Notre Dame em Chamas – o que se sabe até agora

* Milhares de fiéis participam da”Via-Sacra” em  Paris. A procissão que comemora a Paixão de Cristo, impedida de alcançar as esplanada da catedral Notre-Dame de Paris devido a operação de proteção e reforço do monumento em parte devastado por um incêndio deflagrado no inicio da noite de segunda-feira (15 de abril), terminou seu périplo de fronte à ilha de la Cité.

* Se as operações de segurança ainda estão em curso e, devem continuar no final de semana, a operação de transferência de relíquias, peças litúrgicas e obras de arte que serviam de adereço à Catedral chegou à termo. O ministro da Cultura, Franck Riester anunciou nesta manhã (19 de abril) que “todas as obras de arte (…) estão em segurança”. Estas, em um primeiro momento, serão preservadas nos depósitos do museu do Louvre de Paris.

* Riester acrescentou que “os quadros no interior da catedral (…) estão em estado quase normal”. Mais uma boa notícia que traz alento após a agônia que o incidente trouxe à todos

* Em nota conjunta, o grupo de arquitetos em chefe de diversos monumentos nacionais anunciaram que será instalado “um grande guarda-chuva” sobre Notre-Dame afim de proteger o edifício das intempéries durante o período de reconstrução do telhado consumido pelas chamas

* Ao final da tarde, o palácio Élysée informou que Emmanuel Macron deverá se pronunciar sobre as conclusões do Grande Debate Nacional na próxima quinta-feira. Os anúncios que o chefe do Estado contava fazer na noite desta segunda-feira foram adiados sine die devido ao sinistro que vitimou a catedral

No inicio da chamada “Semana Santa” – período sagrado para cristãos e católicos e evocativo da paixão e da ressurreição do Cristo – um incêndio colocou as comemorações deste ano sob o signo da tragédia. A cristandade francesa mas também mundial, no incio da noite de segunda-feira (15 de abril), assistiu incrédula à labaredas que ardiam e pulverizavam o telhado da emblemática catedral Notre-Dame de Paris.

Este centro histórico mas também geográfico da França resistiu aos agitos e sobressaltos da historia por mais de 850 anos, desde o início das obras no século XII até a fatídica noite de abril de 2019 – passando por guerras, ocupações, revoluções e revoltas que não cessaram de acossar a Cidade Luz nestes 9 séculos de existência do monumento que 2 horas perdeu parte de um dos mais importantes exemplos da arquitetura gótica no mundo.

Apesar do significado religioso de um prédio, primeiramente, dedicado à oração e a contemplação da divindade cristã, Notre-Dame, que soube atravessar o tempo sem grandes cicatrizes, também foi o palco de eventos longínquos ou mais recentes que, por seu conteúdo secular, fizeram desta casa de preces um templo da nação.

Daí a onda de dor, emoção e tristeza que se abateu sobre sobre diversos estratos da sociedade francesa desde as primeiras horas do incêndio que decimou o telhado da catedral e junto com ele o pináculo ou flecha ornamental que reinava imponente desde o meio do século XIX e da chamada “floresta” (o sótão em madeira de carvalho datando dos século XII).

Imediatamente, a violência do fogo que, nos primeiros minutos e horas que se sucederam ao início do sinistro, parecia incontrolável, paralisou o país e interrompeu toda pretensão de seguir com a vida tal como ela havia sido prevista para este 15 de abril. A ameaça que pairava sobre o templo gótico que é um dos principais símbolos de Paris “meduseou”, sucessivamente, os cristão parisiense, todos os outros cidadãos da Capital e de seus arredores, turistas sempre em abundância, os franceses de todas as confissões ou sem nenhuma fé e, finalmente, o planeta.

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O fogo que ardeu nas ruas de Paris por diversos sábados desde novembro do ano passado obrigou Emmanuel Macron, presidente da república nestas paragens, e sua maioria pretoriana na Câmara baixa do Congresso à modificar planos, alterar leis e, mesmo, se abrir à escuta dos franceses. Este exercício, batizado pelo governo de Edouard Phillipe de Grande Debate Nacional – série de reuniões locais abertas ao público para receber queixas e recolher sugestões. Por trás deste exercício de escuta, o desejo do executivo de extinguir as chamas da discórdia que consomem o tecido social do país tem 5 meses.

