As ruas contra Emmanuel Macron: Um primeiro round sem vencedores
O primeiro confronto entre as ruas e o presidente Emmanuel Macron se soldou por uma meia vitória. Para uns, os cerca de 3O mil participantes presentes nas ruas de Paris, este 12 de setembro foi um primeiro cruzado disparado pelos movimentos sociais e de trabalhadores. Para outros, o afluxo moderado de manifestantes, tira o governo das cordas e deixa o primeiro ministro Édouard Philippe com as mãos livres para levar a reforma trabalhista a termo sem o temor de paralisar o pais como fora o caso em tentativas passadas.
Para o segundo round que se anuncia para o dia 23 de setembro o partido da “França não Submissa” de Jean-Luc Mélenchon promete dar a réplica ao chefe do Estado.
Em visita à Grécia e em uma coletiva oficial, na sexta-feira passada, o presidente da República Emmanuel Macron se disse resoluto e inflexível face as críticas de setores da oposição contra o projeto de reforma do Código do Trabalho que o chefe do Estado pretende adotar por decreto nas próximas semanas. Neste dia, uma frase lançada do púlpito soou como uma forma de insulto para muitos: “Minha determinação será absoluta e eu não cederei nada, nem aos preguiçosos, nem aos cínicos e nem aos extremistas”.
Nestes tempos de mídias sociais ultra reativas, as réplicas vindas da oposição não tardaram. “Quem são estes preguiçosos?”, de perguntava Jean-Luc Mélenchon, candidato mal sucedido à presidência e deputado líder da bancada de esquerda do partido da “França Não Submissa”. Sem rodeios, Mélenchon conclamou os “grosseiros, cínicos e preguiçosos” à participarem em grande número da primeira passeata de protesto contra as reformas trabalhistas anunciadas durante a recente campanha presidencial e caras ao primeiro magistrado da nação.
Pois bem, esta “derrapagem” verbal do locatário do palácio Élysée, há dias das manifestações convocadas pela principal central sindical do pais, a CGT, não pareceu de bom algúrio para os aliados da maioria parlamentar de Emmanuel Macron e do governo do Primeiro Ministro Édouard Philippe. Se temeu que a exploração pela oposição do adjetivo “preguiçosos”, utilizado pelo presidente para qualificar aqueles que se opõe as reformas, pudesse criar um maior fervor contra a ação governamental e mobilizar um número adicional de manifestantes nas ruas de Paris e da França neste 12 de setembro(ontem).
Apesar disso, o que se viu em Paris, foi uma participação ordinária para este tipo de evento. O Secretário Geral da GCT soou satisfeito estimando como um “sucesso” a jornada de manifestações. No palácio, sem Macron que visitava, no mesmo momento, as ilhas de Saint Martin e Saint Barthélémy massacradas pelo furacão Irma, a calma reinava.
O Porta voz da presidência, Bruno Roger-Petit, notara, nesta quarta-feira dia 13, que a CGT teria desfilado “sozinha e abandonada” pelas outras centrais sindicais do país. Acompanhada apenas na opinião de Roger-Petit, “da ‘França Não Submissa’ fiel a sua estratégia de conflito permanente”. Para ele, face à estes contendores, “houve uma eleição presidencial, [o transcurso de] um processo legislativo, um programa e uma lei aprovada pelo Conselho Constitucional [em referência a lei aprovada, no verão, pelo parlamento autorizando o governo a reformar por decreto] “, avaliou o jornalista responsável pela comunicação da Presidência.
No entanto, o tom satisfeito – para não dizer triunfante – do porta voz expôs o alivio que sentiram aqueles que temiam, e ainda temem, que as ruas, como no passado, impeçam que as reformas preconizadas pelo chefe do Estado se realizem.
De fato, na historia dos movimentos socias na França, as manisfestações de rua, muitas vezes, obrigaram governos com ímpetos reformistas e grandes maiorias parlamentares – o que é exatamente o caso do atual governo dirigido por Édouard Philippe – a retirar projetos de lei que buscavam liberalizar o mercado do trabalho do país.
É o que espera o presidente do grupo Comunista na Assembléia Nacional André Chassaigne. O deputado do Puy-du-Dôme, presente a passeata, mesmo sem demonstrar decepção quanto ou número de participantes, se disse confiante na capacidade da oposição das ruas de vergar a determinação do atual governo.
Como em outros episódios – a greve geral de 1995 contra as reformas do governo de Alain Juppé ou o milhão de estudantes nas ruas de Paris em 2006 contra a lei do chamado Contrato Primeiro Emprego ou CPE defendido pelo então primeiro ministro Dominique de Villepin – Chassaigne acredita que a insistência dos partidos contrários na denúncia do atual projeto levará à um “maior esclarecimento” da opinião pública quanto aos efeitos possíveis da reforma.
