“O Bolsonaro é uma declaração de guerra das elites brasileiras às camadas populares do Brasil”, avalia a historiadora Armelle Enders
Há poucos dias de um segundo turno que marcará a história da república brasileira YAPMAG e You Agency Press publicam entrevista com uma das principais especialistas francesas da história contemporânea do Brasil. Armelle Enders leciona na universidade de Paris 8 Saint-Denis e é pesquisadora junto ao Instituto de História do Tempo Presente em Paris.
Antiga aluna de um dos mais prestigiosos estabelecimentos de ensino superior na França, Enders defendeu sua tese sobre o federalismo da Velha República em 1998 e desde então já publicou 4 obras ligadas a historia brasileira e luso-africana entre as quais se destaca a “Nova História do Brasil” (Ed.Gryphus, 2012).
Em artigo publicado em 2017 na revista online francesa The Conversation a pesquisadora ja havia alertado para o risco de uma candidatura antisistêmica e de caráter extremista no horizonte das eleições presidenciais de 2018. Hoje, com Jair Messias Bolsonaro do partido Social Liberal (PSL) liderando as pesquisas de opinião no segundo turno Armelle Enders nos faz um balanço da campanha, da política brasileira e do futuro da democracia no Brasil nos anos quer virão.
De um modo geral, Armelle Enders vê uma vitória de Bolsonaro com grande apreensão. Na visão da especialista o período que se abriria com a chegada ao poder da extrema direita militarista liderada pelo ex-militar trará “muita violência” da parte dos apoiadores mais poderosos do capitão e “anarquia” no seio de um governo que seria composto de pessoas que ela julga “totalmente despreparadas” para o exercício do poder. “Acho que será um desfile de incompetência”, prevê.
E estas dificuldades, para Armelle Enders, podem levar a volta de dispositivos repressivos que limitem as liberdades democráticas. A volta da ditadura é um risco que, para ela, muitos eleitores estariam subestimando. A ideia, que muitos nutrem, de que se não der certo se tira Bolsonaro do poder não levaria em consideração a natureza da chapa líder das pesquisas. E o fato de que, desta vez, o militarismo no poder chegue ao Planalto pela via eleitoral “ainda é pior ” do que uma chegada pelo golpe como em 1964. Isso porque, se poderá, inicialmente, invocar a soberania popular como justificativa para medidas autoritárias.
A experiente observadora da vida politica da maior nação sul-americana viu na operação anti-corrupção Lava Jato um motor para desqualificação geral do sistema político brasileiro. A ação de investigação que inicialmente tinha a direção da Petrobras como alvo foi conduzida pelas policia e Justiça federais. No final, os procuradores e juízes federais de Curitiba, onde tudo começou, desbarataram diversos esquemas criminosos envolvendo políticos governistas e da oposição. Entre outros, os trabalhos da equipe paranaense levou à condenação em segunda instancia e a prisão preventiva do ex-presidente Luiz Inácio da Silva do partido dos Trabalhadores (PT).
Para Enders, o desencanto com os dirigentes vistos todos como parte de um sistema generalizado de malfeitorias às custas do erário poderia levar ao surgimento de uma aliança entre setores da extrema direita e a bancada da bíblia. Ela não via, tem um ano, Bolsonaro como a escolha mais provável mas sim as condições de um realinhamento que poderia levar o ultraconservadorismo ao poder em 2018.
Não somente o desgaste causado pela Lava Jato mas o clima “de ódio” que ela sentia crescer entre as facções políticas do país desde 2013, fizeram com que ela vislumbrasse o sucesso eleitoral do anti-petismo e das força conservadoras como uma revanche histórica de certos setores hostis a nova democracia brasileira. “Este ódio teria que ter uma tradução política”, justifica o palpite que teve.
Nos últimos dias de campanha no primeiro turno, entretanto, os altos indices de intenção de voto de Lula, até poucos meses, aliado ao testemunho de amigos brasileiros, fizeram-na hesitar. “Me desnorteou um pouquinho”. Ainda que se sentisse uma força em torno do candidato do extrema direita. “No final [o movimento final do eleitorado em direção de Jair Bolsonaro] foi tão rápido” nota.
