Decisão judicial conforta posição de associações humanitárias em favor de maior alívio à migrantes de Calais

O Conselho de Estado da França – órgão análogo ao Superior Tribunal Federal no Brasil – decidiu, segunda-feira 31 de julho, contra o recurso impetrado pelo ministério do Interior e pela prefeitura municipal de Calais, no norte do país, que contestava a legalidade de um decreto do Tribunal Administrativo de Lille que impôs, em 25 de junho, às autoridades públicas a instalação de postos de água, sanitários e duchas destinadas ao alívio humanitário à migrantes que vivem nos entornos da maior cidade do departamento do Pas de Calais. O veredito, comemorado pelas associações que assistem aos exilados, faz renascer o medo de uma nova “Selva” no município que é o principal ponto de acesso francês ao Reino Unido.

Nove meses após a evacuação conduzida pelo governo da chamada “Selva de Calais” – conjunto de barracos insalubres onde, no ápice da concentração, foram acolhidos entre 6 mil e 10 mil refugiados – o novo ministro do Interior, Gérard Collomb, e a prefeita Les Républicains (LR) da cidade, Natalie Bouchard, desejam sobretudo evitar que novos pontos de fixação de migrantes ressurjam.

A chefe do executivo local, nesta terça-feira (01 de agosto), se mostrou intransigente e declarou que não obedecerá à ordem judicial voluntariamente. Bouchard ecoou o vice-prefeito Emmanuel Agius, que ontem, em reação à notícia da derrota jurídica, explicou à radio France Info que a prefeitura buscaria apoio do ministro do Interior para resistir à aplicação do decreto considerado legal pelo Conselho de Estado.

No entanto, de acordo com os diversos organismos humanitário presentes no local, cerca de meio milhar de migrantes vivem como sem tetos espalhados pela “lande” calaisiana. Uma situação causada pela conjunção de fatores típicos à esta cidade, como explicamos aqui (em francês) e aqui, e que transformaram Calais no principal ponto de atração àqueles que, uma vez dentro dentro da zona aduaneira comum Européia, tem a travessia do canal da mancha como objetivo final.

Apesar das condições sanitárias idênticas à semana passada, de acordos com fontes ligadas à movimentos pro-migrantes consultadas pela reportagem da Agência Você (YAP), durante os dois últimos dias, à tensão entre as forças de polícia e os trabalhadores sociais teria diminuído. Uma tentativa de compromisso visto à resistência face à decisão de justiça oferecida pela administração municipal. É a hipótese que formulam as mesmas fontes ouvidas por YAP neste final de tarde (01 de agosto).

Aumento da tensão desde o fechamento da “Selva” 

Contudo, a decisão jurídica, ao invés de apaziguar as relações entra as autoridades públicas e as associações de ajuda aos migrantes, corre o risco de levar à um aumento da tensão entre os envolvidos.

Isso porquê, com o fim da “Selva”, todas as ações de assistência aos refugiados que alcançaram recentemente à Costa de Opala, como é chamado o litoral calaisiano (extremo norte), de acordo com o relatório publicado na semana passada pela organização internacional Human Rights Watch (HRW), tem sido objeto de ostensiva intimidação por parte das forças de ordem presentes em número incomum – mais de mil polícias civis e militares –  para uma cidade francesa de 70 mil habitantes.

As restrições à distribuição de víveres, os constantes controles de identidade e confrontos físicos entre a polícia, migrantes e voluntários levaram HRW à descrever a situação como a de um “inferno permanente” para os refugiados em busca de atravessar o canal da Mancha e chegar ao solo inglês.

Os responsáveis pelo políciamento local contestam o relatório e asseguram que as tropas presentes em Calais agem “no mais estrito respeito da lei”.

Independentemente da veracidade de todas as acusações levantadas contra as forças policias, sem a intervenção do ministério do Interior, que comanda as tropas estacionadas na região, o nível de animosidade entre as autoridades e os organismos humanitários pode estar longe de diminuir, visto o comportamento insurreto da administração municipal face à sentença do Conselho de Estado.

Um problema inextricável

Desde o desfecho das guerras dos Balcãs, em fins dos anos 90, Calais, que é o mais próximo ponto de acesso à Inglaterra na Europa continental, é vista por exilados de todo os conflitos dos últimos 20 anos, como a melhor chance de driblar as autoridades aduaneiras francesas e inglesas que protegem as fronteiras internas destes dois países vizinhos separados pelo mar.

Uma realidade que o presidente de uma das principais associações locais, “Albergue dos Migrantes”, ouvido ontem por France Info, qualificou de “inextricável”.

Na opinião de Christian Salomé, “Enquanto houver guerras[no mundo], a Inglaterra em frente à Calais, uma fronteira fechada [aos migrantes] e pessoas com uma razão aceitável para ir [ao Reino Unido] não havera solução”. Para o líder da entidade humanitária as autoridades devem, “no mínimo”, garantir melhores condições sanitárias para que, “estas pessoas possam tomar banho”, continua Salomé, além de ter acesso livre à água potável.

Je pense qu’il faut trouver un équilibre. Nous sommes dans unie situation inextricable. La frontière anglaise est fermée et des centaines gens veulent à tout prix passer en Angleterre pour rejoindre leur famille. Résultat : ils arrivent sur Calais qui est le point de passage le plus évident. Là, ils essaient désespérément de passer. Le problème pour l’instant est d’essayer de trouver un équilibre afin d’éviter les traitements dégradants et inhumains, comme l’a dit le rapporteur du Conseil d’État. Il faut au moins laisser ces gens se laver et leur fournir de l’eau. Mais, ce n’est pas du tout une solution. C’est évident. Tant qu’il y aura des guerres, l’Angleterre en face de Calais, une frontière fermée, et des gens qui ont une raison valable d’y aller, la solution n’existe pas. Il faut simplement essayer de diminuer la souffrance de ces gens tant que l’on n’arrive pas à résoudre le problème.Christian Salomé, presidente da associação “Albergue dos Migrates” de Calais

“O problema, no momento, é o de encontrar um equilibro [entre o desejo das autoridades e a urgência humanitária vivida pelos refugiados] afim de evitar condutas [da parte du poder público] degradantes e desumanas “, conclui o presidente.

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