Eleições parlamentares Europeias 2019 – Os partidos populistas em trajetória ascendente, dizem pesquisas. Um voto de vingança, dizem estudiosos.
O peso político dos diversos movimentos anti-sistêmicos e euro-céticos no contexto atual atingiu a massa crítica no Velho Continente e no mundo industrializado de um modo geral. As conquistas eleitorais dos últimos anos, especialmente alcançadas na última década, e a chegada ao poder em países como Italia, Polônia, Hungria ou Estados Unidos da America (EUA) de partidos e coalizões seguidamente definidas por observadores e comentaristas como “populistas” e “extremos” demonstraria que a ascensão destas forças seria inevitável.
há duas horas da abertura das urnas, YAPMAG oferece uma análise da conjuntura atual e do histórico recente que busca explicar a performance da extrema direita (ED) nesta eleição européia.
As eleições para o Parlamento Europeu (PE) de 2019 ocorrem nos 28 países membros da União Européia (UE) neste contexto particularmente instável. As idas e vindas do parlamento britânico que, inesperadamente, mais de dois anos após a vitoria surpreendente dos partidários do Brexit no referendo de 2016, não só levou à renúncia da primeira-ministra britânica Theresa May, mas foi incapaz de encontrar um acordo de saída entre o Reino Unido (RU) e UE, a crise migratória no Mediterrâneo, cujo pico foi atingido entre 2014 e 2015 com a chegada as portas da Europa de milhões de refugiados fugindo conflitos norte-africanos e do oriente médio e que continua produzindo desembarques e naufrágios fatais, a eclosão do movimento do Coletes Amarelos na França e a beligerância geral da sociedade em diversos países da União colocariam as chapas populistas em posição de favoritismo.
Uma análise das últimas pesquisas de opinião publicadas em diversos países do Velho Mundo parecem confirmar este desfecho inexorável para o pleito europeu deste domingo (26 de maio). Um avanço histórico dos partidos de extrema direita nacionalistas, xenófobas, ultra-conservadoras, identitárias, populistas, euro-céticas ou euro-fóbicas. Não necessariamente nesta ordem ou com todas estas tendências presentes ao mesmo tempo.
Na França, o antigo Front National de Marine Le Pen, re-empacotado sob a nova marca (rassemblement National (RN) – União Nacional em Português) disputa cabeça à cabeça com a chapa do partido presidencial La République en Marche (Lrem) encabeçada pela ex-ministra para os Assuntos Europeus Nathalie Loiseau. Como a eleição é proporcional e nacional, a vitória do RN daria a este partido, fundado em 1973 sob os escombros da ED revolucionária, anarquista, anti-comunista e terrorista (OAS), uma bancada européia numerosa e recorde na história deste movimento extremista.
O partido, hoje, vive o que a geração da filha Le Pen chama de “dediabolização”. Uma tentativa de desenclave sem, no entanto, por anti-sistêmico e revanchista, encontrar uma solução retórica que os empurre para os braços da direita dura mas ainda considerada como republicana dirigida pelo conservador Laurent Vauquiez do partido Les Republicans (LR). Marine Le Pen, que segundo o consenso dos comentaristas locais, perdeu o debate presidencial do segundo turno em 2017 contra o atual presidente Emmanuel Macron devido ao programa exclusivamente calcado em uma euro-fobia “último-termista”, não fala mais em Frexit – versão francesa do Brexit – nem em abandono do Euro e retorno ao Franco ou em período de transição lastrado em “écues” – num plano visto com ceticismo mesmo pelos eleitores RN.