Quanto a uma certa “cegueira” das elites acadêmicas, políticas e de opinião para a real possibilidade de sucesso eleitoral do ex-capitão ela atribui à um erro de percepção da raiva que a população vinha nutrindo dos governantes. E mesmo que a desinformação tenham tido um papel na ascensão do extremismo no Brasil, Enders ainda acha que faltou reconhecer que o sistema em torno da bi-polarização PT-PSDB chegava ao fim.
Já no tocante à prosperidade dos boatos disseminados pelas redes sociais ela acha que a prioridade é compreender o que leva as pessoas à serem alvos tão fáceis da desdita cibernética. “O que leva as pessoas à não poder conversar normalmente?”, se interroga a historiadora.
Ela ainda vê no partido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) a principal vítima deste pleito. O partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), cuja bancada federal sofreu de um derretimento histórico, teria menos força que o PT, que “tem a maior bancada e resistiu[no Congresso]” à enxurrada bolsonarista.
Sobre à estratégia do ex-chefe do Estado Luiz Inácio Lula da Siva, Armelle lembra, que face à provável vitória da chapa militarista, ele teria fracassado. Mas que, “até uma semana antes do primeiro turno”, quando as pesquisas eleitorais davam Fernando Haddad como um potencial vencedor da disputa final, “Lula poderia pretender ao título de gênio político”.
O revés cada vez mais próximo, bem como a conjuntura que poderá levar ao desfecho populista em 2018, segundo a pesquisadora, teria deixado e esquerda brasileira “paralisada face à situação”, acredita.
“O Brasil está à beira do abismo e eles não sabem como reagir. Ninguém está à altura do momento”, sentencia Enders. Par quem, não só o PT e Lula, mas FHC estariam aquém do que se esperaria de um ex-chefe de Estado.
Quanto ao forte anti-petismo que moveu uma boa parte do eleitorado este teria encontrado um desaguadouro na candidatura de Jair Bolsonaro, entre outras coisas, pelo envolvimento do PSDB na corrupção descoberta pela Lava Jato, apesar de que “milagrosamente”, na opinião de Enders, tenha sido menos molestado pela ação da Justiça Federal. A participação no governo do presidente da república Michel Temer, recordista histórico em termos de impopularidade, também descreditou, na avaliação da estudiosa, o partido de Geraldo Alkimin aos olhos do eleitores desgostosos com o lula-petismo.
No entanto, pensa Armelle Enders, haveria em gestação uma radicalização subjacente no seio do eleitorado de direita. “O que tem de mais assustador no fenômeno Bolsonaro é que ele foi o candidato escolhido pela classe média alta branca e educada e [isto] na verdade é uma forma de declaração de guerra à população brasileira mais pobre e das classes inferiores”, estima. “O Bolsonaro”, continua, “é uma declaração de guerra da elite brasileira às camadas populares do Brasil”, crava Enders.
já no que diria respeito ao papel do ex-presidente Luis Inácio lula da Silva, mesmo sem negar as errâncias do líder petista ele diz que o personagem é complexo. De difícil avaliação. “Eu já disse, Lula foi o presidente mais brilhante da história republicana do Brasil”, julga. Contudo, ela ataca, sobretudo “o personalismo em torno de sua pessoa”, que para a autora não seria bom nem para a democracia brasileira nem para a esquerda do país.
Neste caso, o ex-sindicalista seria um obstáculo à esquerda ainda que a única solução de liderança visto o contexto de crise acusada pela lava Jato, conclui.Um paradoxo de difícil resolução.
Armelle Enders também concorda com a colega Maud Chirio, ouvida por YAPMAG, em classificar Bolsonaro e o núcleo duro da candidatura como pertencentes a extrema direita nacional. No entanto, ela explica que ele e os ex-militares que o assistem na campanha não são necessariamente saudosistas da ditadura Militar mas eternos combatentes de um mesmo inimigo que seria o comunismo. “A Nova República, para os militares de extrema direita, foi a revanche dos derrotados de 1964”, interpreta a professora universitária.