Christophe Dettinger, o pugilista Colete Amarelo que agrediu dois policiais militares, tem pena de 3 anos de prisão decretada mas deve cumprir em liberdade condicional, decide a Justiça francesa

Os corredores em fronte à 23ª câmara do Tribunal de Pequenas Causas Penais de Paris conheceram uma tarde e noite agitadas pelo processo Christophe Dettinger. Ao final dos debates de hoje (13 de fevereiro), este ex-pugilista profissional, antigo campeão da França na categoria meio-pesados, que foi filmado pela agência de imprensa Line Press em uma passarela parisiense sobre o rio Sena, no dia 5 de janeiro, durante o “8º Ato” do movimento dos Coletes Amarelos (CAs) enquanto agredia dois policiais militares, foi condenado à 3 anos de prisão, sendo um ano em regime semiaberto e dois anos em liberdade condicional além da proibição de frequentar a capital francesa por um período de seis meses e a pagar mais de 6.000 euros à título de dano moral e multas diversas.

Esta foi a segunda e última audiência deste julgamento. No dia 9 de janeiro, através dos advogados que o assistiam, o pugilista aposentado requisitou e recebeu o prazo de um mês para preparar a defesa. Mês durante o qual ele foi encarcerado à título preventivo.  Agora, como explicou a presidente da 23ª câmara ao anunciar a sentença, Christophe Dettinger deve ser relaxado em no máximo cinco dias, quando poderá voltar para casa, e cumprir um ano de prisão em regime semiaberto domiciliar.

Dettinger foi acusado dos crimes de agressão seguida de lesão corporal leve e de agressão em reunião ou em bando seguida de lesão corporal grave contra agentes públicos. A primeira vítima, gravemente ferida, continua afastada das tropas. O agente fardado esta suspenso por licença médica. Uma segunda vítima policial esteve presente à audiência de hoje. Os outros suspeitos de coautoria ainda não foram identificados. O ex-campeão dos meio-pesados incorria à uma pena máxima de 7 anos em regime fechado.

O “Cigano de Massy”, como era conhecido nos ringues profissionais, em diversos pontos do interrogatório se declarou arrependido: “Senhor, Desculpe-me […] Meus gestos eu os lamento”.

Este processo se tornou imediatamente simbólico para todas as partes envolvidas. As autoridades do país, devido ao impacto midiático, exigiam uma condenação dissuasiva de futuras agressões físicas à agentes da lei. Os defensores do lutador – militantes CAs, familiares ou ainda simples simpatizantes da causa do réu – clamavam clemencia e temiam um pena exemplar. Pena que fora exigida pelo ministério público (MP) – 3 anos de prisão fechada, com um ano de sursis, e multa.

Porque a grande violência dos finais de manifestações que caracteriza este movimento de revolta social, fiscal e política dos Coletes Amarelos é esmagadoramente atribuía por eles à atitude hostil das autoridades encarregadas da manutenção da ordem, neste dia em que um primeiro clip de vídeo, curto mais incontornável, é visto por centenas de milhares de ativistas amarelos, a elegância dos violentos golpes desferidos por Dettinger conta o policial militar visto como o inimigo do povo em colete fluorescente é interpretada por adeptos CAs não como um crime mais como uma forma de justiça feita em nome da população,  antes mesmo que a identidade do desportista aposentado fosse conhecida ou que as imagens fossem veiculadas em todos os órgãos de imprensa da França Christophe Dittenger fora elevado ao posto de herói popular.

Suas vítimas – dois policias militares – agredidos de forma diferente em dois momentos distintos sofreram lesões leves, por um, e graves no caso de um outro soldado. Eles, seus colegas, autoridades políticas do país, o ministro do Interior, Chistophe Castaner, chefe das policias na França e a Justiça vêem Dettinger desde o principio como um criminoso que cometeu um ato impensável e que é merecedor de punição exemplar.

Neste dia 13 de fevereiro, mais de um mês depois do fatídico encontro entre o funcionário público, marido e pai de família militante e as forças da ordem, em uma passarela sobre o rio Sena, o ex-campeão de boxe profissional de 37 anos deve prestar contas à sociedade em um processo onde a questão mais lancinante a ser respondida, que circula nas cabeças e nos lábios das diversas partes envolvidas, é se a injustiça percebida pelo réu deve atenuar ou não a punição que sem dúvidas se abatera sobre ele?