No entanto, a xenofobia, a islamofobia, a aversão ao dito “multi-culturalismo” e o nacionalismo nostálgico, idenditário e revanchista continuam sendo uma marca de fábrica deste movimento. Seu aliado mais próximo no continente é o partido com passado neo-fascista da lega. Formação nascida no norte, que na sua origem tinha uma plataforma separatista e regionalista (criado em Milão, capital econômica da Italia e do Piemonte) mas que soube se reconciliar com o eleitorado conservador do sul italiano, esgotado pelos efeitos imediatos da crise migratória de 2014/2015, e assim se nacionalizar. O líder deste movimento, Matteo Salvini, atual ministro do Interior em coalizão com o populismo anti-sistêmico do movimento 5 Estrelas, teve sua primeira experiência institucional como vereador de Milão onde alcançou uma vaga no conselho em 1993 e onde passou 20 anos. Em um documentário de 2018, realizado para a rede de televisão francesa France 2, um colega de legislatura descreveu o percurso parlamentar do atual chefe das polícias italianas como apagado. Em duas décadas, explica Basilio Rizzo, um eleito de esquerda sem partido com 36 anos de experiência na câmara, Salvini nunca apresentou um projeto de lei que envolvesse os assuntos milaneses. Hoje, um tribuno idolatrado pelos seus eleitores, de acordo com o ex-colega de esquerda, Salvini passou os primeiros anos “calado”. Ele teria aproveita este começo “para afiar as garras e aprender”. Com o passar dos anos, conta Rizzo, o regionalista identitário e anti-imigração ocupou seu tempo fora do parlamento municipal. “Ele tinha o recorde de faltas. Ele chega, se senta 5 minutos, se mostra, fala com os jornalistas e depois parte”, descreve o decano vereador.
Como Marine Le Pen, ele passou a ter uma audiência nacional que coincide com as revelações de corrupção endêmica que levaram a queda de Silvio Berlusconi da Presidência do Conselho de ministros e subsequente condenação penal que o tornou inelegível até a reversão desta pena, das políticas de arroxo fiscal e social impostas pela UE e postas em prática por todos os governos que sucederam à Berlusconi e que coincidiram com a crise da moeda européia desencadeada pelo crash de 2008 e, mais agudamente, como uma consequência da crise migratória que fez das costas da península particularmente expostas o porto de chegada principal aos milhões de desembarques de embarcações vindas do outro lado do Mediterrâneo no alto da crise.
Alias, em violação ao direito internacional, o ministro Salvini “fechou” os portos italianos aos migrantes resgatados no mar. Uma atitude criticada pelas ONGs humanitárias mas que parece ter beneficiado o líder extremista que nunca antes gozou de tamanha popularidade – cerca de 30%, de acordo com diversas pesquisas.
Salvini e Le Pen, que juntos poderão contar com uma bancada de até 50 euro-deputados, no entanto, terão dificuldades de encontrar outros aliados de mesmo peso além do partido com origens neo-nazistas austríaco FPÖ – um outro antigo parceiro dos Le Pen e também da ED italiana ao longo dos últimos 40 anos. Isso porquê, o euro-ceticismo da ED na Europa busca objetivos diferentes no combate comum à “burocracia de Bruxelas”, vista como uma ditadura pelos críticos nacionalistas. O Partido do Brexit, nova formação euro-fóbica encabeçada por Nigel Farage e que, segundo as pesquisas de opinião, deve chegar na frente no RU, tem como único objetivo utilizar o pleito europeu como um instrumento de pressão afim de garantir uma saída sem acordo da UE, justamente.
Além do mais, historicamente, Nigel Farage, busca se demarcar da ED francesa, italiana e austríaca. O ultra-nacionalista Farage se defende das suspeitas de racismo e xenofobia que repousam sobre ele através de uma postura hostil à alianças com formações cujo passado tem origem no neo-nazi-fascismo. No entanto, este líder da campanha pelo Brexit não fez economia no uso da retórica anti-imigração – em especial, posando para fotos em frente à um outdoor móvel, durante a campanha vitoriosa de 2016, composto de uma foto repleta de refugiado em fila indiana na Eslováquia em 2015, à milhares quilômetros de distância da ilha britânica.