“Nas grandes épocas de nossa história, o que ficou demonstrado é que uma manifestação se amplifica pouco à pouco” conclui, otimista, o parlamentar.
O mesmo otimismo não é dividido por outros militantes. A manifestante ecologista Martine, récem aposentada, diz não compreender porquê a passeata não conheceu um maior afluxo. “Não há muita gente. Eu tenho muito medo que isso leve à aprovação da reforma”
Para ela as pessoas ainda “não sentiram os efeitos [potências] na suas vidas”. Uma forma de explicar o que ela considera como uma “apatia” da população.
Mas do que deveriam ter medo os trabalhadores francesas? Jonas, pedreiro e líder trabalhista, presente no cortejo desta terça-feira, resumiu assim: “Mais uma vez [o país] se dirige à mais liberalismo, à degradação das condições de trabalho… ao esvaziamento do papel da justiça do trabalho; o que tornará ainda mais difícil [para os trabalhadores] vencer [um litígio]… e o exercício da representação sindical se tornará mais dura”, denuncia o operário.
Jonas espera do governo, justamente, que ele apresente medidas que valorizem as profissões artesanais, como a que ele exerce, e que levem à melhoria salarial.
Sentimentos que, de um modo geral, parecem comungar todos os manifestantes que responderam ao chamado da CGT. No entanto, se o sucesso não foi o esperado, ainda que relativo, uma outra explicação pode ser encontrada na divisão sindical que o método de dialogo social utilizado por Macron tem suscitado.
As duas outras centrais sindicais de peso entre as nove existentes no pais preferiram ficar na calçada e não atravessar o meio fil junto com a CGT. A Força Sindical e a CFDT – centrais tradicionalmente mais moderadas – ainda preferem negociar. A falta de política única entra as centrais seria evocativo do mesmo método politico que levou Emmanuel Macron ao Élysée, opina Jean-Marc, um outro aposentado ecologista que participou do protesto.
“Macron dividiu a esquerda, que não existe mais, e a direita, que esta em guerra” explica o aposentado. Para ele, o atual presidente, “destruiu as estruturas que poderiam canalizar o descontentamento”, insiste. O que, da mesma forma, segundo este militante ecologista, levou à morna mobilização popular desta semana e à divisão sindical.
Uma outra prova de que o modelo dito “pós-ideológico” do chefe do Estado confunde mais do que explica é a presença entre os participantes da jornada de protestos do jornalista e membro do chamado “Segundo Senado” da França, o moderado Jean-Luc Bennahmias. Bennahmias, que exerce mandato no Conselho Econômico e Social, foi candidato derrotado nas primarias do PS em 2017 e apoio o vencedor desta disputa, o deputado e ex-ministro da educação Benoit Hamon, no primeiro turno das presidências.
No segundo turno, este parlamentar que, no passado, fora próximo do presidente do partido centrista Modem, François Bayrou, apoio Emmanuel Macron com pouco entusiasmo mas com a esperança de que tudo pudesse se ajeitar. Contudo, tanto a forma quanto o conteúdo da reforma chocaram o político independente.
“Eu estou aqui hoje porque este país precisa de reformas, mas não se deve confundir reforma com regressão social” esclarece Bennahmias. O conselheiro de Estado prossegue admoestando o chefe da nação pela escolha dos decretos como método de trabalho. Segundo Jean-Luc, “se ele [Emmanuel Macron] e o movimento “Avante a Republica!” pensam que foram eleitos para isso [governar sem dialogo com a sociedade civil] eles se enganam” adverte. “Certo, eles foram eleitos para reformar o país, mais neste caso é preciso encontrar um compromisso”, segue, “e neste caso é preciso prestar atenção aos sindicatos, às associações, aos movimentos sociais”, conclui Bennahmias.
No que diz respeito ao conteúdo das reformas até aqui conhecido, Jean-Luc Bennahmias, que sempre frequentou as correntes mais moderadas da vida política francesa, ecoa o mesmo receio de militantes mais radicais que poderiam ser tachados de extremistas pelo atual chefe do Estado. “aqui neste caso, são as questões fundamentais de saber quem é legitimo na defesa dos trabalhadores e desempregados que estão em jogo. As centrais sindicais são legítimas, a justiça do trabalho é legítima, as associações e as corporações da sociedade civil são legítimas. E o que me preocupa é que [neste projeto de reforma] se faça tábua rasa de tudo isso”, se inquieta.