“Nenhuma taxa vale colocar a unidade da nação em perigo”, diz Edouard Philippe ao ceder à pressão e suspender a taxa Ecológica que revoltou à França
Três semanas de pressão nas ruas, com cenas de guerrilha urbana em Paris por dois sábados consecutivos, foram necessárias para fazer o governo francês abrir mão da taxa Ecológica que incidiria sobre o preço do litro dos combustíveis à partir de 1º de Janeiro próximo.
Por volta do meio dia de Paris, o primeiro ministro Edouard Philippe, em rede nacional de radio e tevê, anunciou que o governo suspendia “por seis meses” a aplicação do novo imposto estopim da revolta fiscal e social impulsionada pelo movimento dos Coletes Amarelos. “Nenhuma taxa vale colocar a unidade da nação em perigo (…) Esta raiva [exprimida pelos manifestantes], há que ser surdo ou cego para não ouvi-la. Eu meço a força e a gravidade [da revolta] (…)”, justificou assim o recuo tardio do executivo.
Além da moratória de seis meses da taxa recriminada pela população, o premier fez saber que as contas de luz e de gaz não aumentarão durante os três meses de inverno, no mínimo, além da suspensão, também por seis meses, das novas regras técnicas de inspeção veicular vistas como onerosas pelos automobilistas em colete amarelo.
Em paralelo à aplicação destas decisões com duração temporárias, Philippe pretende lançar, em todas as 13 regiões metropolitanas bem como ultramarinas, um grande debate popular, com a participação dos Coletes Amarelos que assim desejem, sobre a transição energética, o custo de vida e a justiça fiscal à partir de 15 de dezembro e com duração de três meses. Ao final deste exercício o premier pretende “tirar as consequências” e propor soluções legislativas e de outra ordem para cada um dos temas discutidos.
Nós não vamos nos deixar adormecer por esta moratória
Estas medidas, para um dos porta-vozes do movimento, o “construtivo” Benjamin Cauchy, não serão suficientes para desarmar os ânimos do ativistas em amarelo. “Nós não vamos nos deixar adormecer por esta moratória. As reivindicações são bem mais amplas que isso”, lançou Cauchy. Da extrema direita à esquerda radical, todos se felicitam deste inflexão da política fiscal do governo mas criticam o executivo pela demora, pelo prazo limitado de aplicação e por não aportar respostas à outras questões que emergiram do movimento do Coletes Amarelos como o custo de vida, o arrocho salarial e das pensões de aposentados bem como de justiça fiscal e de ordem institucional.
Christian Jacob, chefe das fileiras dos republicanos na Assembléia Nacional se diz frustrado pelo simples período de carência proposto. Para ele, o que seria necessário para uma melhoria do poder aquisitivo da classe média francesa é uma “extinção geral” e “permanente” de impostos que pesariam sobre o contribuinte.
Já o colega republicano de Jaboc, o ex-ministro do Orçamento sob Nicolas Sarkosy, Éric Woerth, durante a tradicional sessão de perguntas ao governo no hemiciclo da Assembléia criticou a política fiscal “ilisível” de Edouard Philippe. Ele ainda acusou a atual maioria de “brutalizar os franceses” e de oferecer soluções paliativas quando “a única solução para a melhoria do poder aquisitivo do trabalhador ó o aumento dos salários” graças ao crescimento econômico, assegura o ex-chefe do orçamento da nação.
A severidade do ex-ministro surpreendeu o transfujo do partido dos Republicanos e atual ministro do Orçamento Gérard Darmanin que o acusou de “hipocrisia” ao acusar o governo Philippe de praticar uma política que fora a sua quando ele mesmo governou junto com o ex-premier François Fillon. “O senhor conta aos seus eleitores e aos Coletes Amarelos com quem tem conversado que vossa excelência votou à favor da Reforma do Imposto social Sobre à Fortuna (ISF)”, indaga Darmanin.
Mas as criticas não pararam aí. Marine Le Pen, ativa nas redes sociais e nos estúdios da França e de Navarro, por sua conta no site de microbloging Twitter, em tom jocoso, ela criticou a suspensão. “Seis meses? Seis meses… Certamente um acaso que isso nos deixe à poucos dias depois das eleições Europeias de 2019”.
Mesmo tom de desconfiança da parte da deputada da France Insoumise (LFI) Caroline Fiat, durante a sessão de hoje na Assembleia. Ela falou de “curtina de fumaça que não tem outra vocação se não empurrar [o aumento dos impostos] para depois da eleição Européia. ” Vocês irão suspender o ISF”, interroga a deputada de esquerda radical. “Cedam ou partam”, vocifera contra o premier Fiat.
O líder carismático da LFI, o deputado e 4° colocado do primeiro turno presidencial de 2017 Jean-Luc Mélenchon, também pelas redes sociais, completou a critica da colega insoumise. Para ele, Emmanuel Macron e Edouard Philippe “Não estiveram à altura” da crise. O belicoso orador ainda acredita ensinar ao executivo que “não é possível apaziguar uma revolução cidadã com este gênero de artifício político”.