Na Hungria, o Jobbik, Euro-fóbico e racista, não é bem vindo à aliança dos nacionalistas no Parlamento Europeu nem por Le Pen, ou por Salvini e tampouco pelos dirigentes do FPÖ. No entanto, o xenófobo e iliberal Viktor Orbán, primeiro ministro da Húngria, ainda que hostilizado no seio do grupo de centro direita do Parlamento Europeu (PPE) do qual ainda faz parte, persegue uma estratégia liberal economicamente que o impede de assentar seus correligionários na mesma bancada que os partidos do triunvirato franco-italo-autríaco. Sobretudo, como a ED no poder na polônia, eles criticam a UE pela interferência vista como “indevida” nas decisões de política interna dos países membros, mas beneficiam da doutrina de livre comércio e da livre circulação de bens no interior do espaço comum europeu. Por razões econômica, o leste europeu, dominado por formações nacionalistas, iliberais e ultra-conservadoras, diferentemente da ED italiana, francesa e, em particular, inglesa, não desejam abandonar a UE e a moeda única.
O que é certo, é que desta vez, e mais que nunca antes, o populismo de ED europeu promete, no mínimo, bloquear a política européia no seio do poder legislativo da União tão detestada. O sucesso previsto pelas pesquisas de opinião nesta reta final de campanha, entretanto, não é fruto unicamente das crises econômicas, socais e migratórias dos últimos anos, mas, se confirmado neste domingo, é mais um sintoma das transformações pelas quais o hemisfério norte atravessou desde os anos 80.
Desindustrialização e perda de capital cultural
Em 2017, ao fim da apuração dos votos do segundo turno das eleições parlamentares francesa, na esteira da campanha presidencial que elegeu Emmanuel Macron – primeiro presidente centrista desde os anos 70 – a esquerda comunista e socialista nos dois departamentos do norte na França foi aniquilada. Uma derrota simbólica, posto que o eixo Lille-Calais é um dos berços da esquerda proletária no país. O sindicalismo mineiro e industrial, calcado no comunismo e o municipalismo socialista fizeram dos departamentos do Nord e do Pas-de-Calais uma praça-forte da esquerda.
A bancada de esquerda reduzida à 2 parlamentares e, sobretudo, a conquista de 4 assentos na Assembléia Nacional pelo RN na região, representaram um cataclisma político e o sinal do fim de uma época. Nossa reportagem, logo após o pleito que demoliu os partidos de esquerda no Nord/Pas-de-Calais, em uma série de reportagens, procurou entender o fenômeno, impensável, há apensa 5 anos.
Na reportagem de 13 de julho de 2017, a agência YAP, aponta a desindustrialização em larga escala nos dois departamentos austrais da França, como um fator de desestabilização da relação de forças políticas neste bastião da esquerda:
“Como escreveu o professor de historia na Universidade Regional da Costa de Opala, no norte da França, Laurent Warlouzet, em uma publicação coletiva que trata da historia política do Nord-Pas de Calais, ‘O Norte da França esteve em uma situação paradoxal durante os Trinta Gloriosos, estes anos de crescimento rápido (4% à 5% do PIB de média anual) de baixo desemprego que duraria de 1944 à 1974. Grande potência industrial, à região esteve no centro da reconstrução imediatamente após o final da IIª Guerra. Cerca de 15 anos mais tarde, no entanto, os setores na base da prosperidade regional, desde o século XIX, vacilam, o que motiva a implementação de uma política de reconversão (econômica e profissional) desde os anos 1960’.
(…) Não só a mina, que emprega 50 por cento dos trabalhadores industriais em 1962, mas o setor têxtil, a siderurgia pesada, a construção naval e o agro-alimentar completam o dispositivo. Um testemunho da diversificação econômica de uma região que soube tirar grande proveito dos “Trinta Gloriosos”.
Esta época, vista hoje como idílica por aqueles que a conheceram, durante o apogeu, fez do Nord-Pas de Calais o segundo centro econômico da nação. Nos anos Cinquenta, os departamentos da “Bacia Mineira” ou do Carvão foram responsáveis por até 9,1% do produto interno bruto. Apenas atrás, à época, dos cerca de 24% de participação no PIB do departamento de Île-de-France onde se localiza à capital, Paris.