Acessoriamente, a reputação do homem está em jogo. Seus detratores, na imprensa, entre os agentes de da lei e no topo do Estado, em vista das imagens conhecidas, pensam desde o início que Christophe Dettinger, sobe o ar choroso de um cidadão pacato que perdeu o controle, não passa de um “rufião violento, um linchador e um assassino de tiras”, conforme o réu mesmo interpretou o sentido das críticas ao seu encontro.

Ele e seus companheiros de luta pensam que o crime que cometeu, até mesmo em razão do passado sem antecedentes do ex-pugilista, não são representativos do homem. Ademais, Dettinger diz ter perdido a cabeça em razão de um injustiça contra ele mas, principalmente contra terceiro. Ainda que de natureza criminal diante da lei, seus pares em colete amarelo pensam que os atos praticados, ao contrário de desabonar o indivíduo, demonstram a idoneidade deste “cidadão de bem”.

A promotora de Justiça encarregada do processo, durante o interrogatório do réu, lançou: “O senhor é um ex-campeão de boxe. É coisa que se faça, golpear um homem ao chão?”

Resposta na forma de uma indagação: “que imagem eu passei hoje? E especial aos meus filhos?” Algo que parece preocupar acima de tudo o acusado.

Mas do que pleitear uma absolvição judicial, o cidadão Dettinger buscava, através do processo que se abriu no Juizado de Pequenas Causas de Paris, a absolvição face a opinião pública. E, claro, uma pena que não implicasse um cumprimento em regime fechado.  Ao final do dia, ele certamente, alcançou um destes dois objetivos.

Um procedimento especial

A corte que se prepara para julgar o “Cigano de Massy”, na maior parte dos casos, julga réus denunciados por crimes de baixo ou médio potencial ofensivo em um regime chamado de “comparecimento imediato”. Isso quer dizer que os denunciados, com base nos primeiros elementos colectados pelos investigadores durante o período de oitiva coercitiva e inquérito preliminar (que pode ser de até 48h nestes casos) podem, se assim escolherem, terem seus casos julgados imediatamente após a denúncia.

É por isso que o Juizado de Pequenas Causas Penais na França é conhecido, principalmente, como o “Tribunal de Comparecimento Imediato” de um paciente da Justiça frescamente transformado em réu. Na audiência de abertura de tais processos, o acusado pode escolher ser julgado “imediatamente” ou pedir nova data para a chamada fase de “instrução” afim de melhor preparar a defesa. Da mesma forma, o Ministério Público, que como no Brasil, é o dono da ação penal, pode pedir uma data posterior de instrução para proceder à novas diligências afim de produzir provas complementares que possam confortar a denúncia.

Isso porque, como no caso dos Juizados de Pequenas Causas brasileiros, esta forma de justiça expeditiva, se por um lado permite de dar celeridade aos trabalhos do poder judiciário, descongestionando os escaninhos da varas criminais, por outro lado apresenta um risco grande tanto para a defesa, quanto para a acusação que podem ver suas pretensões frustadas dentro do processo pelo açodamento constitutivo desta corte de justiça especializada.

Grande Afluxo

Por todos estes elementos de um contexto vocacionado à incitar fortes emoções as portas da 23ª câmara do Juizado de Pequenas Causas de Paris se viram rodeadas de curiosos, militantes CAs, jornalistas de todos os veículos nacionais e muitos correspondentes internacionais, juristas, sindicalistas das diversas corporações policiais e militares, pesquisadores e até mesmo rábulas. Antes da abertura da sala de audiências, este assortimento mundano de personagens formavam filas, se reunião e se cruzavam em um ambiente cujo clima variava entre apreensão e violência racial.

Conforme o momento do início dos trabalhos da corte se aproximava a tensão aumentava paulatinamente entre os presentes. Isso porque a limitada capacidade da sala de audiência não comportaria todos os interessados em acompanhar este processo emblemático.

Dettinger, que desde sua primeira manifestação pública na Internet após os fatos que o são imputados, se diz apartidário, “um simples cidadão revoltado”, não deixou muitas pistas no seu perfil Facebook para que se pudesse verificar da veracidade do seu apartidarísmo. Um único like, e o patrocínio determinado da causa do réu por grupos de Extrema Direita sãos únicos indícios de suas íntimas simpatias políticas. Menos ambíguo que o ex-campeão dos meio-pesados, justamente, seus apoiadores exteriores ao círculo familiar.