Contudo, uma outra urgência ardente, cuja simbologia é claramente palpável mas de difícil delineação, impediu o chefe do Estado, à poucos minutos da hora programada, de apresentar as conclusões práticas retiradas dos três meses de escuta do Grande Debate Nacional e que Macron via como um possível extintor social. O risco de ver a “Catedral da França”, como a definiu o presidente mais tarde na noite de segunda-feira, transformada em escombros exigia os parenteses que se desenhou em torno da política partidária e ordinária.

Macron, no momento em que os 400 homens e mulheres do Corpo de Bombeiro de Paris (CBP) chamados à intervir lutavam para preservar a estrutura principal do prédio, em fronte à fachada ainda ameaçada garantiu que a catedral, disse eles, “nós iremos reconstruí-la”.

Nos entornos do templo, separados pelos mesmos cordões policiais que ainda hoje protegem o edifício flagelado, aos poucos, parisiense de todos os bairros e horizontes, habitantes da Grande Paris, turistas e fiéis habituais de Notre-Dame mas também da centena de paróquias da Capital se concentravam em vigília e preces. Nos rostos, era visível a dificuldade cognitiva e o desamparo de todos. Em bom português: Era claro que naquelas primeiras horas após o inicio do incêndio a “ficha não tinha caído”.

Lacrimas corriam dos olhos de muitos. Os mais afeitos à fé já procuravam consolo nas orações e nele encontravam a esperança de salvar o templo “indestrutível” e de reconstruir o que se tinha perdido até ali.

Também, em poucos minutos e horas, os celulares e tabletes e outros eletrônicos conectados à Internet foram inundados de imagens e breves de imprensa dando conta da inaudita notícia. A comoção se fez e viajou de volta à Capital na velocidade quase instantânea da Internet. Como em outros eventos similares recentemente, a comunidade global assistiu ao vivo, através das telas de cristal liquido, o telhado de Notre-Dame se transformar em cinzas sem que muito ou quase nada pudesse ser feito para impedir a perda de séculos de história da arquitetura.

Através das ondas de radio e televisão, autoridades religiosas e políticas comentavam em tempo real o inacreditável. De volta das ruas, em uma postagem urgente deixada na página de YAPMAG na plataforma social Facebook, nos resumimos assim o que vimos e sentimos nos arredores da île de la Cité:

“Todas as coisas terrenas são frágeis”. Assim procurou explicar o incêndio que consumiu dois terços do telhado da catedral Notre-Dame de Paris o monsenhor Éric de Moulins-Beaufort, bispo de Reims e presidente eleito da Conferência dos Bispos da França, poucos minutos após declarado o sinistro. Uma forma de dizer que, mesmo o que nos parece impensável é sempre possível

Esta noite pouco primaveril, de ar irrequieto em consequência de um vento escandinavo há dias soprando sobre a planície norte do país, colocou à todos face à um temor tão inefável que ele fora até então, ou sussurrado pelos responsável da manutenção do patrimônio francês, ou simplesmente esquivado e relegado aos recantos longínquos da consciência;  e face à uma pergunta que terá que ser respondia ao final as investigações que procuram esclarecer o incidente: Como é possível que Notre-Dame queime, sofra e seja degradada? Afinal, todas as estradas da França parte da porta da “Catedral da França”.

Procissão parisiense, nesta sexta-feira Santa, termina em vigília em frente à Notre-Dame foto: TW

* Ao final de uma semana, o que se sabe até agora?

O fogo teria iniciado por volta da 18h20 e declarado cerca de 20 minutos depois, quando a ordem de evacuar as cerca de 1.600 pessoas que ainda visitavam o interior da catedral foi dada.

Alias, como contamos aqui ontem à noite logo após o inicio do sinistro, de acordo com a britânica Izin, uma das testemunhas diretas do trabalho das equipes de segurança de Notre-Dame, a retirada dos visitantes e fiéis que chegavam para a celebração de uma missa na mesma hora se deu sem sobressaltos.