(…) O pleno emprego, um regime social e salarial vantajosos e acima da média nacional e uma identidade, e até mesmo um orgulho, de classe – elementos estruturais que construíram o equilíbrio e a estabilidade na política local por mais de cinquenta anos de domínio socialista e comunista do Nord-Pas de Calais.”
Isso tudo foi sendo paulatinamente desmantelado desde os anos 90. Não por acaso, também gradualmente, o apoio indefectível de uma base eleitoral popular e proletária foi se erodindo, dando lugar à apatia da abstenção ou a radicalidade do nacionalismo com tintas nostálgicas de uma ED revigorada pelo desemprego de massa do início dos anos 90.
O cientista político Thomas Guénolé também vê na desindustrialização um fator de desagregação do voto operário em países como França. Guénolé, que é autor de extensa bibliografia sobre a sociologia eleitoral e história do pensamento político, é um ex-professor de Science-Po que, por um curto período, foi candidato à eleição europeia na lista do partido da esquerda radical de Jean-Luc Mélénchon La France Insoumise (LFI). Ele bateu à porta em meio à um conflito interno permeado por mutuas acusações e por denúncias caluniosas no melhor estilo do stalinismo triunfante dos anos 50.
Nesta reta final, o ex-militante se ocupa de seus dois próximos livros e responde a questões da imprensa sobre os assuntos correntes. Como Thomas Guénolé ainda esta envolvido em um contencioso com seu antigo partido, ele prefere não contra-atacar publicamente. Ele apenas frisa que, por muito tempo, ele, ciosamente, evitou à critica “à falta de democracia interna no seio de um partido que diz lutar por mais democracia” no âmbito nacional e europeu. Isto porque, “sem lealdade partidária não há possibilidade de um trabalho coletivo”.
Livre das amarras partidária, Guénolé vê na desindustrialização da Europa do carvão e do aço um fator preponderante da crise política atual. Como o historiador Laurent Warlouzet, o cientista político classifica a condição do mundo operário dos “Trinta Gloriosos” como um período de conquistas e fonte de identidade coletiva e de orgulho de classe.
O desaparecimento da indústria pesada, não só trouxe de volta o desemprego de massa, mas desagregou uma comunidade que teria perdido o sentido coletivo. Isso, na opinião do ex-candidato, define o voto popular da última década. “Eles [o eleitor popular] não tem mais [um sentimento] de orgulho operário conquistador do eleitorado proletário comunista dos anos 50 (…) No caso atual, nós encontramos um discurso de si, de justificativa do voto que é uma narrativa de derrotado. Um voto de um derrotado que quer se vingar”, analisa.
Para o especialista, isto mostraria também que o voto na ED não é uma fatalidade porque, conforme pensa, este eleitorado “poderia ser mobilizado por uma outra oferta política”. Para ele, esta nova força deveria ser o movimento do Coletes Amarelos (CAs). “Se, de fato, os CAs se transformem em uma força política organizada”. Guénolé adverte a classe política e os governantes franceses e europeus: “Eu acho que o movimento dos Coletes Amarelos é a última chance antes do triunfo da ED” no continente.
Thomas Guénolé, há quase uma década, identificou uma das consequências da pauperização da classe trabalhadora e que hoje salta aos olho. O fenômeno de “quadri-partidarização” como ele chama. Em um eixo da política atual existem os eleitores que são, em uma ponta, anti-globalização, e na outra, pela globalização da economia. Em um eixo vertical, em uma ponta se situam os eleitores contra o liberalismo político e contra a imigração e, na outra ponta, os que são pelo liberalismo e à favor da imigração. Guénolé vê o eleitor dos antigos bastiões da esquerda popular no interior do quadrante dos que são contra a globalização e contra o liberalismo e a contra a imigração.
