No 7° dia de greve integra do projeto de reforma do regime de aposentadorias na França é rejeitado pela oposição e sindicatos

O primeiro ministro francês Édouard Philippe, como prometido, apresentou a integra do projeto de reforma do regime de aposentadorias do país. Diante da 3ª câmara deliberativa da França – o Conselho Econômico, Social e Ambiental (CESA) – o chefe do governo buscou sobretudo reconquistar a confiança da opinião pública que se mostra cética quanto as intenções declaradas pela maioria macronista de manter a solidariedade entre as gerações como fundamento do sistema de pensões.

No entanto, o que Philippe apresentou como “avanços” e “concessões” aos atores sociais foi visto como um “deboche” que “não esta à altura” das reivindicações principais das centrais sindicais e de representantes de trabalhadores de setores fundamentais – em especial policiais, ferroviários e metroviários, professores ou ainda profissionais da saúde pública. Desde já, os sindicatos das estatais públicas dos trilhos, SNCF,  e do transporte metropolitano de passageiros da região parisiense, RATP, apelam aos colegas  à “intensificar o movimento”.

“Chegou o tempo de construir um sistema universal de aposentadoria”, proclamou, o primeiro ministro francês, Édouard Philippe, na abertura da tão esperada alocução em sessão plenária do CESA desta quart-feira (11 de dezembro), que marca o 7° dia de greve contra a reforma.  Mesmo firme sobre o principio geral, o chefe do governo, ciente da bronca social que se reflete nas ruas, na persistente greve dos transportes mas também nas pesquisas de opinião, começou elogiando o regime em vigor.

Um regime cujo principio é fundado sobre a solidariedade entre as gerações de trabalhadores e onde os ativos financiam as pensões dos aposentados. Um principio de solidariedade ao qual os manifestantes, desde a semana passada, tem se dito particularmente apegados e que, no projeto de reforma, tal como se conhecia, lhes parecia ameaçado.

“O que propomos é um novo pacto entre as gerações . Um pacto fundado dentro do espírito daquele que o Conselho Nacional da Resistência imaginou e pôs em prática no após-guerra (2ª Guerra Mundial) para construir o sistema de aposentadorias atual”, definiu assim as intenções do governo. Uma frase que visa demonstrar o desejo de preservação do modelo social surgido durante a reconstrução do país após o fim da ocupação nazista.

Isso porquê, na média, quando ouvidos, entre outros, pela nossa reportagem, os franceses que se opõe as intenções de Philippe e do presidente da República francesa Emmanuel Macron, se dizem convencidos do desejo da dupla executiva de “extinguir” este modelo criado em 1945. No fundo, esta desconfiança traduz o medo do fim do que se chamou de “estado de bem estar social” – um pacto entre o capital e o trabalho tendo o Estado como garante e mediador.

“Ele [o projeto] refunda profundamente as regras para corrigir novas precariedades mas se mantém fiel aos valores da fundação”, assegura Philippe. O premiê, que busca sair do impasse atual pelo verbo, antes mesmo de entrar no conteúdo das medidas, se dirigiu ao mundo sindical. “Eu sei, na nossa história de lutas, o que o combate sindical permitiu de obter em favor dos trabalhadores”, concedeu. “Eu não quero, na França de hoje”, continuo o chefe do governo, “entra em uma lógica de choque de forças. Eu não quero aceitar uma retórica de guerra”.

Ele estendeu ainda mais à mão ao afirmar que ele não deseja “estigmatizar ninguém”. “Não se trata de saber se o governo vai se sustentar. Se os sindicatos sairão vencedores ou derrotados. Não haverão, nem vencedores, nem vencidos”, quer acreditar o premiê.

No entanto, em um primeiro momento, as demonstrações de boa vontade, de escuta e de espirito social não parecem ter surtido o efeito desejado. Os principais sindicatos representativos da SNCF e da RATP responderam de forma firme e asseguram que o principio mesmo da reforma – cotização por pontos e não por trimestre trabalhado, fim da indexação das pensões baseada na média salarial do final de carreira, aumento da idade mínima para aposentadoria completa e extinção gradual dos 42 regimes especiais de aposentadoria – é inaceitável.  O secretário geral da sessão dos ferroviários da Central Geral dos Trabalhadores (CGT), Laurent Brun, por exemplo, desde o fim da fala de Philippe, conclamou a categoria à “reforçar a greve” para derrubar a instauração “do regime universal por pontos injusto ” aos olhos do sindicalista.

