação é de 4 por cento, e que há um acidente de carro, se [a tensão] aumenta e que termina em homicídio, eu não me digo que eu vou ficar preso pelo resto dos meus dias”, a noção presente de impunidade, neste caso, eliminaria a inibição de uma pessoa armada em uma situação de conflito.
Alias, como destaca Langlade, o Brasil, que no último ano conheceu um recorde 67 mil mortes violentas, já em 2012 apresentava um nível de 25 homicídios por 100 mil habitantes, enquanto que o México (pais dos temidos cartéis do narcotráfico internacional) ficou nos 21 por 100 mil, os Estados Unidos da América (EUA) (a mais violenta nação entre os países industrializados no hemisfério norte) estão entre 6 e 10 assassinatos por 100 mil e que a França fica sempre abaixo de 2 homicídios por 100 mil. Ou seja, o Brasil é um dos líderes mundiais na categoria.
Aurélien, ainda lembra que a desigualdade em um país determinado é um outro fator preponderante que conta na tomada de decisão de passar ao ato criminal como solução aos obstáculos que impediriam um indivíduo de galgar os degraus que o levariam à ascensão social. “É a ideia de se dizer que ‘eu não chego a ganhar meu dinheiro por meios legais e que eu vou, potencialmente, me engajar em um meio criminoso e é este meio criminoso violento que levaria à homicídios” e outros crimes graves, conforme Langlade.
Já a investigadora Linda Khebab acrescenta que uma educação para o civismo desde a infância ajudaria a afastar jovens expostos à desigualdade social da criminalidade. “é claro que muitos escaparão [ao controle dos educadores], mas é necessária se fazer todo o possível para inculcar um espírito de civismo e de honestidade [nos estudantes]”, receitua, de maneira idealista, admite, a sindicalista.
Ainda, o investigadora sugere que o combate ao tráfico deve ser total. “Se, por exemplo, para combater o tráfico de drogas, se envia a BOPE nas favelas mas que, ao lado disso, as fronteiras são como funis. Na realidade se tem que lutar contra o mal na sua base.”
“Se sabe que as polícias mais corruptas são aquelas que são as mais mal pagas. É humano”
Além disse, ela volta a prevenção da corrupção. “Se sabe que as polícias mais corruptas são aquelas que são as mais mal pagas. É humano”, pensa. No entanto, diz ela, “se [o Brasil] permitisse aos policiais de ter uma melhor remuneração mas se dizendo intratáveis com a corrupção… neste caso podemos lutar [de maneira mais eficaz] “, assegura a policial.
O combate ao policial criminoso faz eco ao que diz langlade quanto ao bom funcionamento das instituições. O criminólogo ensina que, por ser o crime mais impactante em termos de consequências sociais, o homicídio costuma ter o maior índice de resolução na maior parte dos países. “Quando se tem um índice tão baixo de elucidação é que há uma grande disfunção no seio das instituições policial e judiciária”, comenta.
Sem afirmar que a corrupção seria o principal fator de ineficácia, o pesquisador explica que a proximidade dos investigadores com o meio criminoso, com o crime organizado, a cumplicidade da hierarquia que sabotaria a investigação, o medo de represálias urdidas pelos autores em bairros dominados por milícias e outros grupos mafiosos ou ainda uma resposta penal inadequada da Justiça são dificuldades que se constata, em diversos estudo, quando 80 por cento dos crimes de morte em um país não são resolvidos ou que os assassinos não conhecem punição.
Ainda que a aparente incompetência das polícias judiciárias no Brasil seja multifatorial, como ressalta o chefe adjunto do observatório francês, refletindo sobre o caso de Marielle Franco, que quase seis meses depois ainda não foi resolvido mesmo com a existência de suspeitos conhecidos, ele concorda com Khebab que “um tal nível de corrupção, que ainda se combina à um nível elevado de impunidade devido à baixa taxa de elucidação e da desfunção global da Justiça, isso cria um terreno propício para o aumento da criminalidade e, efetivamente, quando há alguém que incomoda, não tem problemas para assassiná-lo”, se desola.
“O Brasil não é um país sub-desenvolvido e tem boas unidades de investigação”, acredita Aurélien Langlade. No entanto, todos estes fatores citados acima estariam impedindo que os controles formais levassem à um melhor funcionamento do aparato policial e judicial. “E somente com grande vontade política [o problema] pode ser resolvido”, indica.