Marielle e a violência política no Brasil – YAP inicia série de reportagens

Mais de um mês se passou desde as brutais execuções da vereadora carioca Marielle Franco (Psol-RJ) e do motorista, Anderson Gomes, que a conduzia na noite do crime. No entanto, oficialmente, nenhum suspeito foi identificado, até agora, pela Policia Civil fluminense. 

Em recente entrevista concedia ao Jornal da CBN, o ministro extraordinário da  Segurança Pública, Raul Jungmann, revelou que a principal hipótese de trabalho da Divisão de Homicídios da polícia Civil carioca apontaria para o envolvimento das milícias. 

Porém, nesta terça-feira, Rivaldo Barbosa, chefe da polícia Civil do Rio de Janeiro, não quis confirmar a informação, mas declarou acreditar no bom andamento da investigação. “Nós estamos no caminho certo. A complexidade está na forma de atuação dos assassinos. Mas, a gente está fazendo de tudo para esclarecer essa atividade criminosa”, disse, em coletiva, sem prometer data para a conclusão do inquérito.

Marcelo Magela/Agência Senado

Como se sabe, Franco atuou como assessora do então recém eleito deputado estadual Marcelo Freixo (Psol-RJ) quando este presidiu os trabalhos da CPI das Milícias aberta pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) e que investigou a atividade destes bandos criminosos.

O relatório final resultou na perda de mandatos parlamentares de políticos identificados como chefes ou membros de milícias, indiciamentos de políticos, policias e outros criminosos ligados a esta forma de crime organizado. E, também, custou a tranquilidade de Freixo, que até hoje é protegido 24 horas por dia por agentes de polícia.

No entanto, por ser menos visada por ameaças, como explica o site do El País Brasil, a vereadora não era assistida por nenhum esquema de proteção oficial – o que a tornava um alvo mais fácil de ser atingido na busca por retalhação.

O martírio da jovem ativista chocou a sociedade e expôs a presença aparentemente indestrutível da violência na vida política do país. Neste sentido, o levantamento feito por Leonencio Nossa do diário O Estado de São Paulo recenseou mais de mil e cem casos de mortes deste tipo no país desde 1979, ano da promulgação da lei de Anistia que marcou o início do processo de redemocratização após duas décadas de ditadura militar iniciada em 1964.

Impunidade é a regra

No entanto, se o assassinato de eleitos da nação é causa de consternação, o crime por razões ou com origem na atividade pública se manifesta das mais diversas maneiras e faz vítimas sem cargos pomposos, mas que, ao se oporem a interesses que não admitem entraves, se expõem a sanha assassina dos grupos que os controlam.

Aliás, como no caso de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, a impunidade, que constata-se até agora, é a regra. Em média, de acordo com relatório do Instituto Sou da Paz, apenas 20% dos homicídios são elucidados pelas polícias civis do Brasil. Não se tem notícia que a taxa de elucidação de execuções políticas esteja muito acima da média nacional de resolução de casos comuns de assassinato.

Política, sangue e castigo: You Agency Press (YAP), em uma série de reportagens onde foram ouvidos intelectuais, acadêmicos, juristas, políticos e jornalistas, tentará analisar como e quão intensamente a violência política se faz presente no cotidiano do país. Quais são os grupos que se beneficiam? Quais são os grupos ou indivíduos vítimas desta prática e o que está na raiz da impunidade?

Ao final, YAP tentará situar a execução de Marielle Franco dentro deste contexto e vislumbrar quais forças estão por trás deste crime contra a democracia e a vontade popular.

Retorno à Duque de Caxias, ao parlamentarismo e aos anos sessenta:

Na primeira matéria da série, vamos ver como, a partir dos primeiros esquadrões da morte, arregimentados por ricos comerciantes e empresários locais de Duque de Caxias e arredores e cujos membros tiveram origem nas forças de polícia do estado do Rio de Janeiro, se chegou à criminalidade que, seguidamente, pode ser vista como uma outra expressão da vontade política do Estado.

Quem nos conta como isso foi possível é o sociólogo e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) José Cláudio Souza Alves. Autor do livro Dos Barões ao Extermínio – que se tornou referência no estudo da violência política na Baixada Fluminense – acredita que o Estado está por trás do que é legal mas também do que é ilícito ou oficioso.

O Estado, neste sentido, interpretado o pensamento de Souza Alves, é, por assim dizer, o chefe do crime organizado no Brasil.

O crime político muitas vezes não é identificado como tal

Igualmente, como veremos, Leonencio Nossa nos lembra que o crime político não esta tipificado especificamente no Código Penal Brasileiro. O que dificulta também a identificação e a investigação.

Desta forma, a disputa armada entre facções rivais em luta pelo poder local, as execuções de agentes públicos, jornalistas e outros “lançadores de alerta” com o objetivo de evitar a abertura de uma processo investigativo policial ou judiciário, ou até mesmo a intimidação de líderes comunitários são faces da violência política que muitas vezes não são encaradas desta forma pela imprensa ou pelas autoridades do país.

Um exemplo desta ambiguidade taxionômica é o caso recente de tentativa de homicídio, que ampliaremos nas páginas de YAP, contra Francisca Nascimento, líder do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu do Nordeste.

“À partir dos seis meses que seguem uma campanha eleitoral, os candidatos que não pagam o agiota… …ou não cumprem de cara as promessas com seus financiadores, ou não colocam pessoas com quem eles fizeram comércio em determinados cargos públicos”, como conta Nossa, podem se tornar vítimas da ação de pistoleiros.

O próprio financiamento de campanha, junto a agiotas, pode levar à um fim de carreira política selada no sangue. “À partir dos seis meses que seguem uma campanha eleitoral, os candidatos que não pagam o agiota… …ou não cumprem de cara as promessas com seus financiadores, ou não colocam pessoas com quem eles fizeram comércio em determinados cargos públicos”, como conta Nossa, podem se tornar vítimas da ação de pistoleiros.

Curral eleitoral

A intimidação Eleitoral, uma vez exclusivo instrumento do coronelismo da primeira república, hoje se manisfesta na ação das milícias cariocas. Como apontou o relatório final da CPI dirigida por Freixo em 2008, é pela ameaça que estes grupos armados constroem “clientelas” suficientemente numerosas para elevá-los a cargos eletivos no nível local e regional.

Ainda mais grave é o caso do ex-Coronel José Viriato Correia Lima da polícia Militar do Piauí. O ex-oficial, que comandava a PM do estado nordestino, também por décadas chefiou o crime organizado. Na qualidade de líder da gangue dominante, ele era temido por bandidos bem como por procuradores, juízes e outras autoridades locais.

Muitos políticos deviam cargos eletivos a curralização eleitoral dos territórios dominados por Correia Lima. Com as garras bem cravadas no aparato do Estado, o criminoso que se escondia atrás do distintivo só foi alcançado pela Justiça graças à ação da Polícia Federal que não estava comprometida com o sistema de corrupção e crime gerido pelo ex-oficial da Polícia Militar.

Coincidentemente, por quase dez anos durante os quais Correia Lima agia sem ser inquietado, no mesmo estado do Piauí, oito prefeitos foram assassinados. Durante os anos noventa, amua série de crimes cuja lentidão investigativa e o descaso das autoridades levou, ao final da mesma década, à criação de uma associação de viúvas de chefes de executivos municipais assassinados. Elas estavam em busca de justiça.

Estes e outros exemplos simbólicos da violência política e das persistentes consequências destes atos contra a democracia brasileira você só encontrará aqui na You Agency Press. Aguarde e acompanhe!

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