Mesmo Laurent Berger , secretário geral da Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT), a primeira central sindical do país e de viés reformista, se disse decepcionado, em especial, com o aumento previsto para 64 anos da idade mínima para receber a aposentadoria integral. “Esta era uma fronteira à não ultrapassar que foi ultrapassada pelo governo” disse Berger, que acompanho o discurso do primeiro ministro nas tribunas do CESA.  Ele conclamou os trabalhadores afiliados à CFDT, à apoiar o movimento social e a aderir à greve geral iniciada no último dia 5 de dezembro.

Mesma rejeição das propostas do governo em um tom mais agudo do lado da segunda central do país. O secretário geral da CGT – organização com origens comunistas e hoje independente mas ancorada mais à esquerda – Philippe Martinez considerou que o governo “debocha de todos”. O que Philippe e Macron buscariam com a reforma, continua o líder sindical, seria “individualizar o sistema de aposentadorias”. Na avaliação de Martinez, “todo mundo vai trabalhar mais tempo, é inaceitável”, vaticina.

A hostilidade das organizações sindicais, se não surpreende, frusta o governo que esperava que certas “concessões” e mesmo “avanços”, como no caso da criação de um piso de mil Euros para todo os aposentados em idade mínima de aposentadoria, pudessem apontar um inicio de saída de crise.

E Philippe procurou responder ao que, na média das opiniões conhecidas, representariam pontos nevrálgicos que causariam a resistência à reforma junto à três quartos dos franceses, conforme institutos.

O primeiro ministro prometeu que o valor do ponto que determinará a futura pensão será estabelecido em comum acordo com as centrais sindicais e demais atores sociais “em coordenação” com o Congresso. Além de prometer um sistema de cogestão do regime por pontos, ele ainda assegurou que a futura lei estabeleceria uma “regra de ouro” que impediria revisões que diminuam o valor do ponto e, por conseguinte, das pensões.

Quanto a harmonização dos regimes ao novo fundo universal, e o respeito dos direitos adquiridos, ele informou que as as pessoas nascidas até 1975 poderão permanecer no atual sistema. Uma concessão aos sindicatos de ferroviários  preocupados com a perda de direito destes funcionários que, hoje, podem partir mais cedo devido ao calculo da insalubridade e que tem as pensões calculadas através da media salarial dos últimos anos de carreira – quando os salários são mais elevados. Os mais jovens – nascidos após 1975 – não escaparão, ao menos parcialmente, à harmonização dos regimes.Em 2022, de acordo com os planos, todos passarão à ingressar integralmente no novo regime.

Contudo, como explicou o representante CFDT da categoria, Didier Auber, ontem, ao diário Le Monde, o que poderia levar o quarto sindicato entre os ferroviários à voltar ao trabalho seria a adoção da “regra do avô”. Por esta disposição, somente os futuros contratados entrariam no novo regime universal, perenizando o regime especial para todos os atuais funcionários – mesmos aqueles nascidos depois de 1975. “nós estamos chegando à um momento – ao final de seis, oito dias de conflito – em que as pessoas já perderam [dinheiro] demais para [aceitar] retornar ao trabalho por nada ou quase nada. Eu vivi [ a greve de] 1995 e eu vi chegar este momento de virada quando a greve ganha uma dimensão que pode se tornar irracional”, projetou Auber.

E de fato, a greve deve permanecer dura para o dia de amanhã – dia de novo apelo nacional a manifestação em certos pontos e regiões decidido pela Intersindical que coordena o movimento de oposição à reforma. As direções da SNCF e da RATP anunciam uma circulação perturbada. A estatal ferroviária estima que circularão apenas 25% dos trens bala  (TGV) e 35% de trens regionais e intermunicipais. A recomendação aos usuários e para que anulem viagens e deslocamentos que dependam dos trilhos, na medida do possível. Já a RATP prevê uma situação praticamente idêntica à de hoje: 10 linhas de metrô fechadas, outras 4 com circulação mínima e somente em horários de ponta e com as linhas 1 e 14, automatizadas, em funcionamento normal. As 8 linhas de bonde e as linhas de ônibus da capital e região metropolitana terão circulação reduzida.

Educação Nacional

Como disse Didier Auber, o conflito social perdura e as perdas financeiras se acumulam para os grevistas. A cada dia que passa o risco de agravamento da situação social aumenta. Sabendo disso, o projeto do governo tenta desarmar os ânimos de uma outra categoria que se mostrou intratável até agora e cujo potencial de mobilização não se deve duvidar.  O magistério nacional – cujos funcionários, de acordo com o próprio relatório redigido pelo alto comissário da reforma Jean-Paul Delevoye e que serviu de plano piloto para as medidas anunciadas hoje, devem ser os principais “perdedores”. A Educação Nacional veria o fim, em particular, a base de calculo sobre os últimos seis meses de carreira, e que, como explicamos aqui, levaria à uma perda nominal do valor das futuras pensões da categoria.