Entretanto, o intelectual não pensa que o racismo ou o autoritarismo estejam motivando este posicionamento. Para ele, como no caso do Movimento 5 Estrelas italiano, que hoje governa com a ED da Lega, o antigo proletariado industrial “evacuou” as questões atinentes a defesa das minorias, o que permite à partidos ED de “atrair eleitores de todos os lados [em favor] de uma frente comum anti-globalização”. Uma outra consequência mais nefasta, na visão do cientista político, é que esta prioridade política contra a globalização abriria “a possibilidade de se aliar com quem quer que seja. E não digo que se deva, mas eu digo que e torna possível”, ensina o universitário.
A austeridade fiscal e social aplicada em diversos países do continente em diferentes períodos é um outro fator de revolta contra as políticas neo-liberais trazidas pela globalização. Diversos estudos pelo continente tem colocado em evidência a inédita concentração de renda e o consequente crescimento da desigualdade social nas grandes nações industriais.
Mas o que é paradoxal na hostilidade que o eleitorado popular desenvolveu em relação a União Européia e que, em parte, tem alimentado os movimentos e partidos populistas, é que, se as políticas de austeridade empobrecem a população mais vulnerável, a dissolução ou o abandono da UE de um ou mais países acentuaria estes efeitos negativos do arroxo fiscal junto aos mais pobres.
Os exemplos, no caso britânico, são pletora. O resultado do referendo em favor da saída do RU na União Européia, segundo a socióloga etnográfica Lisa McKenzie, que em muitos casos foi possível graças ao voto da classe trabalhadora depauperada das antigas bacias industrias, teria, segundo a pesquisadora, trazido de volta à superfície o preconceito de classe no reino de Elisabeth IIª.
Em um artigo publicado na revista The British Journal of Sociology no ano passado, ela critica a narrativa que se espalhou pela imprensa em favor da permanência e entre a classe média citadina do RU, segundo à qual a classe trabalhadora pró-Brexit seria “incapaz” de compreender as implicações da questão em torno da participação do RU na União Européia ou teria escolhido a porta de saída motivada pelo racismo.
No estudo, McKenzie sita um colega inglês da era vitoriana, Charles Booth, que nos entornos do anos 1880, teria distinguido entre as classes populares do seu tempo “o que ele considerou a ‘classe trabalhadora respeitável’ e o ‘residuum’. Mais adiante, a pesquisadora explica que, para Booth, “os primeiros formam uma classe engenhosa e capaz de participar da política, e o ‘residuum’ [constituiriam] um problema social que não representaria nenhuma ameaça à sociedade de um modo geral”.
Para fundamentar o trabalho, a doutora Lisa McKenzie entrevistou eleitores populares do norte inglês – uma região análoga ao Nord-Pas-de-Calais na França e onde o minério de carvão foi o motor da prosperidade operária por mais de um século. Em particular, nos distritos eleitorais de Nottinghamshire, onde a socióloga nasceu e trabalhou como operária na industria têxtil e que também não sobreviveu à desindustrialização.
Durante as pesquisas de campo, dirigindo pelas estradas da região e atravessando cidades e bairros isolados dos grandes centros e vitimizados pelo desemprego de massa, McKenzie, em recente seminário, explicou que a devastação causada pela desindustrialização “assombraria” a população local. A memória de tempos prósperos os levaria à um estado de “melancolia”, pensa a socióloga. “O que os faz nostálgicos de um passado onde o imperialismo britânico os beneficiava” e onde eles estariam incluídos.
Nos últimos trinta anos, acredita Lisa Mckenzie, o “Isolamento geográfico, social e cultural” , o medo “de um futuro sem perspectivas e insuportável” fez com que “as conexões entre espaço, local e desigualdade social tenha se tornado central para a compreensão da raiva, da dor, e do modo aparentemente casual com que a classe trabalhadora através do Reino Unido parece ter votado contra o seu interesse próprio”, explica, em seu artigo, a estudiosa.
Ela ainda contesta a caracterização prevalente, ainda que empática, que, como grupo, vê a classe trabalhadora que votou “Leave” como os “deixados para trás” pelos vencedores do capitalismo globalizado, ou, da “globalização infeliz”, como define Thomas Guénolé. Para ela, dizer que estes trabalhadores depauperados “ficaram pra trás” infere que eles seriam “incapazes” de competir com seus concidadão que hoje beneficiam da globalização.
