Jornada de protestos na França reúne 282 mil manifestantes contra o novo imposto dos combustíveis e o alto custo de vida
O movimento Gilets Jaunes se formou pela Internet e pelas redes sociais e se diz apartidário. No entanto, todos os partidos de oposição, com exceção dos ecologistas, declararam apoio à manifestação
Neste sábado ensolarado mais de 280 mil franceses desfilaram pelas ruas do país vestidos de uma raiva amarela. Os Gilets Jaunes – ou Coletes Amarelos (CA) – foram mobilizados pela Internet de maneira quase espontânea e convidados a investir às ruas portanto os famosos coletes fluorecentes obrigatórios à todos os proprietários de veículos automotores na França. Estes automobilistas e outros contribuintes se reuniram em mais de 2 mil pontos de bloqueio ou de concentração pelo país para – inicialmente – protestar contra a alta dos combustíveis, sentida desde fevereiro deste ano, e que será ainda majorada por uma nova taxa ecológica à partir de 1° de Janeiro do ano que vem.
Sem líderes ou organizadores, como é o caso em manifestações sindicais ou partidárias, a jornada de revolta fiscal ganhou em importância ao longo do ultimo mês e obrigou o presidente da república, Emmanuel Macron, e o primeiro ministro Édouard Philippe à reagir e a preparar às pressas o dispositivo de ordem. Desde o inicio da semana, tanto a Presidência da república quanto o governo Philippe se dispersaram na mídia para incitar os manifestantes à protestar pacificamente e evitar os bloqueio de vias públicas. Os dias que antecederam a jornada nacional de protestos serviram para que o ministério do Interior, dirigido há poucos meses por Christophe Castaner, se preparasse internamente para todo o tipo de desordem nos entornos dos mais de 2 mil pontos de manifestação pelo país.
No entanto, o dia de protesto levou uma sexagenária que participava de uma barragem em Pont-les-Bonvoisins, no alpes franceses, à morte por atropelamento. A autora do crime avançou sobre a barreira após ser impedida de continuar sua rota em direção ao posto médico até aonde conduzia a filha doente para uma consulta de urgência. Ao atravessar o grupo de manifestantes, de acordo com informações da televisão pública francesa, a motorista aflita atingiu a vítima de 64 anos que morreu no local apesar de ter sido rapidamente atendida pelos socorristas do corpo de bombeiros.
De acordo com os últimos dados fornecidos pelo ministério do Interior, além de um óbito, ao todo, teriam havido 227 manifestantes feridos, com 6 em estado grave, 117 detenções em flagrante com 73 prisões preventivas ainda em andamento.
Em Grasse, no sul da França, pela manhã, um manifestante atropelou um policial, que não corre risco de morte. O agressor foi imediatamente detido.
Na capital, nossa reportagem acompanhou, à tarde, o desenrolar da manifestação principal em torno da avenida do Champs Elysée. Até as 20 horas, um último bloquei nas imediações do palácio Elysée da Presidência, ainda causava lentidão no centro da cidade.
Passeata e lacrimogêneo
No momento da passeata entre a Porte Maillot e a praça da Concórdia (cerca de 3 km distância entre os dois ponto), às 14 horas, a orientação dada à polícia de Choque era a de impedir que os manifestantes alcançassem o palácio presidencial, à poucas quadras de lá. Quando uma parte dos manifestantes tentou romper o bloqueio houve tensão, empurra-empurra e gaz lacrimogêneo – o que resultou em um retorno à calma e possibilitou o avanço do cortejo até a praça da Concórdia. Os polícias claramente buscaram evitar o enfrentamento físico à qualquer custo. Talvez um efeito do caso Alexandre Benalla que agitou o verão parisiense no Congresso.
Um último grupo de irredutíveis se encontra, às 21 horas quando do fechamento desta matéria, embretados em uma ruela entre a rua do Faubourg Saint-Honoré, endereço do palácio Elysée, e a rua de Rivoli. Apesar do clima de animosidade, os CRS – como são conhecidos os policias da tropa de choque – tem a situação sob controle. Outros duzentos pontos pelo país se encontram bloqueados no começo desta noite.
A alta dos preços como combustível da cólera popular
Desde de o início do movimento a taxa ecológica sobre os combustíveis fósseis é apontada como o principal vilão. No entanto, se é verdade que este novo imposto faz o automobilista que vive na periferia ou em zonas rurais – prisioneiro do automóvel, posto que afastados dos centros e das aglomerações – a vítima direta, o verdadeiro culpado da inflação energética é a alta do barril do petróleo no mercado internacional que passou de cerca de 20 US$ à cerca de 80 US$ de fevereiro para cá.
No entanto, ainda que a tarifa ecológica tenha um impacto marginal no preço final da gasolina e ,em especial, do diesel – que é o combustível mais comum entre os veículos franceses – esta nova prestação fiscal aplicada ao consumo de um produto essencial foi percebido como a gota d’água que fez transbordar uma série de descontentamentos ligados ao custo de vida, ao custo do Estado e dos serviços públicos e da atuação do governo e dos partidos políticos vistos com desconfiança pelos participantes deste movimento sui generis que nasceu e cresceu pela vontade dos internautas e sem líderes investidos.