Para conter à revolta dos professores, Philippe prometeu a “revalorização” do piso salarial dos professores em inicio de carreira, em especial, e dos funcionários com maior antigüidade. No entanto, nem o primeiro ministro, nem o ministro de tutela da Educação Nacional, Jean Michel Blanquer, que além de elogiar a ação do governo, não especificaram valores ou modalidade de aumento salarial – um discurso vago que esta na origem da desconfiança dos educadores.

Bernadette Groison, secretária geral da Federação Sindical Unitária (FSU), primeira central entre o professores, afirmou, logo após a fala de Philippe, que o “descontentamento e a determinação” da categoria “permanecem inteiros”. Os educadores aderiram maciçamente ao apelo de greve geral do dia 5 de dezembro, e em número menos expressivo no dia de ontem – com indicies variando de 12% à cerca de 50% de adesão, dependendo da fonte consultada. Entretanto, a falta de clareza quanto ao futuro das aposentadorias da categoria pode levar a uma intensificação do movimento nos dias por vir.

“O primeiro ministro confirmou o [seu] projeto, e nós não sabemos ainda o que ele propõe como compensação pela perda do cálculo de pensões sobre os últimos seis meses (…). O que nós sabemos é que teremos que trabalhar por mais tempo e isso é não para a FSU”, cravou a líder dos professores.

Policia Nacional

Outra medida concebida para diminuir a pressão contra a reforma é a manutenção do direito de aposentadoria antecipada para a polícia, em especial, mas para outras careiras cujo fim do regime especial específico acarretaria o fim desde benefício baseado na maior insalubridade destas profissões. De acordo com o plano apresentado hoje por Édouard Philippe, pontos extras seriam dados à certas carreiras para que as idades mínimas antecipadas sejam perenizadas pela reforma.

No entanto, o anúncio não agradou os sindicatos da Policia Nacional. Para Yves Lefebvre, secretário geral de Unité-CGP-Police, o governo “não disse nada além do que já sabíamos”.  Mesma indignação do lado do sindicato Alliance. O secretário geral Fabien Vanhemelryck declarou que “enquanto não tivermos certeza de que teremos uma derrogação à este sistema de aposentadorias universal (…) nós manteremos o choque de forças”. Como esta insatisfação se traduzirá nos próximos dias é um outro motivo de preocupação para Philippe e Macron.

No setor de saúde, que esta em crise desde o inicio do ano, ontem, os médicos residentes entraram em greve também, agravando ainda mais a situação dos serviços de urgência pelo país – saturados pelo aumento dos atendimentos e pela diminuição dos recursos humanos e financeiros. No dia que passou, também, sete refinarias, entre as oito em operação na França metropolitana, fizeram operação tartaruga. O clima social pesado desde a eclosão do movimento do Coletes Amarelos tem um ano e a desconfiança geral da população são ingredientes e sinais que potencializam as chances de uma convergência de lutas e de uma intensificação da greve que poderiam levar a ambiciosa reforma à lona.

Partidos de oposição

O governo sabe disso, e tentou se mostrar preocupado com as demandas sociais através do discurso de Édouard Philippe hoje ao meio dia (hora local). No entanto, nem mesmo medidas como uma sobretaxa de cotização sobre os salários dos super-ricos do país parecem ter agradado os que já se opunham ao projeto. No plano político, a apresentação de hoje não convenceu igualmente.

O primeiro secretário do Partido Socialista, Oliver Faure, acha que o partido de François Mitterrand não pode “aceitar a reforma tal como ela foi apresentada.” Ele se disse favorável à uma nova mobilização – uma nova jornada já havia sido prevista ontem mesmo pela Intersindical para à próxima terça-feira. “O governo não tem o apoio de mais nenhum sindicato”, alfinetou Faure.

Para deputada da France Insoumise (LFI – esquerda radical) Clémentine Autain, “a cólera vai crescer”, estima. A parlamentar LFI avalia que no projeto detalhado hoje “não há nenhuma garantia de que o sistema permitirá de manter [o mesmo nível] das pensões”. Autain, sem rodeios, pontua que “o sistema por pontos é a pauperização das aposentadorias”.

 

DF de Paris

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