Governo aprova projeto de lei que reforma regras de imigração e de asilo à sombra do caso Benalla
O polêmico projeto de lei Imigração-Asilo, visto pelo mundo associativo, pela oposição de esquerda e até mesmo pelos parlamentares mais centristas da maioria como repressivo, foi aprovado definitivamente nesta quinta-feira, em segunda leitura, na Assembleia Nacional francesa (ANF). A medida, na visão do governo,visa a melhoria da acolhida de refugiados e da integração dos migrantes legais no país.
No entanto, para as organizações não governamentais (ONG) que militam em favor dos migrantes, não só a nova legislação, mas a política geral da atual maioria, buscam restringir os meios de imigração legal e facilitar a expulsão de estrangeiros em situação irregular.
Em 2017, por exemplo, se o número de pedidos de asilo alcançou o recorde de mais de 100 mil no total e com um crescimento de 2% do total de decisões positivas, as expulsões de estrangeiros vistos como em situação irregular teve um incremento de 14% em relação à 2016 – foram mais e 14 mil expulsos.
Em discussão desde os primeiros meses do ano, o projeto de lei chamado Imigração-Asilo, que reforma as regras de imigração e o direito de asilo na França foi aprovado nesta quinta-feira (02 de agosto), à sombra do reboliço que tomou conta da vida política francesa na esteira das revelações feitas pelo jornal Le monde e que estão na origem do dito caso Benalla.
Esta reforma, que teve como motivação e objetivo oficialmente declarados de acelerar o trâmite dos pedidos “legítimos” de asilo, facilitar a integração de migrantes legais e de dar celeridade às expulsões de estrangeiros em sessação de direitos administrativos no interior das fronteiras francesas, aprofundou o fosso entre o governo de Edouard Philippe e as organizações não governamentais (ONG) que militam e atuam em favor de um acolhimento irrestrito e incondicional de todos os migrantes dentro do território europeu.
Já em dezembro, em uma reunião de urgência, quando o premier tentava apagar um primeiro incêndio entre as ONGs e o Ministério do Interior, o presidente da Liga dos Direitos Humanos (LDH), Malik Selamkour, convidado à participar das discussões em torno do então ante-projeto em elaboração, este dirigente já manifestava desconfiança:
Ao deixar uma evento em torno de Edouard Philippe no palácio de Matignon, cede do governo, Selamkour soou assim nas páginas de You Agency Press (YAP):
“Hoje, é verdade, o sinais não são muito bons. [o encontro de ontem, 21 de dezembro] parece indicar uma das políticas mais restritivas em direção dos estrangeiros”, concluiu desanimado.
De janeiro até este último dia de trabalhos na Assembléia Nacional francesa (ANF) os deslises verbais do condutor da reforma, o ministro do Interior Gérard Collomb, e as polêmicas e divisões se multiplicaram.
Collomb, em uma sessão de perguntas ao governo no parlamento durante o inverno assimilou os meios necessários à acolhida de migrantes – em consideração ao número de chegadas anuais – aos esforços de construção de uma cidade ao ano.
Mais tarde no ano, em maio, o primeiro policial da França, durante uma sabatina em comissão da ALF que discutia a reforma, com ar hilário, afirmou que os refugiados que ingressavam no espaço comum europeu fariam uma espécie de “benchmarking”, comparando e escolhendo os países mais laxistas como guichê onde protocolariam pedidos de asilo, na esperança de pronto atendimento à demanda.
Estas frases, que foram consideradas pelos críticos do ministro como insensíveis e desconectadas da realidade do atendimento humanitário no cotidiano foram minando a relação entre o Interior, extremamente envolvido com os meios a disposição para receber e acomodar migrantes, e as associações que executam as tarefas no terreno.
Além de prejudicar o dialogo com as ONGs humanitárias, a percebida intransigência do ministro, que escolheu não acatar à quase integralidade dos pedidos de emendas ao projeto oferecidas pelo meio associativo, provocou a incompreensão de todas as 28 associações envolvidas nas tratativas, inclusive as mais centristas, como o Socorro Católico, Ëmmaus, Cimade ou a ainda a LDH.
No parlamento, este comportamento refratário às mudanças que propunham o abrandamento do projeto produziu efeitos cismáticos no seio da bancada pretoriana do partido macronista La République en Marche (Lrem). O grupo governista, que vinha aprovando reformas ao passo de marcha viu uma primeira fissura em torno do projeto desejado pelo presidente da República, Emmanuel Macron.
Dezenas de deputados centristas de Lrem, não só fustigaram a atuação de Collomb e as disposições do projeto como deixaram de votá-lo quando da primeira e, agora, da segunda leitura na Assembleia.
No que diz respeito ao conteúdo da lei, o que causa tamanha polêmica são, principalmente, o encurtamento dos prazos para iniciar um processo de pedido de asilo, em seguida, para contestar uma decisão desfavorável, e por fim, o aumento dos prazos de detenção provisória de migrantes durante o procedimento.
Este desejo do governo, do Interior e da maioria da bancada macronista de encurtar prazos com o objetivo de diminuir a tramitação dos processos de pedido de asilo, causou um mal-estar junto aos árbitros, justamente, que devem julgar os recursos protocolados pelos refugiados. Os juristas da Corte Nacional de do direito do Asilo (CNDA), em fevereiro, inicio greve que durou 28 dias.
Apesar do fim do conflito social, os sindicalistas da CNDA continuam mobilizados e em oposição à um projeto, agora lei, que eles consideram ineficaz e inadaptado à realidade da câmara que trata dos pedidos de asilo em segunda instância. Durante a paralisação, este julgadores defendiam a manutenção dos prazos existentes e, em contrapartida, um aumento significativo dos efetivos da CNDA. Para os ex-grevistas, o problema não estaria nos limites legais de tramitação mas na escassez de recursos para analisar corretamente todos os casos que a corte recebe à cada ano.
No final o prazo de 30 dias para dar entrada à um pedido de asilo junto às autoridades administrativas, que havia sido encurtado pelo Senado, foi reintroduzido na versão votada pela Assembleia nesta semana. Por outro lado, um dos grandes pontos contenciosos foi mantido: o aumento do tempo máximo autorizado ao Estado – agora de 90 dias – para manter exilados em detenção administrativa enquanto esperam uma resposta das cortes.
Na visão de todas as ONGs francesas, esta medida visa á facilitar e ampliar o número de expulsões anuais de estrangeiros em situação irregular.
DF de Paris