Braço de ferro continua entre governo e grevistas, nos transportes, nas ruas, contra a reforma do regime de aposentadorias na França
- Cerca de meio milhão nas ruas contra a reforma do regime de aposentadorias em fase de gestação pelo governo de Édouard Philippe. Em escala nacional, de acordo com o ministério do Interior, os grevistas teriam sido 340 mil. Já os sindicatos falam em 900 mil.
- Transportes públicos paralisados ou com a circulação fortemente perturbada em mais um dia de caos em Paris e de grandes dificuldades de deslocamento em toda a França. Esta quarta-feira não deve ser diferente, dizem estatais.
- Philippe deve revelar a integralidade do projeto de reforma, amanhã, diante do Conselho Econômico, Social e Ambiental. O premiê avisa que não haverá “medidas mágicas” e faz segredo sobre os últimos detalhes.
- Para sindicatos, apenas a renúncia à reforma poderá por fim ao conflito social que já dura seis dias. Intersindical confirma decisão de organizar mais duas jornadas de greve (12 e 17 de dezembro).
Nova demonstração de força dos movimentos sociais franceses que se mobilizam, desde o dia 5 de dezembro, contra a reforma do regime de aposentadorias do país. De acordo com a histórica central sindical de esquerda CGT, às 17 horas de Paris, cerca de 900 mil manifestantes teriam desfilado em todo o país. A jornada nacional de hoje teve uma baixa moderada de participação. Na semana passada, na mesma hora, a contagem dos organizadores anunciava um milhão e meio de grevistas nas ruas . Na tradicional batalha estatística o ministério do Interior informou que, em nível nacional, as passeatas não teriam reunida mais que 340 mil.
No entanto, a Intersindical por trás do movimento atual comemora “o sucesso” deste dia nacional de protestos. O secretário geral da CGT, Philippe Martinez, no inicio da tarde, lembrou que, apesar de satisfeito com a participação desta terça-feira (10 de dezembro), o sucesso da carga contra o governo dependerá, não somente da mobilização dos opositores à reforma mas, sobretudo, da determinação de grevistas em setores chave para o quotidiano dos franceses e para a economia do país.
Uma categoria particularmente decisiva é a categoria de ferroviários e metroviário. Como em 1995, os trabalhadores da estatal ferroviária SNCF e da RATP, que administra o metrô e as demais modalidades do transporte público da Capital francesa, apostam na paralisia dos transportes como principal arma contra os planos governamentais. A prova é que neste 6º dia de greve ainda era extremamente complicado de se deslocar de casa para o trabalho na França – em particular na Capital onde em 10 linhas de metrô nenhum trem circulou e onde ônibus, bondes e trens interurbanos tiveram a atividade fortemente perturbada.
Na véspera da apresentação do projeto final da reforça do regime de aposentadorias no Conselho Econômico, Social e Ambiental – o chamado “Senadinho” francês – a intersindical profissional e estudantil pretendo manter a pressão para obter satisfação: a retirada pura e simples do projeto.
Isso quer dizer que esta terça-feira pode ser determinante para o futuro da reforma. O que esta em jogo é a capacidade do governo dirigido pelo primeiro ministro Édouard Philippe de realizar as reformas profundas prometidas pelo presidente da República, Emmanuel Macron, durante a campanha vitoriosa de 2017 que o levou ao palácio Élysée.
Mas também esta em jogo a capacidade dos movimentos sociais de obterem vitorias e mesmo avanços pela via das ruas. Nas semanas que antecederam a greve geral iniciada no último dia 05 de dezembro, nos bares e cafés, nas universidades, escolas e sindicatos, bem como na imprensa local, a memória das três semanas de greve dos transportes do setor público que levou à cabo a reforma das aposentadorias desejada pelo então primeiro ministro e mentor de Philippe, Alain Juppé, era evocada, tanto como um exemplo de esperança como uma advertência à todos.
A última derrota governamental data de 2006. Um milhão de pessoas, somente em Paris, contra o Contrato Primeiro Emprego (CPE) – projeto de reforma do vínculo empregatício para os jovens ingressando no mercado de trabalho – obrigaram o jovial primeiro ministro Dominique de Villepin à derrogar a lei que aprovara no Congresso. O recuo forçado enterrou o CPE e as chances presidenciais do chefe do governo da época. De lá para cá, a luta social através de passeatas, piquetes e greves com o objetivo de atravancar a economia do país, nada obtiveram de expressivo dos sucessivos governos, de direita como de esquerda, que reformaram regras de aposentadoria, de organização do ensino universitário, trabalhistas e mesmo de costumes, dando de ombros para os sindicatos, associações e seus aderentes.