Além disse, uma família norte-americana que nossa reportagem encontrou durante esta semana, através de fotos que indicam dia e hora em que foram feitas, capturaram os primeiros sinais de fumaça no telhado. No documento, estava marcado 18h50, o que corrobora a versão do Ministério Público de Paris e do CBP.

Em coletiva, nesta quarta-feira (17 de fevereiro), o porta-voz do CBP explicou a imprensa que, devido ao forte vento e a dificuldade de acesso, rapidamente, os bombeiros encarregados de controlar o fogo avaliaram que nada mais podia ser feito para salvar o telhado e o sótão. Isso permitiu que os soldados do fogo se concentrassem na tarefa de impedir que o incêndio se propagasse e comprometesse de maneira irreversível a estrutura principal do monumento.

Uma ação que durou mais de  12 horas e que permitiu que 90% das relíquias e obras de arte da catedral fossem salvas das chamas bem como o prédio em sí. Com a ação vista como “heróica” por todas as principais autoridades do Estado e do Município mas também pelo chefe das polícias na França, Christophe Castaner, foi possível preservar os muros, arcadas e o teto em abóbada de Notre-Dame, o grande órgão (ainda que danificado) e as obras de arte que, agora, estão todas sob a guarda do museu do Louvre de Paris. Os quadros, de acordo como o ministro da Cultura, Franck Riester, apresentavam om estado “quase normal” e devem ser objeto de restauros pontuais.

Catedral de Notre-Dame, ontem (18 de abril) pela tarde – foto: P. de Paris

Desde segunda-feira um inquérito está em curso e procura estabelecer as circunstâncias que levaram ao incidente, que até o momento, é visto como acidental pelo Ministério Público de Paris (MPP), em cargo da investigação. Até agora, nenhuma das mais de 30 pessoas ouvidas pelas autoridades judiciárias do país foi apontada como autora de um ato de negligência que pudesse estar na origem das chamas.

A emissora por assinatura norte-americana CNN diz que uma fonte junto ao MPP teria revelado que um curto-circuíto poderia ter desencadeado o incêndio. Contudo, ainda não houve confirmação oficial desta hipótese de uma falha elétrica na altura dos andaimes da obra de restauro do pináculo, agora, transformado em cinzas.

Ainda que o inquérito esteja longe de apontar culpados uma empresa focaliza a atenção dos investigadores. A empreiteira, Le Bras Frères, especializada em reformas de monumentos, esteve implicada em um início de incêndio, em um outro canteiro de obras no leste da França. Um maçarico teria sido deixado aceso após o expediente.

Com mais de 900 milhões de euros recolhidos nos últimos dias, os fundos necessários para a reforma da Igreja estão assegurados. A generosidade, em especial das grandes fortunas francesa, causa polêmica. Leis no espírito da lei Rouanet estipulam generosos créditos fiscais para os benfeitores das artes e do patrimônio no país de Voltaire. Algo que não pegou bem junto à uma parte dos franceses em período de rebelião social do movimento dos Coletes Amarelos. Além do mais, associações humanitárias lamentam que a generosidade dos multi-milionários do país se restrinja ao mecenato e não beneficie também causas sociais urgentes como a luta dos sem-tetos por moradia,  ou contra a fome e a vida precária ou pelo fim dos afogamentos de migrantes nas águas do mediterrâneo.

Ainda assim, com os cofres cheios, o Estado e a fundação que se ocupa da manutenção da catedral Notre-Dame de Paris não devem ter problemas para financiar as obras. No entanto, o prazo de entrega da nova catedral também esta sujeito à uma outra polêmica. Se exprimindo na televisão, Emmanuel Macron, nesta terça-feira, declarou o desejo de ver o monumento reaberto em cinco anos – à tempo para os Jogos Olímpicos de Paris. No entanto, o mundo do patrimônio e da arquitetura na França diverge entre si e do chefe do Estado. Sobre a data final de entrega novas floresta e flecha de Notre-Dame as estimativas variam entre cinco e vinte anos de trabalhos de acordo as diferentes opiniões conhecidas até o momento.

De Paris, DF

 

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