Já na esquerda socialista (PS) o primeiro secretário do partido de François Mitterand e de François Hollande quer mais diálogo e menos antagonismos. Olivier Faure acusa o governo de buscar “limitar o debate à uma falsa alternativa: ecologia ou poder aquisitivo, serviço público ou impostos.” Avalia. Para o líder socialista o que é preciso é uma “luta contra as desigualdades sociais e territoriais, uma discussão salarial”.
A deputada socialista e chefe da corrente interna Géneration Écologie Delphine Batho criticou o que qualificou de fim “do comprometimento ecológico” da parte do governo. Um mesmo tom de decepção podia se ouvir nas bocas da maioria dos políticos ecologistas do país.
Já o ex-ministro da Transição Ecológica e Solidária Nicolas Hulot, que há dois meses chocou o mundo político ao renunciar ao posto ao vivo em entrevista à radio France Inter alegando que não tinha mais condições de lutar contra a ala desenvolvimentista do governo que o impedia de implementar medidas mais agressivas em favor do meio ambiente, de forma inesperada, saudou a decisão tomada por Matignon. Para ele, o momento é de forte tensão e um gesto de pacificação era mais necessário que a manutenção taxa.
“É claro que não foi uma boa notícia para o clima” admite Hulot. Contudo, ele se disse confiante que em momento oportuno o governo retomara o combate contra o aquecimento do planeta através de novas medidas. O custo [da transição] ecológica não se fará contra os franceses mas com a compreensão dos francesas. Neste ponto, temos a soma de incompreensão e de mal-entendidos”, avalia.
Mesmo com surpreendentes sinais de apoio, na média das reação políticas do dia, a avaliação tende à crer que o executivo agiu tarde de mais e o que fez para amainar a crise foi pouco e arrisca de resultar em um fracasso e em mais protesto.
Philippe, como indicou pela manhã, pensa diferente. Ele acha que os anúncios de hoje são de natureza à abrir o diálogo e trazer os “franceses de boa vontade” à mesa. No entanto, ela não exclui a possibilidade do que se esta chamando de 4º ato do movimento Coletes Amarelos aconteça.
Pelo fim das passeatas em Paris
“Se houver uma nova jornada de mobilização no sábado [que vem] ela deverá ser declarada e se desenrolar calmamente. O ministro do Interior utilizará todos os meios para fazer respeitar a ordem”, previne o premier.
E, aparentemente, haverá uma nova jornada movimentada em Paris no próximo sábado.
Após conhecer o teor das medidas apresentadas por Philippe, Eric Drouet, o caminhoneiro de Melun que lançou a primeira página Facebook dos Coletes Amarelos chamando ao protesto no dia 17 de novembro, questionado pela AFP, se disse insatisfeito. Não é o que esperávamos”, declarou. “Os Coletes Amarelos”, exigem uma revalorização do salário mínimo e a volta do ISF – uma concessão que não quis lançar mão Philippe.
Em vista do desapontamento, Drouet defende o “retorno à Paris” no sábado. “Próximo aos espaços de poder, na Champs Elysée, Arco do Triunfo, [praça] da Concórdia”, sugere. E avisa: “As pessoas estão cada vez mais motivadas, elas se organizam e nós seremos ainda mais numerosos”, prediz.
“Sem encontro no próximo sábado”, suplica o ministro do Interior Christophe Castaner. Ele esteve na comissão de Leis do Senado nesta tarde e conclamou os “Coletes Amarelos pacíficos” à se “desolidarizarem” dos elementos mais violentos que segundo ele não buscam nada mais que o enfrentamento das forças da ordem.
“Sábado nós fizemos uma escolha: não autorizar a manifestação na Champs Elysée mas de estender à mão aos Coletes Amarelos para que eles aceitassem manifestar [em zona fechada na avenida] após revista. Só 150 pessoas aceitaram. Aqueles e aquelas que fizeram a escolha de não vir manifestar [conforme a modalidade proposta] são responsáveis junto com os arruaceiros porque eles impediram as forças da ordem de agir”. Christophe Castaner, ministro do Interior.
O Castaner anunciou um aumento de efetivo, sem citar números, que elevará a presença de soldados e policiais nas ruas da França no próximo final de semana à mais de 65 mil escudos da semana anterior. Ele ainda se preocupa com o nível crescente de violência à cada nova manifestação em Paris.
“Eu não posso revelar aqui o dispositivo [que será adotado] mas nos queremos planejar baseado na tomada de consciência da extrema mobilidade dos agressores e [posso dizer] que nós levamos em conta [nos planos em elaboração] o crescente chamado à violência em certas redes socias”, adverte o ministro.