Na rua, em Paris, por exemplo, o que se viu foi um grupo heteroclito com queixas mais amplas que a taxa ecológica sobre os combustíveis e com descontentamentos diferentes.
Damien, empresário quadragenário, manifestou seu descontentamento junto com os milhares de outros coletes amarelos que investiram a avenida do Champs Elysée. Ele diz empregar 2 mil trabalhadores e não querer mais aumento mas sim baixa dos impostos. “Eu paguei impostos toda a minha vida. [A França] É campeã do mundo dos impostos. Eu votei [Emmanuel] Macron mas estou decepcionado. Ele disse que iria diminuir o custo do Estado mas ainda há mais de 5 milhões de funcionários. Nós somos hiper-endividados e ele [Emmanuel Macron] sequer começou a reduzir todos estes custo.” opina o empreendedor.
Claramente liberal economicamente, ele se diz solidário dos franceses de classe média baixa que se dizem assolados pelos tributos. No entanto, ele julga que a nova taxa incriminada pelos participantes do movimento CA é apenas um pretexto. O combustível da cólera popular é outro.”Não é por 4 centavos à mais por litro que eu sairia de casa”, afirma.
“Nós sempre financiamos os serviços públicos por empréstimo. [Hoje], nós apenas pagamos os juros [da dívida]. Logo, quando as taxas de juros subirão, nós vamos ser asfixiados [pela dívida]. Então, eu estou aqui pelos meus filho”, Damien justifica sua participação. O que ele gostaria, conclui, é que os políticos cortem despesas e diminuam a carga tributária.
Yasmina, professora por volta dos 50 anos, ocupa a ponta esquerda do campo político ideológico. Afastada, logo, por léguas do empresário Damien. “A baixa dos impostos sobre os combustíveis e a queda de [Emmanuel] Macron nos estamos de acordo”, afirma. Contudo, a militante de esquerda gostaria que houvesse “um reajuste salarial e uma melhoria das condições de trabalho das pessoas. Que sejam trabalhadores do privado, militares e policias mas também dos operários”, preconiza a educadora.
O Novo imposto, que, como reafirmou o presidente da república nesta quinta-feira (15 novembro) começará a ser aplicado em 1º de janeiro de 2019 e envolverá um aumento de 2,9 centavos de euro por litro de gasolina, não será adiado ou extinto.
Já o primeiro ministro Édouard Philippe também, em uma rádio pela manhã do mesmo dia 15, tinha anunciado a determinação do governo em manter a taxa. “Nós não vamos anular o imposto sobre as emissões de carbono, não vamos mudar de curso, não vamos desistir de fazer frente ao desafio” [da mudança climática], disse o premier.
Um argumento ecologista que não convence Yasmina. Ela não se diz menos preocupada com a natureza e com o clima que o governo ou outros movimentos políticos. Entretanto, ela pensa que o governo deveria fazer com que os preços da energia, seja qual for a fonte, sejam menos salgados. “Se nós estamos aqui contra o aumento dos combustíveis, nós não somos ecologistas, é isso? Eu digo não, nós vivemos em um mundo moderno, nós precisamos dos carros. Se eles [o governo] querem que ele seja elétrico tudo bem. Mas neste ínterim, nós fazemos como para pagar a eletricidade? Que o carro seja elétrico, [movido] à gasolina ou à diesel, de toda forma, nós não podemos mais pagar”, reclama do preço a professora.
O governo também anunciou um bônus de até 4 mil euros para incentivar 20% das famílias mais modestas a trocar de carro e comprar uma versão menos poluente. Até agora, o bônus era de até 2 mil e 500 euros para trocar o carro antigo.
Uma medida que não convence George, açougueiro trintanário da região parisiense. De qualquer forma “eu sou ‘escutista'”, logo menos concernido pela alta dos preços na bomba. Além do mais, diz ele, “alguém como eu, que ganha mil euros por mês, mesmo com 4 mil euros, eu não teria como obter um crédito para comprar um carro elétrico que custa 20 mil.” O que ele quer é “que o governo compreenda que o preço do combustível não é a única razão [do descontentamento]. É uma acumulação.”
“A luta ecológica, nós somos favoráveis. Nós queremos todos um mundo melhor para os nossos filho, no entanto, nós não queremos que sejam os pequenos que sofram sozinhos”, explica.
Mas o que ele busca na rua? Ao lado de pessoas vindas de horizontes tão disparates e com objetivos tão diversos? “Nós queremos uma melhoria do poder aquisitivo, poder comer, poder se aquecer no inverno, ter um teto sobre a cabeça sem começar o mês no vermelho”.
O caráter informal do movimento poderá levar à que? George pensa que, apesar da falta de pauta única e de encarnação, “a beleza do movimento está no fato de que nós pudemos mostrar ao governo que agente pode fazer às coisas sozinhos, que nós não precisamos deles”. Uma forma de auto afirmação popular, mas igualmente de advertência, pensa o jovem ativo. “Hoje, nós chegamos à um momento onde nossa paciência é colocada à rude provação. Mas, agora, nós estamos até aqui [repletos de indignação]e cada dia será mais duro [para o governo conter o movimento].
DF de Paris