Lisa McKenzie prefere vê-los como cidadãos de uma classe “deixada de lado” pela estrutura de poder e pelo capitalismo globalizado. Este sentimento de invisibilidade, de “não contar, de não ter valor”, é a mola de um voto em favor do Brexit que, de acordo com o consenso entre analistas da esquerda à direita do espectro político, vai piorar ainda mais a condição de vida dos “deixados de lado” da sociedade britânica atual.
Ainda sobre este pondo da identidade e do sentimento de orgulho perdido, a universitária escreve no artigo de 2017 que, estas transformações sociais produzidas pela desindustrialização e pela globalização foram tão profundas que “se pode argumentar que, aqueles que se viam como parte ‘da classe trabalhadora respeitável’ são hoje o ‘residuum'”, da definição de Charles Booth.
“Independentemente do fato de terem ou não votado no referendo”, conclui Mckenzie, “o grunhido [dos eleitores da classe trabalhadora britânica] foi ouvido em Westminster [sede do Parlamento do Reino Unido] – revelando os níveis de dor e de ferimento daqueles que foram deixados de fora dos sucessos e recompensas que o capitalismo criou para a classe média cosmopolita em partes do RU. Eles estragaram a festa para à qual eles não foram convidados”.
E o bloqueio político, que divide e paralisa à esquerda e a direita britânica ao ponto de obrigar o país à voltar às urnas nesta semana para escolher deputados e enviá-los à uma assembléia que 52% dos britânicos escolheram abandonar impede que a classe trabalhadora “invisibilizada” pela desindustrialização e o isolamento social e político desapareçam novamente do jogo.
Em resumo: O cenário não é otimista. Uma ascensão, como esperado, das forças populistas, traria ao Parlamento Europeu o mesmo tipo de paralisia que tem impedido o RU de votar um acordo e deixar a UE. Andrea Kendall-Taylor e Alina Polyakova, duas especialistas de geo-política radicadas no EUA, nesta semana, em artigo publicado pelo Washington Post, vêem no crescimento das bancadas euro-céticas um fator de imobilismo como o que o parlamento norte-americano tem conhecido.
Como Lisa McKenzie, Thomas Guénolé e a média das opiniões de comentaristas e acadêmicos, as duas estudiosas identificam no crash das bolsas em 2008 e nas crises do Euro e de refugiados de 2014/2015 fatores determinantes para na ascensão da ED populista. Algo que leva à uma fragmentação destrutiva, na opinião de Kendall-Taylor e de Polyakova.
“Democracias são, propositalmente, competitivas e bagunçadas. Mas, o tipo de fragmentação política em marcha na Europa de hoje esta expandindo as fronteiras do que pode ser considerado como um debate útil e deliberativo. Conforme os eleitores se tornam frustrados com a ‘falta de resultados’, eles irão olhar para os modelos de homens fortes ‘mais efetivos’, encarnados pela China e pela Rússia. E, conforme a competição entre democracia e autoritarismo intensifica, as democracias devem ser capazes de produzir resultado. Infelizmente, a fragmentação propelida pelo populismo tornará a tarefa mais difícil”, Advertem as autoras.
“A única questão que se coloca [ no que tange à futura composição do Parlamento Europeu] é de saber se as forças de centro-esquerda e centro-direita pró-globalização serão majoritárias face à ED”, afirma Thomas Guénolé. Neste caso, acredita o estudioso, “uma coalizão do tipo ‘no pasaran’ se formaria e tudo continuaria como antes”. Caso contrário, [ED majoritária] pensa ele, isso significaria “um nível superior de incêndio e uma ruptura política” com as orientações atuais. No entanto, Guénolé não vê possibilidade de uma maioria de ED e supõe que “no piloto automático” a UE deverá perseguir as mesmas políticas orçamentarias, fiscais e sociais “sem grandes dificuldade”.
De paris DF