Com tudo isso em consideração, de lado à lado, o momento é de fincar o pé e flexionar os músculos. Face à mais uma jornada de protestos bem sucedida – com a adesão dos médicos residentes, metalúrgicos do setor automotivo e policiais civis que anunciaram paralisação pela manhã desta quarta-feira – o primeiro ministro disparou: “não esperem medidas mágicas” para a amanhã que possam por um fim imediato ao conflito social em desenvolvimento.
Alias, de acordo com fontes parlamentares, ouvidas pela radio France Info, os deputados da maioria macronista, La République en Marche (Lrem), sugerem que o discurso do premiê terá que ser “perfeito”, visto que a reforma ainda é impopular e que a greve começa a se mostrar duradoura.
Mesmo se o jovem primeiro ministro tem sido categórico quanto irrevogabilidade do principio geral da reforma – criação de um regime universal de aposentadoria e a consequente extinção dos fundos especiais de pensão – Philippe sabe que terá que fazer concessões que o reaproximem da primeira central sindica do país – a reformista CFDT que tem se mantido neutra – se não quiser ter um destino similar ao de Alain Juppé ou Dominique de Villepin. Se os planos finais e o tom do discurso de amanhã no estiverem bem calibrados, o risco de intensificação do movimento de contestação pode aumentar significativamente. Com eventual envolvimento do setor privado em maior número ou dos estudantes que poderiam optar pelo bloqueio de liceus e universidades.
Do lado sindical, pelo menos na retórica, o plano é levar o governo à por fim a tramitação do projeto da Assembléia Nacional. Oficialmente, nem negociação, nem emenda. Além de demonstrar firmeza de propósito, a central de esquerda CGT defendeu a realização de mais dois dias de greve geral (12 e 17 de dezembro) junto à Intersindical que dirige o movimento e que reúne a terceira central nacional FO, a FSU e outras entidades estudantis. O colegiado confirmou esta decisão no inicio da noite (horário local). Mas se hoje a determinação parece total, se amanhã os “cheminots” tiverem seus direitos adquiridos preservados, a unidade será mantida?
O jovem ferroviário Damien, que trabalha na manutenção pneumática dos trens bala (TGV) da frota SNCF se diz determinado. Ele prefere que a reforma seja barrada. Contudo, o funcionário nos disse que vai escutar o primeiro ministro com atenção. “O que eu espero do governo é um futuro digno, com uma situação igual a que já temos ou mesmo melhor”. Vale lembrar que, se tradicionalmente os funcionários públicos dos trilhos constituam fundos de greve, o acúmulo de dias parados acarreta perda salarial inevitável.
Neste sentido, o representante sindical da CFDT entre os ferroviários (minoritário), Didier Aubert, declarou ao jornal Le Monde no final da noite de terça-feira (10 de Dezembro) que a agremiação reformista poderia “por fim imediato” à greve na SNCF se o governo anunciasse a adoção da “cláusula do avô”. Por esta regra, somente os futuros empregados da estatal dos trilhos passariam para o regime universal preservando o direito adquirido dos atuais “cheminots”.
No entanto, o sindicalista advertiu Édouard Philippe, nas páginas do quotidiano de referencia da França, quanto a possibilidade de agravamento do conflito, no caso em que os ferroviários não se sintam contemplados pelos planos do governo. “Atenção”, exclama Aubert, “nós estamos chegando à um momento – ao final de seis, oito dias de conflito – em que as pessoas já perderam [dinheiro] demais para [aceitar] retornar ao trabalho por nada ou quase nada. Eu vivi [ a greve de] 1995 e eu vi chegar este momento de virada quando a greve ganha uma dimensão que pode se tornar irracional”, conclui o ferroviário.
Já Frank, profissional de sinalização da SNCF e sindicalizado CGT, diz que ainda que o governo desista de extinguir o fundo especial de pensões dos ferroviários, enquanto a reforma continuar sobre a mesa, vai “continuar em greve pelos [seus] filhos, futuros colegas e pelos trabalhadores do [setor] privado”, promete.
O que é certo é que, desde o final da tarde, as direções da SNCF e da RATP anunciavam mais um dia extremamente complicado para os franceses e, em especial, para os parisienses. De acordo com as duas estatais, a situação do 7º dia de greve dos transportes na França deve ser similar à de hoje, quer dizer: paralisia nas linhas e engarrafamentos quilométricos nas grandes aglomerações urbanas do país.
* Este artigo foi modificado após fechamento para incluir a posição da CFDT na véspera da apresentação do projeto de reforma pelo governo e na ante-véspera de nova jornada interprofissional contra a reforma das aposentadorias.
DF de Paris