O caso Benalla sacudiu o parlamento francês no início do verão parisiense e a poucos dias do recesso, continua gerar manchetas esporádicas, durante este mês de férias tórridas. No entando, se 57% dos franceses consultados por um instituto de pesquisa acreditam que os acontecimentos relacionados com a ação violenta do ex-subchefe de gabinete da presidência da República no dia do Trabalho constituem um escândalo de Estado. A dúvida persiste: Escândalo de Estado, ou como dizem os defensores do presidente Emmanuel Macron, uma novela de verão? Em vista da história da chamada 5ª República francesa, como qualificar este affaire veranil?
O caso Benalla, que ainda gera manchetes em pleno verão francês revelou a hipertrofia do poder presidencial em um país que no papel viveria sob os auspícios de um regime parlamentarista.
No entanto, a forma como o comportamento irregular e violento de Alexandre Benalla foi tratado pela hierarquia palaciana chocou parte da classe política na França pelo carácter discricionário das decisões tomadas contra o então subchefe de gabinete e guarda-costas favorito do presidente da república Emmanuel Macron.
Não só a punição de um dos homens de confiança do chefe do Estado foi vista como branda, mas as vantagens concedidas à Benalla em razão das funções que seriam as suas junto ao Élysée. Levaram parlamentares, chefes de partidos e articulistas da imprensa local a qualificá-las de privilégios e mordomias concedidas sem o consentimento ou controle do contribuinte que ainda no caso do casal agredido na Praça da Contrescarpe; apanha na cara.
Como disse o presidente da chamada Comissão de Leis do Senado da República transformada em comissão de Inquérito Parlamentar (CPI), devido ao período de pré-recesso da câmara Alta, o parlamentar Philippe Bas afirma o caso Benalla como, “um escândalo de Estado.”
Philippe Bas: “Quando um agente do Élysée pode empunhar uma insignia azu, branca e vermelha [cores da bandeira francesa], insignias de polícia [sem ser um agente da lei], que o governo permita que [Benalla] continue agindo quando [este] foi às vias de fato, o que temos manifestadamente é uma confusão de poderes”, justificou, quando da instauração da CPI senatorial, a dura classificação dos acontecimentos em torno do ex-guarda costas do presidente Macron.
Exatamente, continua Bas, “quando um agente do Élysée pode empunhar uma insignia azu, branca e vermelha [cores da bandeira francesa], insignias de polícia [sem ser um agente da lei], que o governo permita que [Benalla] continue agindo quando [este] foi às vias de fato, o que temos, manifestadamente, é uma confusão de poderes”, justificou. Quando da instauração da CPI senatorial, a dura classificação dos acontecimentos em torno do ex-guarda costas do presidente Macron.
Além do percebido abuso de poder e de autoridade a presença discreta de Alexandre Benalla nos entornos do palácio mas também das instituições policiais suscitou um clima de polícia paralela, secreta, talvez de espionagem política pilotada pelo presidente e sem o aval dos serviços de Estado.
Um reflexo mais recente da classe política que receia a reconstrução de uma estrutura paralela de guarda-costas, homens de mão e arapongas, pagos pelo Estado mas à serviço de um partido, como fora o caso do Serviço de Ação Cívica ou SAC, que disciplinava e dava proteção aos eventos do partido gaullista mas que também executava vendetas facciosas contra os opositores do general fundador da 5ª república bem como espionava de maneira ilegal adversários e aliados.
A 5ª República de Charles De Gaulle
Estas inferências decorrentes dos fatos conhecidos e das dúvidas persistentes ao redor deste caso não inspiraram a oposição à modéstia e a temperança. Mas sim a crítica acerba e, por vezes, hiperbólica a gosto.
Escândalo de Estado! Eis o grito preso na garganta de deputados como Alexis Corbière do partido esquerdista France Insoumise (FI), que o entoaram desde os assentos recobertos de veludo do hemiciclo da Assembleia Nacional (ANF).
Mesmo a bancada macronista admite as falhas de “comunicação” e de “ótica” do caso. Mas como declarou o primeiro ministro, Edouard Philippe, durante a sessão que derrubou os dois pedidos de censura contra o governo que dirige, “nada foi escondido” do público. E ao final insistiu na mesma ocasião o premier, de que tudo foi resultado “de uma deriva pessoal” de um homem.
É um consenso entre as oposições que o caso Benalla é grave. Mais um escândalo de Estado em vista da história da chamada 5ª República francesa inaugurada em 1958, seria uma definição apropriada ou extravagante?
O general Charles De Gaulle, austero fundador da 5ª República, era sábio, pagava a conta de luz do apartamento de função que ocupava com a esposa no palácio Élysée – um exemplo de respeito ao dinheiro do contribuinte e um modelo de frugalidade no exercício do poder.
O Liberador da nação, logo, nunca se viu implicado em casos em que a ação da presidência pudesse ser taxada como indiscriminada, facciosa e inspirada por preferências pessoais e por incúria no uso dos recursos de Estado em privilégios de favoritos.
No entando, o chamado Serviço de Ação Cívica ou SAC, dirigido por partidários gaullistas e executado por leões de chacará e arapongas privados – mas pagos por fundos eliseanos secretos, sempre foi visto como uma espécie de polícia política paralela a serviço do velho comandante da liberação.
O resistente ao nazismo e persistente candidato socialista François Mitterand, décadas depois da primeira refrega presidencial, foi eleito e empossado pela primeira vez em 1981. Homem de esquerda – quase toda à vida – não era menos rígido com o uso do dinheiro público em favor das despesas pessoais do chefe do Estado.
No entanto, uma célula de inteligência presidencial, inicialmente instaurada por Mitterand para auxiliar o presidente na luta contra o terrorismo, acabou se tornando uma guarda pretoriana na defesa dos segredos do homem-presidente ao ponto de organizar um sistema de escutas, mais tarde consideradas ilegais, de personalidades disparates – políticos, jornalistas e personalidades do mundo artístico e literário.
A principal motivação para este abuso de poder: proteger o segredo mais íntimo do chefe do Estado. A existência de Mazarine Pingeot, a jovem filha de François Mitterand fruto da longa relação adultera com Anne Pingeot.
Aliás, entre outras medidas tomadas para esconder esta família paralela do presidente mãe e filha passaram à viver em um pavilão luxuoso de Paris. Uma propriedade do Estado afeta à presidência, hoje transformada em anexo habitacional e subdividida em diversos apartamentos de função, e que também abrigara Alexandre Benalla por um breve período.
Uma imensa mordomia aos custos da coletividade durante os anos Mitterand, um pequeno regalo a um leal partidário na visão de muitos parlamentares da oposição durante o primeiro ano do reino de Emmanuel Macron.
Estes dois exemplos e tantos outros através das décadas que sucederam a instauração de eleições diretas para presidente na França, marcaram à crônica política e foram, justificadamente, considerados escândalos de Estado. Com consequências variadas de acordo com à época e a importância dos personagens envolvido bem como com a evolução da exigência moral da parte dos eleitores.
Se você fala francês e também ficou na dúvida sobre como caracterizar o caso Benalla na escala de escândalos, assista ao vídeo à baixo e decida por sí:
Caso contrário, aguarde a próxima semana quando YAP, aqui neste espaço, tentará responder à esta questão.
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DF de Paris