Com ele na oitiva no Senado estava o número 2 do Interior, Laurent Nuñez, secretário de Estado junto ao ministério. Nuñez afirmou que a radicalização do movimento “Não deixa mais dúvidas”.
“O ponto de virada se deu desde [o final] da primeira semana, com uma mudança claro [na segunda semana] da fisionomia. No plano sociológico, um público de mais idade, comerciantes e assalariados, no conjunto, partiram. Os que ficaram foram os mais jovens, em geral desempregados e mais agressivos . NO plano geográfico, o movimento que concernia inicialmente uniformemente à França se concentrou em uma linha Amiens – Grenoble [do norte aos alpes, na diagonal].” identifica.
“E no sábado passado, um novo degrau foi alcançado posto que nós tivemos agressões cometidas contra símbolos do Estado: Prefeituras de Polícia, prefeituras municipais, à escritórios do fisco e à gabinetes regionais de parlamentares”, relembra o numero 2 do Interior.
Mas o receio do chefe das polícias na França e do seu adjunto é visto como desconfiança e com o mesmo espírito de desafio à ordem que tem caracterizado estes ativistas. O Exemplo de Pirre-Gaël Laveder, ouvido pelo cotidiano Le Monde nesta terça-feira resume bem o que um número significativo de Coletes Amarelos acreditam.
“Nós pensamos que o orçamento de 2019 deve ser modificado. E que, ou Macron deve se demitir, ou é preciso que haja uma dissolução da Assembleia Nacional e que agente vote pelo modo proporcional. As Pessoas não vão voltar casa. Nós, inclusive, acabamos de festejar o Ano Novo aqui mesmo.
É um movimento de revolta que vai derrubar alguma coisa. Nós só descansaremos quando nós obtivermos ganho de causa. As pessoas estão persuadidas que elas vencerão ao final. É preciso que se mude o sistema eleitoral.”
Laveder é como muitos que pensam que uma forma de revolução estaria em marcha. Durante o último sábado nós encontramos muitos manifestantes que comungavam deste mesmo sentimento de insurreição.
No início da tarde, por exemplo, nós testemunhamos a tentativa frustrada de um ativista, desarmado mas inflamado, que os brados suplicava aos policias da tropa de choque para que “retirassem os capacetes” e se juntassem ao “povo”. “Porque vocês atiram [bombas de gaz lacrimogêneo] contra nós? Nós somos franceses como vocês. Nós estamos lutando por vocês também. Como há 200 anos, como em 68. Nós estamos lutando pela revolução”, fez valer como argumento.
Esta determinação a permanecer nas ruas e manter a pressão parece evidente para o chefe do departamento do opinião do instituto de pesquisas IFOP de Paris. Jerôme Fourquet, em seguida aos anúncios do chefe do executivo, disse à radio France Info que a “politização” do movimento faz com que uma moratória parece aquém do que os diversos envolvidos com os Coletes Amarelos passaram a esperar.
No mínimo, explicou o cientista político, um número significativo vai desejar uma garantia da parte do governo de que a taxa detestada “seja realmente enterrada”. Quanto às outras reivindicações, pleiteadas por uns mas não por todos, como a dissolução da Assembleia, a demissão de Macron ou veleidades revolucionarias podem ser vistas como ao alcance das mãos por certos ativistas que “se sentiriam encorajados” por estas primeiras concessões que demostrariam que “a relação de forças lhes é vantajosa” no momento. “Porque não desafiar a sorte”, imagina que se diriam Fourquet.
Para o estudioso da opinião seria difícil de acreditar que “as águas voltariam facilmente ao leito”.
Confortando a analise à frio de Jerôme Fourquet, mais tarde, Benjamin Cauchy voltou à carga contra o governo explicando, fundamentalmente, que haveria “um tal nível de desconfiança” em relação as autoridades que impediria o movimento de acreditar na extinção definitiva da taxa sobre os combustíveis.
“Por que esperou um mês [para suspender a taxa]. Agora se tem uma cristalização de todas as revoltas. É necessário uma modificação de orientação política, a dissolução da Assembleia com novas eleições proporcionais”, explicou o membro do comitê de “construtivos”.
Como sugeriu o executivo do Ifop, o risco é que a ação do governo “desagrade à todos” custando em popularidade ao casal executivo Macron-Philippe sem render frutos em termos de pacificação do movimento que ganham contornos insurrecionais à cada semana que passa.
Emmanuel Macron em visita
Emmanuel Macron, no início da noite, fez visita surpresa à prefeitura departamental de Puy-en-Velay na região Auvergne-Rhône-Alpes. Este centro administrativo foi o alvo de Coletes Amarelos iracundos e truculentos que iniciaram incêndio contido pelo corpo de bombeiros local.
O chefe do Estado inspecionou os estragos e visitou membros das forças de ordem que atuaram durante a tentativa de saque no sábado passado.
DF de Paris