No burburinho que antecedeu a audiência, súbito, um tumulto eclodiu. Um homem de origem árabe é retirado da fila Manu militari por homens, alguns calvos, aos gritos de “tu não tem nada o que fazer aqui! Tu não é francês!”. Minutos depois, ou outro grupo de torcedores pró-Dettinger derrubou um repórter fotográfico da agência Reuters. Um ambiente um tanto conflagrado típico de processos contra racistas de todos os gêneros por ofensas pronunciadas desta natureza – que são punidas pela lei na França.

Uma vez iniciada a audiência – com dois terços do público excluído e com a sala superlotada – os debates, entre os advogados da defesa, assistentes da acusação e o MP se estenderam por mais de seis horas em uma audiência hiper-mediatizada.  “O tribunal  não pode julgar apenas [estes] dez minutos da vida [ocorridos no dia 5 de janeiro] do homem”, salientou, durante o fechamento da sustentação oral, um dos decanos entre os penalistas de Paris e ex-presidente da Liga do Direitos Humanos (LDH), Henri Leclerc. Este reconhecido causídico se juntou recentemente ao time de defensores do lutador que já contava com os penalistas Hugues Vigier e Laurence Léger.

“Tenho vergonha do que eu fiz” assumiu, diante de uma de suas vítimas presentes ao processo. “Desde guri, eu tento ser um bom irmão, um bom camarada, um bom marido, um bom pai, de fazer o que se deve”, disse o réu, em um dos momentos em que tenta se desfazer da imagem de “agressor de tiras”  da qual se diz vítima desde que o caso passou a frequentar as manchetes do país. A seu favor, como a defesa salientou varias vezes, o funcionário público conta com uma ficha corrida sem antecedente em 37 anos de vida e a testemunho abonatório de colegas de serviço e subordinados.

Os fatos

Christophe Dettinger, este ex-lutador profissional de boxe, um militante colete amarelo da primeira hora, é filmado em dois momentos curtos e próximos uns dos outros durante à 8ª jornada de manifestações deste movimento que agita o país desde o dia 17 de novembro do ano passado. Nos últimos três meses, os CAs realizam passeatas, oficiais ou improvisadas, todos os sábados da semana. Os finais de protestos, rapidamente, se caracterizam por violentos confrontos entre as tropas de Choque da polícia militar, policiais civis e os ativistas em amarelo.

Em um contexto de fim de passeata, neste “8º Ato” Colete Amarelo, Dettinger é visto, e filmado, em um primeiro momento, sobre a passarela Léopold-Sédar-Senghor em fronte ao museu D’Orsay na capital, deslocando, atirando ao solo e depois linchando, em grupo, um militar que, minutos antes, procurava, junto com os colegas de farda, impedir o avanço dos manifestantes. Em seguida, outras imagens mostram o ex-campeão em uma cena inusitada de pugilato urbano contra um segundo policial “encarapaçado” e com a cabeça protegida por um capacete com viseira a prova de choques.

Cronologicamente, cena um: Um homem vestido de negro, com toca sobre a calva e a mão esquerda que se agarra firme a balaustrada da estreita ponte pedestre, ataca, à ponta pés, um policial à terra.

Cena dois: Segundos depois da primeira agressão, o mesmo homem alto, longilíneo, surge em fronte à um pequeno grupo de militares, toma um deles por alvo e, como em uma evento de pugilismo, com fina técnica, dispara golpes contra o agente em face. poucos segundos à frente, ele parece se desinteressar da presa, que recua sem reagir, abandonando o quadro.

Herói quase instantâneo e viral

Mas o público francês e internacional verá primeiro a segundo cena. No curto vídeo realizado pela agência de imprensa francesa, Dettinger aparece, tal qual um pugilista sobre um ringue, a golpear o torso e a face protegida de um policial da tropa de Choque que, em falange, o impedia, à ele e aos seus camaradas, de avançarem em direção da outra margem do Sena.  Primeiro a ser compartilhado pelo portal de microbloging Twitter, o documento visual viralizou em poucas horas já no sábado em questão.  No entanto, antes desta imagem pitoresca que circulou pelo planeta, como estabelecido na audiência de hoje e através da mídia durante os primeiros dias de exposição do caso, o pugilista também é flagrado, desta vez aos ponta pés, agredindo um primeiro militar que ele mesmo havia jogado ao solo.

Imediatamente, os militantes CAs, que assistem à um dos seus “dar uma tunda” em um destes temidos militares que os “prendem em armadilhas” todos os sábados para melhor borrifá-los de gás lacrimogêneo, conforme argumentam este ativistas, repassam a postagem entre si em uma escala de centena de milhares e congestionam a linha do tempo do perfil Twitter da pequena agência de notícias francesa com mensagens de congratulação pelo ato de “coragem”, de “heroísmo” e de “vingança” realizado pelas mãos desarmadas do ex-campeão.

Ato ainda mais heroico devido à razão que levou este pai de família remediado e pacato à se atacar à polícia: ele teria procurado defender uma ativista que estaria sendo agredida pela polícia bem diante dos seus olhos. A cena teria levado Dettinger à um estado máximo de raiva que, ao final, o conduziria à ação violenta.

Para confortar a tese do ato protetivo e abnegado do pugilista aposentado, Gwenaëlle A., a militante vítima dos golpes policiais, com o cabelo rosa e carregando o mesmo xale de lã vermelha que portava no dia do incidente, depôs hoje, e afirmou que o lutador teria “salvado a [minha] vida”.

Em um instante, Christophe Dettinger se torna o “herói vingador” dos Coletes Amarelos. Entre o sábado do ataque, a as primeiras horas de midiatização, dois dias em que ele ficou foragido e o momento da primeira audiência tem um mês, a (in)fortuna judiciária do pugilista aposentado, que hoje ocupa cargo público junto à administração territorial da França, passou a interessar de perto o ministério do Interior.

Aliás, o outro Christophe – que é como um anti-Dettinger aos olhos dos CAs – Castaner, ministro do Interior, se limitou a felicitar a Justiça pela condenação, em uma postagem Twitter logo após a leitura da sentença. Se o chefe das polícias na França se considera contente com a pena decretada na noite de hoje ou se, ao contrário, ele a considera como leniente, somente as próximas horas ou dias dirão.

Defesa

Antes de retornar a prisão na espera da futura liberação, o réu célebre, bem vestido e agora calmo, discutia com ar aliviado – até mesmo pudicamente satisfeito – últimos detalhes da sentença com seus advogados.

Ao deixar a sala de audiências, envoltos pela floresta de microfones típica em casos desta natureza, os defensores do Christophe Dettinger, que não lutavam pela absolvição do cliente, se felicitavam do fato de que o militante poderá reganhar à liberdade em menos de uma semana. Além do mais,  Dettinger, por enquanto suspenso de suas funções de servidor público territorial, poderá ter a chance de preservar o emprego – uma outra preocupação dos amigos e familiares presentes ao processo.

Tanto Laurence Léger quanto Hugues Vigier foram aclamados pelos torcedores e outros apoiadores do “Cigano de Massy”. Um sinal de que a liberdade recuperada pelo pugilista era a vitória mais esperada por todos os novos fã do desportista.

Se a decisão da corte, que preserva a vida profissional e familiar do ex-pugilista, agradou ao time Dettinger. Do lado da polícia, ela já é vista como branda. Ainda nesta noite do 13 de fevereiro, minutos após o decreto da pena conhecido, o sindicado Alliance Police Nacional – de direita – estimou, através de uma série de postagem Twitter, que a pena aplicada ao ex-campeão francês seria “ridícula” e que “não levaria em conta as circunstâncias agravastes” envolvendo o caso.

Já a comissária de policia Linda Khebab, aporta-voz do sindicato Unité-SGP Police-FO, classificado à esquerda, acha “é uma resposta política, porque, apesar de tudo, ela [a pena] é superior [à média]” das penas proclamadas em casos similares, pensa saber a sindicalista. No entato, ela considera como moderada e aquém do que o crime exigiria. Uma opinião, segundo ela, não apagaria o efeito de exemplaridade desejado pela categoria policial na França.

DF de Paris

* Este artigo será atualizado nas próximas horas.

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